Fundada pelos gregos por volta de 734 a.C., no sudeste da Sicília (Itália), descrita por Cícero como “a maior e mais bela de todas as cidades gregas”, Siracusa alcançou tamanho e status no mundo antigo comparáveis aos das grandes potências, como Atenas e Cartago. Conquistada e alterada por romanos, bizantinos, norte-africanos, normandos e outros, acabou recebendo influências nos mais diferentes aspectos, desde a arte religiosa até o estilo culinário bem característico que combina salgado-doce-azedo. Grande parte da cidade antiga sumiu, embora haja ruínas suficientes. Mas a principal atração é o centro: a ilha de Ortigia, um labirinto de vielas, igrejas barrocas e palacetes centenários.
A passeggiata, ou caminhada noturna, à volta do perímetro de Ortigia, é imperdível. Comece do Parco Letterario Elio Vittorini, do lado leste, e siga em sentido horário. Com as ondas se chocando contra as rochas do quebra-mar lá embaixo, você vai passar por mirantes com ameias e a fachada entalhada da Chiesa dello Spirito Santo, do século 17, antes de encontrar os jardins de palmeiras do Castello Maniace, do século 13. Seguindo para o lado oeste, chegará ao local onde, segundo a lenda, a deusa Ártemis transformou uma ninfa em fonte de água natural – a Aretusa – e a outra fonte de líquidos preciosos: um bar à beira-mar chamado Fratelli Burgio al Porto, onde um Aperol spritz custa 7 euros. O pôr do sol no mesmo tom, sobre o Mediterrâneo, é cortesia da casa.
Falando em cortesia, por favor, não reclame ao garçom sobre a presença de uva passa no seu “mix de legumes”. Ela tem de estar na caponata, sim, como também o pinoli, a redução de açúcar e vinagre, a berinjela em cocção lenta, o pimentão vermelho, o tomate... Afinal, você pediu um clássico siciliano com uma das combinações de salgado-doce mais espetaculares ao norte de Marrocos, e o rústico-chic Oinos o prepara com os temperos e sabores sutis que merece. O cardápio inclui uma torre escultural de berinjela à parmegiana, um pedaço suculento de carne de porco em manteiga de sálvia e um filé coberto com um molho roxo que leva o vinho local Nero d’Avola. Obra de arte, a refeição com entrada, prato principal e sobremesa para duas pessoas sai por volta de 80 euros.
Falando em arte, o número de Madonnas por metro quadrado na Galleria Regionale di Palazzo Bellomo, dedicada principalmente a obras de arte medievais, renascentistas e barrocas, deve bater algum recorde. Repare na pintura Anunciação, feita por Antonello da Messina no século 15, que mostra Maria sendo visitada por um anjo em uma explosão poderosa de cores.
Seguimos o passeio cultural: nos anos prolíficos que antecederam sua morte, o prestigiado dramaturgo Ésquilo visitou o teatro grego de Siracusa para encenar As Mulheres de Etna. A peça, apresentada ali em 475 a.C, se perdeu no tempo, mas grande parte da estrutura de pedra semicircular continua surpreendentemente intacta e ainda hoje recebe espetáculos.
Sua odisseia histórica culmina no Museo Archeologico Regionale Paolo Orsi, dedicado a relíquias cristãs (como o Sarcófago de Adélfia, do século 4) e à mitologia greco-romana – Hércules, por exemplo, manobra carruagens e se atraca com leões em vasos e urnas pretos brilhantes de cerâmica.
O pecador e a santa
Caravaggio (1571-1610) foi um pintor barroco que vivia em farras e brigas. Acusado de homicídio, fugiu de Roma, escapou da cadeia em Malta e chegou a Siracusa em 1608, onde recebeu a missão de pintar Enterro de Santa Luzia, em exibição na Chiesa di Santa Lucia alla Badia (entrada franca). Dominada por pretos e marrons sombrios, a tela mostra o corpo da santa padroeira da cidade velado por um padre de estola vermelho-sangue (único detalhe de cor viva).