O projeto da Bíblia de quatro metros de altura por seis de largura que será construída em frente à orla da praia de Tramandaí – como revelado por GZH – tem causado polêmica e dividido opiniões de moradores e veranistas. Enquanto alguns avaliam a iniciativa positivamente, outros demonstram revolta.
Questionada novamente pela reportagem, a prefeitura ainda não revelou o valor da obra. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) chegou a procurar a reportagem e informar que, se forem utilizados recursos públicos para a construção da obra, ingressará judicialmente contra o município de Tramandaí, como tem feito em todo o Brasil. A ATEA ressaltou que já conseguiu derrubar na Justiça algumas obras semelhantes.
A previsão é de que a estrutura seja entregue até a metade do ano. Ela ficará na Praça General Müller, na Avenida Beira-Mar. Quanto à motivação, a prefeitura afirmou que a Bíblia é "o livro mais importante do mundo e o maior símbolo da fé cristã". O poder municipal decidiu construir o monumento para alavancar o turismo evangélico.
Moradores preferem outros investimentos
A reportagem circulou pela região nesta quinta-feira e conversou com moradores, trabalhadores do comércio e veranistas sobre suas opiniões a respeito da iniciativa. Há uma diversidade enorme de visões – ainda há quem não tenha tomado conhecimento do projeto.
Em geral, os moradores ou veranistas com imóveis em Tramandaí avaliam que há outros investimentos – especialmente com verbas públicas – mais importantes a serem feitos na cidade, como em estradas e na saúde. É o que pensa a proprietária da loja Querência Gaúcha, Fernanda Perini Nunes, 50 anos, embora acredite que essas obras sempre enfeitam a cidade.
— As ruas estão todas cheias de buracos, alaga tudo no centro. Tenho comércio e prejudica um monte. Acho que tem coisas na frente, bem na frente, para fazer. Isso não seria uma coisa necessária. Acho ótimo, Deus é tudo de bom, tudo na vida da gente, mas primeiro tem outras coisas— pontua.
A dona de casa Francieli Peterson, 30, é de Cachoeirinha, mas sua família tem um imóvel em Tramandaí, onde veraneiam. Ela não acha que a obra ficará feia, mas acredita que poderiam ser feitos investimentos mais úteis para os veranistas e moradores.
— Naquela praça inclusive, que não tem nada, está vazia, poderia ser feita uma pracinha para crianças, para tomar chimarrão, alguma coisa assim. Acredito que uma Bíblia não teria muito fundamento — pondera.
Por outro lado, há moradores favoráveis à obra, como Cristiano Moacir, 45, proprietário da loja Balloon Impressões. Ele acredita que a prefeitura tem condições de fazer o monumento – e considera importante esclarecer de onde virá o recurso e quanto será gasto. Porém, também enfatiza que é preciso priorizar o que é mais importante na cidade, como ruas e saneamento – não que o monumento não seja importante e não agregue para a cultura local e turistas, frisa.
— Eu acho uma ideia boa, até para aproveitar o espaço físico da cidade, uma obra é uma arte também. E o símbolo da Bíblia também, que é o livro mais importante do mundo, não só para os cristãos, mas para todo mundo que quer conhecer um pouco da história do povo de Deus — ressalta.
Veranistas apoiam a iniciativa
Quem somente veraneia na cidade acredita que se trata de um monumento importante e avalia a obra como positiva.
— Acho que é uma coisa muito legal, importante, principalmente para as pessoas mais jovens que estão crescendo agora. É Deus, é Jesus, isso é importante — afirma o vigilante Antônio da Silveira, 35, destacando que o investimento deve ser feito pela prefeitura, mas que ajudas de parcerias são bem-vindas.
— Muitas pessoas não conhecem a Bíblia — acrescenta Patrícia Camargo, 40, técnica de enfermagem. O grupo de amigos veio de Porto Alegre para passar o dia na praia.
Para o agricultor Régis Rodrigues, 38, de Soledade, e a esposa Jaqueline Lorena, 46, enfermeira, trata-se de um investimento para a cidade e para o povo – seja ele feito pela prefeitura ou por meio de uma parceria.
— Eu acho legal, para o povo aprender um pouco sobre a Bíblia. É excelente a ideia — destaca Régis.
Turismo evangélico
As opiniões também divergem quanto à capacidade do monumento de atrair turismo evangélico. Há convictos de que será um sucesso.
— Acho que vai funcionar, muitas pessoas vão querer vir ver — declara a técnica de enfermagem Patrícia Camargo.
— Com certeza, até o povo católico, crente, todo mundo vai adorar ver isso aqui — ressalta o agricultor Régis Rodrigues.
— E também não cristãos, por que não? Até para conhecer — diz Cristiano Moacir, da Balloon Impressões, acrescentando que o espaço deveria ser utilizado para outras atividades e eventos durante o ano para atrair pessoas.
Porém, pelo fato de a cidade já possuir uma estátua de Iemanjá – associada ao candomblé e à umbanda – e a região ser conhecida por oferendas, moradores e veranistas apontam um possível "conflito religioso". Além disso, ainda que fique bonito, há quem não acredite que o monumento fará a diferença para atrair turistas ou religiosos.
No quiosque Bangalô, na orla, Yanka Pires, 24, estudante de Arquitetura e Urbanismo, de Goiânia (GO), avalia a construção como "ridícula". Em sua opinião, caso sejam buscadas parcerias, estas poderiam ser utilizadas para melhorar a estrutura da cidade.
— Eu venho de uma cidade grande. Para ser cidade turística, tem de ter uma estrutura atrativa, só que tem de ser confortável antes de fazer besteirinha. Tem de atrair pessoas com conforto, lazer, tempo de qualidade. A cidade está um caco, toda estragada, e a prefeitura gastando dinheiro com besteira. Ainda mais a Bíblia, uma coisa religiosa que não vai agregar a todo mundo, não é uma coisa popular geral — expõe.
Para Fernanda Nunes, da loja Querência Gaúcha, melhorias sempre atraem pessoas, mas é preciso elencar prioridades para que isso dê certo.
— Muita gente deixa de vir porque está um caos, não dá nem para andar de carro direito. Primeiro tem de ter a estrutura para atender o povo que tu quer atrair, depois que estiver tudo pronto, aí tu vai aumentar, fazer parque temático ou Bíblia — concorda.
Outros investimentos da prefeitura
Procurada, a prefeitura afirmou que está investindo R$ 25,5 milhões na recuperação de ruas e que todos os bairros serão atendidos. Ressaltou ainda que as obras de turismo não têm relação com as de infraestrutura. O poder municipal informou que também está revitalizando a estátua de Iemanjá e que uma capela será construída na Avenida da Igreja, buscando qualificar o turismo religioso. Além disso, a Praça dos Botos, no bairro Barra, receberá um monumento em formato de barco.
Em um comunicado divulgado nas redes sociais da prefeitura, o prefeito Luiz Carlos Gauto afirma que o Estado é laico e que o objetivo sempre é "respeitar, permitir e tratar de forma igual todo e qualquer tipo de manifestação religiosa, de fé, credo e inclusive de não religião". O prefeito destaca ainda que a administração está qualificando estruturas, investindo no turismo e oferecendo oportunidades iguais a todos.