Gosto de dançar. Sempre gostei. Qualquer ritmo. O twist era o máximo. Treinava-se com bambolê, para afrouxar os quadris. Por onde andarão o twist e os bambolês? Mas a porção de meu sangue de afrodescendente ferve, mesmo, é com samba. Em qualquer estilo. Da gafieira, ao fundo de quintal; de Ary Barroso a Seu Jorge. Aquele dos botecos da Lapa, no Rio, ao do extinto Sandália de Prata, em Porto Alegre.
Já dancei ao redor de coreto, na praça central de Poços de Caldas, em Minas; no convés de antigo vapor, no rio Jacuí; por ruas de Lajeado e Estrela, desfilando pela escola de samba "Explode, Coração".
Eis que surge, em Ponta Delgada, nos Açores, em ensolarada manhã de sábado, cena que revive todos aqueles momentos bailantes. Diante de belos arcos - cartão postal da capital da ilha de São Miguel - em amplo e aberto espaço, portugueses ilhéus dançam. Muitos em trajes típicos. O dia é festivo, pois quatro navios despejaram cerca de 10 mil turistas.
Sinto os pés comicharem, vendo graciosa portuguesa dançando com cidadão nada gracioso, e sem indumentária lusa.
- Deve ser o pai - comento.
Apesar disso, arrasta os pés muito bem. Aproxima-se jovem portando violão, vestido a caráter, de tamancos. A moçoila agradece ao par, e acompanha o músico. Deduzo que o pé-de-valsa não é pai da rapariga, e o jovem, por certo, é o namorado. Passa-me frio na espinha. Não quero acreditar. Olho ao redor. Peço socorro a meu distraído alemão, que filma o entorno. O bailarino, ex-pai, convida-me para dançar!
Companheiraço liberal, sabendo que, no fundo, no fundo, eu queria cair no baile, incentiva-me: "vai, vai, que fotografo". Assim danças com português da gema, em pleno Açores".
Os primeiros volteios de espécie de valsa são a glória. Nem olho para o par. Faço poses, arreganho a boca em sorrisos para os flashes que pipocam ao redor da "pista de baile". Palmas, palmas. Sinto-me disputando a Dança dos Famosos.
Resolvo, no embalo, ser gentil. Elogio a ilha, Portugal, a festa. Nenhuma resposta. Quem sabe não entende bem o português do Brasil? Digo, então, pausadamente, que sou brasileira. Até com um pois, pois. O bailarino parece entender. Levo um choque, perco o ritmo, ao ouvir:
- Je suis français (Eu sou francês).
O queeeeê? Francês? Gastei as solas das sapatilhas, as caras e bocas, o salvo-conduto conquistado, dançando com o homem errado? Pois, pois, com licença. Fui!
PS: Não dancei com um português, mas consegui fotografar o casal de namorados açorianos. Junto, a sogra do gajo menestrel.