Quem escuta seu barulho pode facilmente confundi-lo com um fusca. Mas aqueles que seguram seu pequeno volante garantem que a sensação de liberdade ao dirigi-lo é única — sobretudo se a experiência incluir a brisa do mar. Trata-se do buggy: uma febre no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980, que permanece nas lembranças de muitas pessoas e na garagem das casas de veraneio de outras.
Mesmo que a quantidade tenha diminuído bastante nas últimas décadas, não é incomum avistar buggies pelas ruas de Tramandaí, no Litoral Norte. Em movimento pelas avenidas ou estacionados na beira da praia, os veículos pequenos, sem portas e com grandes rodas traseiras chamam a atenção.
E se destacam mais ainda se forem coloridos e tiverem uma aparência diferente, como o de Juarez Haas, 68 anos. O engenheiro civil tem um buggy vermelho, com faróis dianteiros que lembram dois olhinhos, batizado de "Dona Encrenca II" — o primeiro foi comprado há cerca de 15 anos, mas era mais empurrado do que dirigido.
— Eu sempre andei de buggy, porque eu venho de Pelotas, uma região onde tem muito buggy. E como sempre vereneio em Tramandaí, resolvi no verão ter um buggy, porque moto no verão é muito ruim. Então, compramos um buggy e esse já é o segundo, o buggy da Dona Encrenca II. Ele é muito bom e é da Dona Encrenca porque eu dei de presente para minha esposa — conta, ressaltando que a mulher também dirige o veículo.
O buggy vermelho de 1972 foi comprado há cinco anos e é mais confiável, segundo o engenheiro. Todos os dias, ele e a esposa utilizam o veículo para passear e ir à praia ou ao supermercado. Haas afirma que o buggy traz satisfação e prazer muito grandes, além de um "ar de liberdade", com a segurança de estar sobre quatro rodas.
Morador de Pelotas, no sul do Estado, o engenheiro destaca que ele e a esposa tem vindo com frequência para o Litoral, em função da idade e da rotina mais tranquila no trabalho. Por isso, convivem muito com o buggy, que fica em Tramandaí:
— É bom demais, mesmo que aqui nesta região tenha algumas limitações. No Cassino, podemos entrar com o carro na areia. Mas o buggy é um companheiro e tanto da gente, um facilitador para quem está na praia e, para quem fica 80 dias na praia como a gente, é maravilhoso.
Desejo realizado
Primo de Haas, Evaldo Nunes Teixeira, 71, sempre quis ter um buggy, mas só conseguiu realizar esse desejo há cerca de cinco anos, quando a esposa mudou de ideia e aceitou que adquirissem o veículo. Morador de Porto Alegre, o casal também só utiliza o automóvel de cor prata quando vem para a casa de Tramandaí.
— A gente vem para cá e usa o buggy aqui. Ele não vai para Porto Alegre, mora na praia, mas eu comprei na Capital. A gente sai com ele para fazer compras, para passear, para ir a qualquer lugar. O carro fica parado na garagem — comenta.
O modelo utilizado por Teixeira é mais novo e bem diferente da Dona Encrenca II. Mesmo assim, ele também assegura que andar no veículo traz uma sensação de liberdade maior.
— Ele é um buggy produzido como buggy, não é aqueles montado em cima de Fusca ou de Brasília. É o último modelo dessa linha, de 2010, para quatro pessoas. É 1.6, tem um motor bom, potente, eu comprei usado, com baixa quilometragem — explica Teixeira, destacando que seu neto adora o veículo.
Procura por conserto é frequente
Apesar da paixão, os bugueiros afirmam que os veículos costumam apresentar problemas, justamente porque ficam muito tempo parados. Eles brincam, inclusive, que têm um sócio: Gilberto Martins Silva, proprietário da Mecânica Negrão, em Tramandaí.
— Arrumo muitos buggies. Todos vêm para cá, porque quase ninguém mais quer mexer nesses carros antigos. Então, vem bastante nessa época de verão, mas é menos do que antigamente, porque agora tem muito pouco — afirma Silva, que atua há 30 anos com a oficina no Litoral.
Antigamente, o mecânico atendia cerca de 40 buggies durante todo o verão — hoje, esse número não passa de 15. Conforme Silva, os atuais proprietários desses veículos costumam ser mais velhos, pois os jovens não se interessam muito pelo modelo.
Regras
- O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) define o buggy como um “veículo para utilização especial em atividade de lazer, capaz de circular em terrenos arenosos, dotados de rodas e pneus largos, normalmente sem capota e portas”
- Mesmo tendo algumas características específicas, é considerado um veículo como qualquer outro, ressalta o secretário de Segurança, Transporte e Trânsito de Tramandaí, Claudiomir da Silva Pedro. Por isso, deve seguir as regras do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
- Para dirigir um buggy, o motorista precisa ser devidamente habilitado para veículo automotor, ou seja, possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias B, C, D ou E, que abrangem carros
- O buggy precisa ter licenciamento e contar com equipamentos obrigatórios, como cinto de segurança. Além disso, deve transitar somente em vias onde é permitida a passagem de veículos — caso contrário, estará cometendo uma infração de trânsito
- Alguns municípios autorizam a entrada de diferentes veículos na beira da praia, como Rio Grande, no sul do Estado. Mas em locais onde isso não é permitido, como Tramandaí e outras praias gaúchas, a passagem de buggy por áreas de preservação, dunas ou faixas de areia também configura uma infração ambiental, comenta Claudiomir
Curiosidades
- O buggy surgiu na década de 1960, na Califórnia, nos Estados Unidos. No Brasil, seu uso teve início na mesma época, por influência de brasileiros que retornavam de viagens internacionais. A primeira fábrica de buggy no território brasileiro foi a Glaspac
- Até meados dos anos 1990, era produzido a partir do chassi do Fusca e de seus derivados da época, como Brasília, VW TL e Variant. É formado basicamente por esse chassi, com uma carroceria de fibra de vidro. A característica clássica são as grandes rodas traseiras, que favorecem a superação dos terrenos arenosos
- Como não era um veículo acessível para todos, foram criadas alternativas entre o final da década de 1970 e anos 1980. Uma delas era o kit buggy, que consistia na carroceria e nos assessórios. Uma opção ainda mais barata do que o kit, era o “fusca envenenado”, que mantinha a carroceria original do modelo, mas incluí características estéticas dos buggies, como motor exposto, inexistência de portas e grandes pneus traseiros
- Esses veículos são de uma época em que a importação de automóveis era muito cara, o que incentivava pequenas oficinas a se aventurar como fabricantes e o projeto mais simples e barato era o do buggy
- O auge do buggy no Rio Grande do Sul foi entre as décadas de 1970 e 1980. Eram muito utilizados por jovens que buscavam diversão na praia e gostavam de subir nas dunas.
- A febre do buggy perdeu força nos anos 1990, em função de três principais fatores: a forte crise econômica no início da década, o fato de que veículos importados passaram a entrar no Brasil de forma mais barata e a mudança da legislação brasileira entre 1996 e 1997
- No Nordeste, o buggy ainda é muito comum. Existe, inclusive, legislação própria para a atividade profissional de bugueiro, que é importante para o turismo. No RS, normalmente é utilizado de forma particular, para diversão
- Atualmente, existem fábricas de buggies com chassis próprios, que são tubulares e semelhantes aos que a Gurgel Veículos fabricava para os seus modelos. Ou seja, uma espécie de esqueleto tubular e uma carroceria de fibra de vidro. São fábricas voltadas para um público mais seleto
Fonte: Michel de Almeida, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), historiador da Construção Histórica Assessoria Empresarial e autor do livro A Indústria Automobilística e o Empresário Nacional.