O sino da Catedral São João Batista que ressoa soberano em dias normais no centro de Santa Cruz do Sul mal foi percebido quando anunciava 10h de quarta-feira, 12 de outubro. Na rua ao lado do templo religioso, os trombones, trompetes e tambores retumbavam musiquinhas alemãs no aquece de mais um desfile temático da Oktoberfest na Rua Marechal Floriano, já margeada por uma multidão de espectadores que bebericavam chope àquela hora da manhã, dieta apropriada para a maior festa da cidade cuja 32ª edição termina no próximo domingo.
Clássicos como Um barril de chopp, Ein prosit e Zigge-zagge, zigge-zagge embalavam senhores, senhoras, jovens e crianças devidamente paramentados em trajes típicos numa ode coletiva à cultura germânica. Vez ou outra, um grito sapucai distorcido rasgava o ambiente lembrando que se está em pleno Vale do Rio Pardo, região histórica do Rio Grande do Sul. Fora isso, estamos em algum recanto da Alemanha, em um dia de celebração nacional, em uma rua enfeitada de ponta a ponta com faixas em preto, vermelho e amarelo.
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O desfile temático é um dos pontos fortes da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul. Mostra o envolvimento da comunidade tanto quanto a programação organizada do parque oficial do evento. É o corpo a corpo entre moradores e turistas, é quando Fritz e Frida, símbolos da festa, provocam filas de gente grande e pequena ávida por uma selfie com os bonecões de espuma, que demoram para chegar ao carro alegórico diante de tantas requisições de fotos. Sim, na Oktober, como num Carnaval, há carros alegóricos.
Na apresentação de quarta, oito alegorias, criadas pelo artista Sergio Ávila, representavam e homenageavam o cotidiano dos imigrantes e o tema escolhido para a edição deste ano: Saberes e Sabores da Tradição Alemã. Tinha até um carro enfeitado de cucas e outro dedicado ao chope, com uma ala de foliões de canecos ao alto, dançando e cantando. Isso tudo impressionava as professoras e colegas Marília Braga e Marcilene Propp Pacheco, ambas de 44 anos, que chegaram ao desfile em uma excursão de Sentinela do Sul.
– Achei tudo muito organizado, muito bonito. É um clima de alegria contagiante – comentava Marília.
Organização, diga-se, é uma das palavras de ordem na Oktoberfest, ainda que o imaginário comum sobre uma festa em que cerveja e chope são protagonistas se acomode na ideia de uma orgia etílica conjunta. Não é bem assim. Bebe-se muito, é verdade – no ano passado, foram quase 120 mil litros de chope e essa marca deve ser superada até domingo – mas o clima se mantém ordeiro. No palco do desfile, nada de cordão de isolamento delimitando o que é passarela e o que é plateia, o público naturalmente sabe o local adequado para se acomodar, e quem desfila não deixa que a coreografia invada o espaço dos que assistem. Esqueça os valões de copos de plástico e latinhas espalhados pelo chão. Por mais que se beba, o caminho até a lixeira não é esquecido. Dá até vontade de suspirar diante de tanto capricho. A Alemanha é aqui.
No Parque da Oktoberfest, onde ocorre a maior parte da programação da festa, do portão de entrada em diante, prepare-se para a fartura gastronômica típica dos imigrantes alemães. O cheiro predominante é de linguiça frita, tradicionalmente servida com cuca, mas tem de churrasquinho a hambúrguer de waffle em lonões enormes dedicados à alimentação. A tradição das barraquinhas também abriu espaço à modernidade dos food trucks, que oferecem de tudo um pouco.
Como diz a musiquinha, um barril de chope é muito pouco para os visitantes, então, a bebida é vendida por toda a parte. Neste ano, a Oktober dedicou um espaço especial às cervejas artesanais. Num deque alto na "avenida" principal do parque, os canecos se fartavam com pale ale, weiss e outros tipos, criando um ambiente para cervejeiros do lado de dentro e de fora dos balcões.
Henrique Becker Dopke, 27 anos, dono de uma microcervejaria de Santa Cruz do Sul, festejava a estreia do segmento na festa. Vendeu em uma semana cerca de 8 mil litros de cerveja, o que costuma comercializar em um mês. Já prospecta presença mais forte das cervejas artesanais na edição do ano que vem da Oktober.
– Tá muito bom mesmo e tem de ampliar. É só olhar aí – celebrava Henrique, apontando o olhar para a multidão que tomava o deque.
Na turma de principiantes no ramo, o securitário Thales Refatti, 33 anos, vestiu seu traje típico alemão e foi de caneco em punho para o parque buscar diversão e informações sobre o negócio. Encontrou os dois lado a lado:
– Ficou um espaço para troca de experiências, um lugar de encontro, em que tu degusta a cerveja e ainda pergunta e descobre como ela foi feita.
Todos os públicos em todas as horas
Numa festa que registrou mais de 50 mil pagantes em 2015, quando o tempo não foi lá muito generoso, uma área de 14 hectares parece suficiente para evitar a muvuca desse tipo de evento. Na Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, o espaço amplo funciona bem, mas nos finais de semana e perto do horário de shows nacionais, os mais concorridos, é possível enfrentar um tanto de multidão no vaivém do parque.
Mas os interesses distintos estão bem divididos no ambiente. De um lado, um parque de diversões vira o destino de famílias inteiras que levam a criançada para aproveitar os brinquedos. Na outra ponta, uma arena de shows atrai o público jovem, que chega às turbas um pouco antes das apresentações. Entre um caminho e outro, as bandinhas típicas ficam circulando e chamando para dançar quem se distrai demais no "baião de dois" germânico formado por linguiça e chope.
E as pessoas dançam, mas seguem comendo e bebendo, como num ritual sagrado da folia. Tem até um orgulho no ar, um compromisso coletivo para que tudo dê certo e se perpetue. Silvia da Costa Carvalho, uma das soberanas da edição de 2005, mais de 10 anos depois ainda se envolve com os preparativos, mantém contato com organizadores e participa do desfile temático. No parque com a família, emocionava-se ao falar sobre o que a Oktober representou em sua vida e esforçava-se a passar todo esse sentimento à filha Antonela, três anos.
– Aquele ano foi o melhor ano da minha vida. Quem participa se torna uma grande família – disse Silvia.
A Oktoberfest de Santa Cruz é considerada a terceira maior do mundo, atrás apenas da original, em Munique, na Alemanha, e da versão de Blumenau, em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, outras cidades também promovem a celebração, como Cerro Largo e Igrejinha, que abre oficialmente a 29ª edição nesta sexta-feira. É só escolher o roteiro e pegar a estrada. Ein prosit! (um brinde!)