O segmento LGBTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Queers e Intersexuais) representa cerca de 10% dos viajantes no mundo e movimenta 15% do faturamento do setor, segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT). Interessados nessa fatia do mercado, muitos destinos têm se capacitado para atender melhor esse público. Na ITB 2018, feira líder mundial no setor de turismo, que ocorreu em março em Berlim, a área destinada a promover o turismo LGBTQI bateu o recorde de participação, com 20 representações, em uma ala especial com direito a tapete pink e espaço para debates. Entre os países presentes, estavam Tailândia, EUA, Japão, Colômbia e Argentina, com o maior estande.
Mas o que seria um destino LGBTQI? Não é preciso, necessariamente, ter atrações exclusivas para esse grupo. Claro, oferecer eventos específicos para esses viajantes é um atrativo, mas o que a comunidade mais busca é um lugar onde seja aceita e bem tratada.
— Estar preparado para receber o turista LGBTQI é estar preparado para não fazer distinção. Não é tratar todo mundo igual. É tratar igual todo mundo em suas diferenças. De maneira prática, não questionar se o casal em lua de mel quer mesmo uma cama de casal, ter roupões e chinelos de tamanhos proporcionais a dois homens ou a duas mulheres, por exemplo, e não usar pronome masculino para uma mulher trans. No caso de agência de viagens, buscar quais destinos não aceitam ou têm restrições a LGBTs, para poder orientar os clientes. É um apanhado de coisas — destaca Rafael Leick, editor do Viaja Bi!, blog especializado em turismo LGBTQI.
Tolerância e respeito são os elementos mais importantes para definir um destino turístico LGBTQI, segmento que vem crescendo muito nas últimas décadas.
Um dos destinos que mais compreendeu o impacto do turismo LGBTQI e o que é necessário para investir no segmento foi a capital alemã. O Visit Berlin, organização oficial de marketing da cidade, pensa estratégias específicas para o público gay. Entre as sacadas, está o Pink Pillow Berlin Collection, uma rede de mais de 60 hotéis que se comprometem a ter um ambiente de respeito e aceitação e a estar preparados para indicar as melhores opções de turismo e lazer para esse tipo de visitante.
— Rio de Janeiro foi considerado, por muito tempo, um dos principais destinos gay friendly no mundo e o principal da América do Sul. Mas, por falta de investimentos públicos, outros passaram à frente, como Buenos Aires. Ainda assim, continua figurando no imaginário LGBT mundial. São Paulo é reconhecida por ter uma das melhores noites gays do mundo _ exemplifica Rafael Leick, editor do Viaja Bi!, blog especializado em turismo LGBTQI.
Em 2008, a Argentina foi o primeiro país da América Latina a contar com uma Câmara de Comercio Gay Lesbica. A entidade trabalha diretamente ligada ao Ministério do Turismo, com metas claras para os próximos anos. De acordo com dados da entidade, dos 6 milhões de turistas que o país recebe por ano, 445 mil são LGBTQI. Em 2017, houve um crescimento de 4,1% no setor em relação ao ano anterior, e a meta é atingir, em 2020, 650 mil turistas. Para chegar a esse número, já há esforços concretos: das 120 peças publicitárias do governo para promoção do turismo, 20 têm foco no público gay.
— Eu diria que é uma política de Estado — resume o presidente da Câmara de Comercio Gay Lesbica Argentina (CCGLAR), Pablo de Luca, um dos fundadores da entidade que, em 10 anos, saltou de 12 para 150 integrantes.
Planejamento ajuda a incrementar mercado
De Luca afirma que, além de Buenos Aires, outros famosos destinos argentinos gay friendly são Rosário, Bariloche, El Calafate, Salta, Mendoza e a pequena Puerto Madryn, responsável por receber 8% desse público. Mas a consolidação do país como destino gay não foi do dia para a noite.
— Trabalhamos em três etapas: a primeira foi investigar os potenciais locais e verificar com quem estávamos competindo. Foi uma fase de estudos. Depois, entramos na etapa de educação, que era conscientizar para a importância desse público e como ele deve ser tratado. E a terceira e última foi estratégica: contar que a Argentina era amigável e promover os destinos — explica Luca, que recebeu, juntamente ao vice-presidente da CCGLAR, Gustavo Nogueira, o ITB LGBT Pioneer Awards deste ano, entregue durante a feira em Berlim.
No ano passado, durante o Gnetwork360, conferência internacional de negócios e turismo LGBTQI, 200 especialistas votaram nos principais destinos gay friendly da América Latina e elegeram Buenos Aires como o melhor urbano e Rio de Janeiro como o melhor de praia.
Primeiros passos no Brasil
O Ministério do Turismo brasileiro (MTur) não tem dados sobre a fatia de turistas LGBTQI no país, mas, em parceria com a Câmara de Comércio e Turismo LGBT e a Embratur, estuda medidas para fortalecer a promoção e comercialização do Brasil no mercado nacional e internacional como destino gay friendly.
— A ideia é compreender as principais dificuldades enfrentadas por esse público e desenvolver políticas de turismo adequadas — diz a coordenadora-geral de Turismo Responsável do MTur, Gabrielle de Andrade.
A ideia é compreender as principais dificuldades enfrentadas por esse público e desenvolver políticas de turismo adequadas
GABRIELLE DE ANDRADE
Coordenadora-geral de Turismo Responsável do MTur
Ela explica que, como um dos primeiros passos, em 2016, foi lançada a cartilha Dicas para atender bem o turista LGBTQI. Voltada para os prestadores de serviços, ela busca promover a inclusão e prioriza o bom atendimento aos visitantes, sem distinção de sexo. A obra traz conceitos básicos, como o que é identidade de gênero e orientação sexual, e dicas práticas, como "em datas especiais, como Dia dos Namorados, considere a possibilidade de que dois homens ou duas mulheres sejam um casal" e "não se intrometa ou queira fazer companhia a duas mulheres sozinhas". O material é distribuído nos principais eventos do setor e aos órgãos estaduais de turismo. Em 2017, foram entregues mais de mil exemplares, e a versão digital está disponível no site do MTur.
De acordo com dados da Associação Gay e Lésbica de Viagem (IGLTA, na sigla em inglês), somente nos Estados Unidos, em 2014, o mercado movimentou US$ 100 bilhões. Na IGLTA, o Brasil é o segundo país com mais membros, atrás apenas dos americanos.
— Há interesse de vários hotéis, agências e companhias aéreas de investirem no turismo LGBT por aqui. Mas, infelizmente, com pouquíssimas ações no Exterior. Com a IGLTA, conseguimos colocar o Brasil em destaque, mas não na ITB deste ano, por exemplo _ ressalta Clóvis Casemiro, coordenador da IGBLT no Brasil.
Segundo ele, os principais destinos gay friendly no país, onde já houve capacitações e eventos direcionados ao público, são Rio de Janeiro, São Paulo, Recife (PE), Salvador (BA), Fortaleza (CE), Bonito (MS), Curitiba (PR), Porto Alegre, Fernando de Noronha (PE), Belo Horizonte (MG) e cidades históricas mineiras.
— Em conjunto com a TurisRio, estamos montando um plano para 10 cidades do Rio de Janeiro que também iremos trazer para o mercado _ conta Casemiro.
Integrar, não separar
A IGLTB Brasil oferece treinamentos para orientar sobre como ser gay friendly e, em março, assinou parceria com a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) para capacitação de operadores de turismo. No entanto, apesar dos esforços da IGLBT e do Ministério do Turismo, ainda há um longo caminho a percorrer.
— Este ano, em Salvador, tinha tantos gays se beijando em praticamente todos os blocos e as festas no Carnaval que a prefeitura está sugerindo uma área LGBT. Ou seja, não sabem ganhar com o público — analisa Casemiro.
Ideias como essa vão na contramão de tudo que as entidades LGBTQI defendem: a intenção não é separar, mas acolher, integrar.
— Ser gay friendly é ter um ambiente em que eu, gay, me sinta tão confortável como meu irmão hétero. Vai chegar um dia em que a Câmara de Comercio Gay Lesbica não será mais necessária, pois o tratamento será igualitário. Mas ainda não chegamos lá — lamenta Pablo de Luca, um dos fundadores da entidade.
Famosos destinos LGBTQI
BERLIM
- Um dos primeiros destinos a investir no segmento LGBTQI, a capital alemã também é muito gay friendly. A cidade tem um bairro que é hotspot da comunidade gay desde os anos 1920: Schöneberg, cheio de cafés, bares, pubs, bibliotecas, restaurantes, saunas e lojas destinadas a esse público.
NOVA YORK
- Segundo o presidente e CEO da NYC & Company, Fred Dixon, "em estimativas conservadoras", a Big Apple recebe mais de 7 milhões de turistas LGBTQI por ano, com um impacto econômico superior a US$ 7 bilhões. Para ele, além da oferta de eventos e atrações, o que importa mesmo para tornar a cidade gay friendly é a igualdade.
VIENA
- Não muitas cidades europeias têm uma história gay tão rica como Viena, que teve imperadores, generais e compositores homossexuais. A mistura impressionante de cultura, história, alegria de viver e tolerância fazem da capital austríaca um grande destino gay friendly. Entre os eventos que atraem a comunidade LGBTQI, estão Vienna in Black, Life Ball, Diversity Ball, Vienna Boylesque Festival, Identities _ Queer Film Festival e a Rainbow Parade.
BARCELONA
- Foi pioneira na luta pelos direitos LGBTQI na Espanha e, hoje, é um dos destinos mais gay friendly da Europa. Embora o bairro Eixample (conhecido localmente como "Gayxample") seja o lugar em que a maioria dos negócios voltados a LGBTQI estão concentrados, festas gay e outras atrações para o segmento estão espalhados pela cidade. Além disso, a cena gay de Barcelona está totalmente integrada ao dia a dia da cidade.
Saiba mais
O que é turismo LGBTQI
- Segundo a Associação Gay e Lésbica de Viagem (IGLTA, na sigla em inglês), o turismo LGBTQI se refere ao desenvolvimento e ao marketing de produtos e serviços turísticos voltados para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers e intersexuais). Alguns serviços são feitos especificamente com esse público em mente, como lua de mel e cerimônias de casamento para casais de mesmo sexo, ou acomodações e passeios exclusivamente desenvolvidos para grupos de gays.
- Em outros casos, destinos ou fornecedores de serviços (como companhias aéreas e redes de hotéis) buscam garantir ao consumidor LGBTQI que, ao visitar o destino ou adquirir seus produtos ou serviços, eles serão bem-vindos e respeitados.
Evolução
- Ao longo das últimas décadas, algumas empresas pioneiras criaram roteiros para ajudar o público LGBTQI a se conhecer, socializar ou viajar com segurança a novos destinos. Em 1973, Hanns Ebensten, considerado por muitos como o pai do turismo gay, fez seu primeiro tour – uma viagem pelo Rio Colorado, no Grand Canyon.
- Com a introdução do casamento gay em vários países e a maior visibilidade da comunidade LGBTQI, o setor de turismo se beneficiou com o consequente aumento de destination weddings, luas de mel e até viagens pré-casamento.
- Atualmente, há agentes e operadores de turismo especializados em levar o público LGBTQI, seus amigos e suas famílias a algumas dos mais exóticos e longínquos destinos do mundo.
Dicas para o mercado de turismo
- Não generalize: refletindo a diversidade dos seres humanos, a comunidade gay também é muito diversa. Não há apenas um tipo de pessoa ou somente uma experiência de viajar como um indivíduo LGBTQI.
- Por exemplo: estudo de 2015 da Community Marketing, Inc. revelou que 66% dos homens homossexuais frequentaram um bar gay e que 60% foram a um bairro gay quando estavam em férias nos últimos 12 meses. A pesquisa indicou também que o mesmo foi feito por apenas 38% e 39% das mulheres lésbicas, respectivamente.
- Entre as razões para esse resultado, pode estar o fato de que mais homens do que mulheres gays se identificaram como solteiros, enquanto as lésbicas tendem a viajar mais com as famílias, alinhando seus hábitos de consumo mais aos acompanhantes heterossexuais.
Dicas para turistas LGBTQI
- Ao mesmo tempo em que advoga por segurança e respeito à comunidade LGBTQI, a IGLTA aconselha a todos os turistas gays pesquisar as leis do destino a que vão viajar e respeitar as normas e os costumes locais. É recomendado, também, ter os contatos da embaixada de seu país, em caso de emergência.
- Ao escolher o destino das próximas férias, um princípio é universal: lugares que são bons para o público LGBTQI morar também são bons lugares para visitar.
Fonte: Second Global Report on LGBT Tourism, da Organização Mundial de Turismo
*A jornalista de ZH participa do Deutsch-Lateinamerikansches Programm von IJP e, por dois meses, trabalha como redatora convidada no jornal Die Welt, de Berlim.