- Quanto quer por seu camelo mais rápido? - perguntei para o homem alto com um grande turbante e um enorme bigode.
Abdrahman sorriu para mim.
- Venha - disse, e foi apressado para trás da cabana feita de barro e gravetos.
Parado ali, com uma pose de rei e um manto dourado, estava Abrusa. Abdrahman baixou o camelo até a altura de seus joelhos, e apontou para mim.
- Você vai - ordenou, balançando uma vara de madeira em frente ao meu rosto.
Sem muitas escolhas, passei a perna por cima do grande animal - e me lembrei de Lawrence da Arábia - segurei a cela com o joelho esquerdo e coloquei o pé atrás do outro joelho. Abdrahman deu o sinal e Abrusa se levantou. De repente, estávamos correndo pelo deserto. Abrusa tinha um galope suave (para um camelo) e depois de atender a meus insistentes comandos, voltou ao dono. Abdrahman me cumprimentou como um pai orgulhoso:
- Para você só 5.000 libras - afirmou.
Em um mundo repleto de lugares problemáticos, o Sudão, terceiro maior país da África, tem a reputação de ser um dos mais complicados. A simples menção de Darfur atrai imagens imediatas de atrocidades e miséria. Disputas territoriais e por petróleo com o recém criado Sudão do Sul ajudam a perpetuar o conflito que continua praticamente inabalável há mais de 50 anos. Recentemente, os presidentes do Sudão e do Sudão do Sul assinaram um acordo que dará novo início às exportações de petróleo, ainda que praticamente todos acreditem que os conflitos continuarão a ocorrer.
Não estava à procura de perigo; vim ao Sudão com Will Jones, que realiza viagens com sua empresa Journeys by Design para alguns dos principais destinos da África. Ele veio para uma jornada de exploração no Sudão e eu para acompanhá-lo.
Desejávamos conhecer áreas remotas - e seguras - na região ao norte do deserto Núbio, que abriga mais pirâmides que o Egito e quase não recebe visitantes estrangeiros. Entretanto, mais do que conhecer um destino em particular, estava interessado nas pessoas, curioso sobre como vivem com tantos conflitos e há tanto tempo. Ficava imaginando que efeitos isso teria sobre elas.
Um vento quente e seco soprava enquanto descansava sob um grande mogno à beira do Nilo Azul, no centro de Cartum, a capital sudanesa. A poucos metros de mim, em uma curva no rio, o Nilo Azul e o Branco se juntavam, como um cordão umbilical que cortava o norte desértico, para onde estávamos indo, chegando ao Egito e, finalmente, ao Mediterrâneo. Minha primeira impressão de Cartum foi de ordem e limpeza nas ruas, algo que vi poucas vezes em outras partes da África. As ruas eram bem asfaltadas e não havia sinal das sacolas plásticas que emporcalham boa parte do continente.
- Acredite se quiser: o Sudão é um novo destino turístico- afirmava Will enquanto passeávamos às margens do rio.
Entretanto, desde que o Sudão do Sul se tornou independente em 2011, é difícil obter dados confiáveis sobre o turismo em ambos os países. Vi apenas alguns estrangeiros durante toda a minha estada. Um relatório enviado ao Conselho Internacional de Monumentos e Locais Históricos indica que apenas 6.000 turistas e visitantes passam a cada ano por Meroe, o local das pirâmides
Passamos por taxistas ajoelhados em pequenos tapetes ao lado de seus velhos carros, suplicando em suas preces. Debaixo de uma ponte, em uma área suja, repleta com dezenas de mesas baixas e banquinhos de plástico, mulheres com vestidos coloridos e lenços na cabeça e homens com camisas de mangas curtas ou dejellabas brancas bebiam chá; muitos fumavam e todos falavam em voz baixa. Escolhemos uma mesa no café improvisado e um menino veio até nós com dois copos do chá exageradamente doce servido a todos no Sudão. No rio, dois homens navegavam com remos em uníssono, enquanto um homem levava uma dúzia de bois magros para pastar na margem distante.
- Não esperava por isso - eu disse surpreso.
- Pacífico, não é? - concordou Will.
No calor da manhã seguinte, dirigimos para o norte, sem nos afastarmos do Nilo. Conforme a cidade ficava para trás, a vista era larga e plana, interrompida apenas por magras acácias. Restos de pneus de caminhão se espalhavam ao lado da estrada. Ocasionalmente, uma figura solitária aparecia na distância sobre o lombo de um camelo. Acampamos em uma duna. O deserto estava silencioso e a noite fria.
Dirigimos sobre a areia até Velha Dongola. Do século VII ao XIV, esse foi o centro do reino cristão de Makuria. Há poucos sinais disso, a não ser por alguns pilares de pedra da Igreja Cristã Cóptica que se lançam da areia. Grandes jarros quebrados estão espalhados a seu redor - quantas centenas, ou milhares de anos teriam? Ninguém à vista.
Durante uma semana, fomos e voltamos pelo Nilo, acampando no deserto ou dormindo em estalagens simples em pequenos vilarejos.
Em Kerma, subimos ao topo do deffufa (palavra núbia para "edifício de tijolos de barro") da cidade, construído em 1500 a.C. - o local também estava deserto. Em Karima, uma animada cidade à beira do rio, sentei-me com um homem sério e silencioso que fumava um narguilé. Jantamos ful, o aguado cozido de feijão típico do Sudão. Um homem me recebeu em sua casa. Em um cômodo simples de concreto, sentei-me ao lado de um berço de metal, em frente a uma parede caiada de rosa, enquanto sua filha me servia muitos copos de chá doce e café. Fui embora, animado com sua generosidade.
Os sudaneses não tinham muito para dar, mas ofereciam tudo o que tinham. Talvez seja a história de nomadismo do norte do Sudão, uma compreensão de que todos que passam pelo deserto são iguais e precisam contar uns com os outros para sobreviver, ou então, a falta de álcool no país e a devoção à religião. Talvez seja a aceitação que nasce após tantos anos de luta, pois encontrei uma paz que me surpreendeu e que parecia desmentir o passado sangrento do país.
Em determinado ponto, demos meia volta e nos dirigimos à principal atração turística do Sudão, se é que podemos dizer isso: as pirâmides de Meroe. Os monumentos são muito menores que as grandes pirâmides do Egito, mas é a paisagem, a calma e a extensão de Meroe que torna o lugar tão impressionante. Cerca de 200 pirâmides se encontram abandonadas em meio às dunas - as pontas de muitas delas cortadas em 1834 pelo explorador italiano Giuseppe Ferlini, que acreditava que havia grandes tesouros enterrados ali. Durante o pôr do sol e o amanhecer, caminhei sozinho pelo local.
- Isso é turismo de verdade. É uma oportunidade incrível. Daqui a 10 anos, lugares como esse serão destruídos rapidamente se não forem controlados - disse-me Will enquanto olhávamos para o sol, uma bola de fogo laranja que mergulhava no deserto.