Para conhecer "a minha Miami", é preciso deixar de lado o que a maioria das pessoas pensa sobre a cidade e explorar lugares maravilhosos, embora não necessariamente glamourosos, nos Everglades, em Coral Gables e Key Largo. Só não tem nada a ver com hospedagem em quartos nababescos de hotéis como o Herods, com diárias que vão de US$ 500 a US$ 5 mil, ou se enturmar com banqueiros e atrizes anoréxicas com peitos que mais parecem balões. Também não envolve o Art Basel, baladas, nem ser visto nos restaurantes da moda, ridiculamente caros, ou bares "louche dive" elogiados pelos gourmets do norte.
Antes da minha última visita, uma amiga minha (que, por acaso, é modelo e veterana do Art Basel) reclamou: "Quase todas as atrações supostamente descoladas de Miami na verdade são sugestões para os nova-iorquinos que vão para lá - não têm nada a ver com a cidade".
Concordo em gênero, número e grau. Minha teoria, que foi só reforçada ao longo dos anos, é de que, na maioria das vezes, é melhor esquecer o "supostamente". De fato, aquilo que não é considerado descolado é o que há de mais legal para se fazer em Miami - as frituras salgadas, os coquetéis carregados de suco de limão, as praias lotadas, a breguice e até as "atrações turísticas", como dizem os estrangeiros. Tudo isso é o que vai restar muito depois que as novidades transadas forem substituídas por outras, mais novas e mais interessantes, assim como o sol, a areia e o mar.
Em fevereiro, quando estiva lá, fiz a besteira de esquecer de avisar minha companheira de viagem, Cressida, da intenção de explorar apenas a Miami "clássica". Quando, no hotel, ela me mostrou a lista de restaurantes recomendados por chefs de Nova York, eu tremi. Sem querer parecer pouco razoável, concordei em conhecer um deles na primeira noite: o Juvia, a nove andares da Lincoln Road, na esquina da Avenida Lenox. Ali, apesar da vista incomparável e da clientela ultrachique, lamentei o "clima Los Angeles" do lugar (US$ 80 por duas bebidas e oito pedaços de peixe cru do tamanho de marshmallows) e o fato de não estarmos no meio da muvuca, ao ar livre, no Hofbrau Beer Hall, no terceiro andar, bebendo hefeweizen e deglutindo bratwursts. Na minha modesta opinião, se você vai a Miami para comer algo mais exótico que pata de caranguejo e torta merengue de limão, está delirando.
fotos: Oscar Hidalgo / NYTNS
Aligátores e pítons
No dia seguinte, estava decidida a retomar meu programa nostálgico, que incluiria uma visita a uma banca de frutas totalmente kitsch na beira da estrada em Redland (a zona agrícola ao sul de Miami), uma passada num criadouro de moluscos em Keys e um passeio ao Everglades, com seus cararás e aligátores.
A TV nos acordou de manhã com uma exuberante reportagem sobre uma infestação de pítons birmanesas nos Everglades, que seriam o nosso programa do dia. Por acaso, tínhamos chegado no último fim de semana de caça do "Desafio Píton". "Pessoal, há centenas de milhares na região, e elas praticamente tentam devorar tudo", concluiu o âncora.
Com essa informação, entramos no carro e seguimos rumo aos répteis, a 80 quilômetros ao sul, para uma cidadezinha chamada Homestead. Antes que nosso aerobarco chegasse à fazenda de criação de aligátores, a poucos quilômetros do Parque Nacional de Everglades, conferimos uma exibição de cobras. É claro que por causa das manchetes do dia, as arquibancadas estavam lotadas de turistas, que detonaram o tratador, Albert Killian, com todo tipo de pergunta.
- É verdade mesmo que tem pítons por aqui? - um perguntou.
- Ah, sim. Os fazendeiros chegam aqui para desová-las. Tem também o pessoal das detenções, que trazem as que encontram nos pátios - ele confirmou.
Logo depois entramos no parque e estacionamos ao lado de uma placa que dizia: "Cuidado: os urubus podem danificar os veículos" (havia três deles ali perto, se fingindo de mortos). Conforme seguimos pelos passadiços da Trilha Anhinga, percebi que Cressida começou a se esticar toda. O passeio podia não ter o mesmo destaque que a Coleção da Família Rubell, mas o apelo estético das aves era inegável.
Uma hora depois, estávamos a caminho de Key Largo, que começa a 24 quilômetros ao sul de Homestead. Paramos para tomar um smoothie no Robert Is Here, lanchonete que ocupa o mesmo lugar na zona rural de Florida City desde 1960. Ali, os obsessivo-compulsivos podem se deliciar com as prateleiras de geleias, conservas, molhos e mel, em embalagens douradas empilhadas como se fossem um tesouro comestível. As mesas estavam lotadas de limões, mangas, abacaxis, tomates e abacates. No balcão, a atendente preparava um smoothie de morango e canistel (também conhecida como fruta-ovo).
Passeios
- Fazenda de criação de aligátores - Everglades, Southwest 192nd Avenue, Homestead; everglades.com. Passeio de aerobarco com guia, US$ 23, US$ 16 (crianças) por meia hora
- Parque Estadual de Corais John Pennekamp - Key Largo; pennekamppark.com. US$ 8 por carro
- Robert Is Here, 19200 SW 344th St., Florida City; robertishere.com
- Homestead - Ingresso a US$ 10 por carro, vale por sete dias consecutivos
- Venetian Pool - 2701 DeSoto Blvd., Coral Gables; venetianpool.com (US$ 11,50)
- Coleção da Família Rubell - rfc.museum, US$ 10
- Parque Nacional Everglades - 6 km a oeste do Centro de Turismo Ernest F. Coe (40001 State Road, na Rodovia 9336)
Charme na decadência
De volta a Miami Beach, jantamos no Espanola Way, num trecho adorável de calçadão com prédios no melhor estilo mediterrâneo, onde os turistas (na maioria europeus) vão para tomar sorvete, comer crepes e tapas. Eu sabia que Cressida ainda tinha quatro restaurantes na sua lista, mas depois de uma bela margarita enfeitada com pedaços de abacaxi no O! Mexico e um prato de deliciosos antipasti na Hosteria Romana, ela me disse:
- Bom, acho que você conseguiu provar a sua tese.
Ahh. A boa e velha Miami sempre vem ao meu socorro.
Nos dois dias seguintes continuamos nossos passeios: fomos ao Parque Estadual de Corais John Pennekamp, em Keys, e mergulhamos entre barracudas, recifes e cardumes de peixes azuis, roxos e amarelos. Depois, seguimos para Coral Gables, um bairro residencial luxuosamente decadente que abriga a Venetian Pool, uma piscina artificial situada num castelo em estilo italiano, relíquia da década de 20. Conforme você passa pelas fachadas em tons pastel do bairro, onde há ficus em praticamente todo jardim, tem a impressão de que está entrando na versão arquitetônica do realismo mágico.
Ok, badalar um pouco também vale a pena
Na verdade, tenho que confessar uma coisa: em nosso último dia em Miami, depois de ter repassado todos os lugares que já conhecia, fomos aos bairros no centro da cidade onde reinam a arte e o design. Exploramos o museu Rubell e as galerias de Wynwood (um espaço exibia bonecas "nascidas no vício", presas ao soro que saía de bolsas Chanel e Prada) e comemos sanduíches artesanais num café chamado Panther Coffee, onde os homens com seus óculos de arquiteto e mulheres de expressão grave não paravam de digitar em seus laptops.
Na última noite, cedi mais um pouco e fomos a um dos restaurantes da lista da minha amiga, um gastropub com toque asiático chamado Pubbelly, na região noroeste de South Beach, criado por três chefs: Andreas Schreiner, José Mendin (ambos de Porto Rico) e Sérgio Navarro (da Espanha). O Pubbelly fica numa marina lindíssima, com os iates brilhantes ancorados na Baía Biscaia.
Quando saímos do táxi e vi os prédios de colunas brancas altas, as águas da baía brilhando ao luar e as mesas ao ar livre, quase pensei que tínhamos sido transportadas para Barcelona. Saboreando a costeleta de porco com bolinhos de milho polvilhados com trufas negras, shiso e parmesão num caldo delicado de milho e molho de soja que lembrava bearnaise, entrei num transe gustativo. Nunca pensei que fosse possível encontrar pratos excepcionais em Miami Beach (sem contar o Joes Stone Crab). Pois é, eu estava errada.
Agora, o Pubbelly faz parte oficialmente da minha lista de opções.