Gárgulas quebradas e balaustradas caídas foram substituídas por canos de plástico e tábuas; arcobotantes estão escurecidos pela poluição e corroídos pela água das chuvas; pináculos são suportados por vigas, presas por cordas.
Essa deterioração não é totalmente visível para os milhões de turistas deslumbrados, que visitam a Catedral de Notre-Dame de Paris todos os anos, muitos deles admirando a frente complexamente esculpida, ocupados demais para notar os problemas.
Mas, em uma tarde recente, André Finot, porta-voz da catedral, falou sobre os danos. O calcário se esfacelou com um simples toque.
— A pedra está corroída por todos os lados, e quanto mais o vento sopra, mais todos esses pequenos pedaços continuam caindo. Estamos perdendo o controle em todos os lugares — disse Finot, passando cautelosamente por sobre lascas de pedra no telhado da catedral.
Essa não é a primeira vez que a catedral, joia da arquitetura gótica medieval, necessita de uma reforma extensa, mas especialistas dizem que, embora não haja risco de colapso, a Notre-Dame chegou a um estágio crítico – e caro.
Para pagar a conta – cerca de 150 milhões de euros, ou quase US$ 180 milhões – eles esperam capitalizar não só com o patriotismo arquitetônico dos franceses, mas também com a francofilia de doadores americanos.
— Há uma necessidade real de uma reforma urgente — disse Michel Picaud, que lidera a Amigos da Notre-Dame de Paris, fundação recém-criada que pretende levantar dinheiro nos EUA.
A catedral, que fica no coração da capital, está na lista de atrações turísticas de muita gente.
— É parte de uma "ligação sentimental" entre a França e os Estados Unidos, forjada através de alianças em tempos de guerra, valores comuns e um fascínio recíproco pela cultura um do outro — argumentou Picaud.
Construída nos séculos 12 e 13, Notre-Dame recebeu uma das suas reformas mais significativas entre 1844 e 1864, quando os arquitetos Jean-Baptiste-Antoine Lassus e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc refizeram o pináculo e os arcobotantes e acrescentaram vários ajustes arquitetônicos.
Essa restauração veio após décadas de negligência e danos parciais nas mãos dos revolucionários franceses, e foi motivada em parte pela publicação de O Corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo, em 1831, que expôs o estado decrépito do edifício.
— Seguramente, a Catedral de Notre-Dame de Paris é, até hoje, uma construção majestosa e sublime, mas, mesmo permanecendo nobre durante seu envelhecimento, podemos apenas lamentar e nos indignar face às inúmeras degradações e mutilações infligidas à construção venerável, quer pela ação do tempo, quer pela mão do homem — Hugo escreveu em sua obra.
O mesmo vale hoje.
— Aqui estamos nós, mais ou menos 150 anos depois de ele ter escrito isso, e o pedido de ajuda para Notre-Dame, feito há tanto tempo, está valendo novamente agora — disse Andrew Tallon, professor associado de História da Arte e Arquitetura da Vassar College.
Notre-Dame, disse ele, enfrenta agora uma "situação tocante , se não assustadora, e precisa de toda a ajuda possível".
Não que os turistas percebam, quando fazem filas para entrar na catedral, tirando selfies e admirando suas duas torres. Aproximadamente 13 milhões de pessoas visitam Notre-Dame anualmente, cerca de 30 mil por dia.
— Não me parece que ela precise de reforma. Parece linda como está — disse Liz Bronze, de 25 anos, que saiu de Londres com uma amiga.
À primeira vista, é verdade. Os vitrais da nave foram substituídos na década de 1960, com um resultado colorido e vibrante. A fachada da frente tem hoje com um branco reluzente, graças a uma década de limpeza das paredes de pedra na década de 2000. Vários sinos foram substituídos em 2013, antes do 850º aniversário da catedral.
— Quando olhamos para a entrada, não há problema, mas é nos bastidores que as coisas começam a degringolar — disse Picaud, o chefe da fundação.
A água passa através de rachaduras na torre coberta de chumbo, enfraquecendo a estrutura de madeira. As chuvas, algumas delas ácidas, estão lentamente desgastando os arcobotantes e seus pináculos decorativos, feitos de uma delicada pedra calcária.
As gárgulas despencaram e foram substituídas por tubos de PVC. Em um pequeno gramado na parte de trás da catedral, há pilhas amontoadas de materiais que quebraram ou que foram retirados como medida de precaução ao longo dos anos.
Philippe Villeneuve, o arquiteto-chefe responsável pela renovação da catedral, explicou que é difícil reformar Notre-Dame porque, na arquitetura gótica, "todos os elementos têm funções estruturais dinâmicas".
Os pináculos, por exemplo, ajudam a segurar e equilibrar os arcobotantes, que sustentam o peso do edifício. Os rostos retorcidos das gárgulas servem tanto para decorar quanto para dar vazão à água da chuva.
— Se você remover um desses elementos, haverá um desequilíbrio em algum lugar. Ela não irá desmoronar caso perca alguns pináculos, mas perderá o equilíbrio — disse Villeneuve.
As dezenas de renovações anteriores que usaram pedras diferentes, cimento ou gambiarras para manter a catedral em sua forma original se somam às dificuldades de renovação de um edifício tão complexo. Nem tudo que foi feito resistiu ao teste do tempo.
Villeneuve disse que é importante usar materiais que correspondam à alvenaria original – e não exagerar.
— A ideia não é substituir cada uma das pedras. Não quero fazer uma plástica na catedral — disse ele, prometendo manter suas "rugas" centenárias.
O trabalho de renovação da torre está programado para começar no final do ano, e outros virão em seguida. Mas o preço é alto.
A Fundação Amigos da Notre-Dame estima que serão necessários quase US$ 40 milhões para os reparos urgentes, e espera arrecadar mais de US$ 110 milhões na próxima década para a reforma completa.
O governo francês, que é o proprietário da catedral, já dedica até 2 milhões de euros por ano para a manutenção, ou cerca de US$ 2,4 milhões. Recentemente, comprometeu-se a dobrar essa quantia durante os próximos 10 anos, de acordo com Picaud, o chefe da fundação.
Os funcionários também estão trabalhando para angariar fundos privados, especialmente nos Estados Unidos.
A iniciativa foi impulsionada pela relação existente com o Vassar College, incluindo Tallon, um dos autores de um livro sobre a Notre-Dame, de 2013, que se tornou a base para uma exposição contínua na entrada da catedral.
Quando ele ajudou a organizar uma visita à catedral para administradores e ex-alunos da Vassar, em 2014, a conversa acabou chegando à captação de recursos.
— Começamos falando com pessoas como André, chegando até o arcebispo, o cardeal-arcebispo. Começamos a pensar: "Como podemos ajudar esses caras? Como poderemos conseguir o dinheiro necessário?" — disse Tallon.
Isso levou à criação da Fundação Amigos de Notre-Dame, que começou com um pequeno grupo de voluntários para angariar fundos.
Picaud, ex-empresário que se tornou voluntário do projeto de renovação em maio de 2016, disse que o grupo pretende organizar jantares de gala, concertos e outros eventos na França e nos Estados Unidos.
— Começamos a receber dinheiro, mas estamos só no começo — disse ele, acrescentando que outra fundação francesa, criada em 2013 para arrecadar dinheiro para a renovação das igrejas de Paris, estava agora angariando fundos também para Notre-Dame.
Finot, o porta-voz, disse que era importante enfatizar que a catedral não é apenas um espaço religioso, mas um patrimônio comum.
— Meus avós, e meus antepassados antes deles, admiraram este monumento; não quero trazer meus netos para ver um monte de ruínas — disse ele enquanto descia as escadas que levam à nave, cercado pelo som dos turistas.
Por Aurelien Breeden