"Como se quica a bola?". Essa é a primeira pergunta que as pessoas fazem quando ouvem falar em basquete na areia. No Brasil, acredita-se que a modalidade, que chama a atenção por ser inusitada, tenha surgido em Tramandaí, há 38 anos. Em 2024, o esporte ganhará seu primeiro campeonato mundial de master – categoria de atletas a partir de 35 anos que foram profissionais e querem continuar praticando de forma competitiva –, em João Pessoa, na Paraíba.
"Eu jogo basquete na areia em Tramandaí", lê-se na parede da quadra, localizada na orla da praia. O espaço tem 18x9 metros – menor do que uma quadra de basquete tradicional, que mede 28x15 metros. As regras são as mesmas, com algumas adaptações. A mais importante é que, por ser na areia, não se pode quicar a bola. Justamente por isso, o esporte tem um ritmo próprio, mais acelerado.
Em alguns momentos, até chega a lembrar o handebol, mas tem características próprias bem definidas: é jogado com três em cada time, sendo cinco no grupo no total; a cada oito pontos ou quatro minutos, os times invertem o lado da quadra; e o jogo encerra aos 16 pontos ou oito minutos. Em caso de empate, há prorrogação até desempatar. Já a pontuação é a mesma adotada no basquete tradicional. Porém, as marcações da quadra são feitas na superfície da moldura de madeira que retém a areia.
A modalidade é praticada de dezembro a fevereiro. E a regra final do esporte jogado à beira da praia? Todo jogo termina com um banho de mar.
O diferencial
Idealizador da prática em Tramandaí, o consultor de gestão e ex-atleta profissional Rogério Delanhesi, 65 anos, conhecido como Pulga, relata que há diversos aspectos interessantes da modalidade, como o caráter democrático e inclusivo – qualquer pessoa pode se juntar aos times, e não há exigência de estruturas caras, como tabelas oficiais ou quadras cobertas, facilitando o acesso à população e até mesmo aos municípios.
— Tu não precisa ter tênis, não precisa ter meia. As meninas podem estar de maiô ou biquíni, e os homens, de calção ou sunga — explica Pulga, que integra a seleção brasileira de basquetebol master e é vice-campeão mundial, na categoria 65+.
Além disso, em razão de não poder quicar a bola, há uma necessidade de velocidade de raciocínio muito maior, conforme os jogadores.
— Se tu for pensar depois que a bola chegar na tua mão, tu não joga, tu tem de estar pensando antes. Então, para quem já joga, sendo atleta profissional ou que está querendo ser profissional, é um grande aprendizado — destaca.
O empresário Fabiano Moacir, 43, aprendeu a jogar na areia aos oito anos, influenciado pelo irmão — na época, não havia nenhuma quadra de basquete em Tramandaí. Em seus 20 anos, chegou a jogar basquete em uma equipe profissional. Hoje, organiza a prática na areia ao lado de Pulga, sendo o responsável por montar e cuidar da quadra, recolher os aros em março e auxiliar quem é de fora. Para ele, trata-se de uma paixão.
— É um esporte bem mais pesado do que o normal. No basquete normal, chega março, a gente vai para a quadra em Osório, Tramandaí, Porto Alegre, e a gente está voando, está muito mais rápido — observa como o diferencial do esporte.
Trinta e oito anos de história
A prática surgiu em 1986, quando Pulga era técnico da seleção gaúcha de basquete, na categoria adulto. A equipe se preparava para o campeonato brasileiro, quando teve um empecilho e não pôde treinar na quadra tradicional. A saída foi praticar em uma quadra de voleibol, com dimensões menores. Para qualificar o treinamento e a velocidade de raciocínio dos atletas, decidiu-se jogar sem deixar a bola quicar no chão. Como ter cinco contra cinco na quadra era demais, optaram por colocar três contra três.
Mais tarde naquele ano, sua empresa foi convidada para fazer a gestão do projeto Tenda Petrobras. Foi quando ele teve a ideia de dar início à modalidade, já que outros esportes na areia também eram oferecidos. No mesmo ano, ocorreu o primeiro campeonato de basquete na areia – e de lá para cá, o esporte é jogado todos os anos.
Nessa forma, a gente acredita que começou aqui, e agora tem em vários locais do Rio Grande do Sul e do país
ROGÉRIO DELANHESI
Idealizador da prática em Tramandaí
Em 2018, quando a nova orla de Tramandaí começou a ser feita, tudo o que existia foi removido. Fabiano e Pulga procuraram, então, a prefeitura, que reservou um espaço para a prática do esporte. A compra dos equipamentos, por sua vez, ficou a cargo do grupo – e por estarem em local público, também seriam de uso geral. Para arrecadar o dinheiro, os jogadores montaram uma campanha permanente, que garante contribuições e permite que mantenham o espaço.
— Isso eu acho que é o mais legal, porque traz, principalmente para a gurizada da praia, uma consciência de como se trabalha cogestão, que o espaço público não é do governo, não tem de esperar. O governo faz a parte dele, cedeu e, de vez em quando, joga areia aqui para nós. Mas quem tem de manter a quadra, o espaço, somos nós — avalia Pulga.
A cada ano que passa, a intenção é que um número maior de praticantes se junte ao basquete na areia.
Origem em Tramandaí
O esporte também é praticado em outros lugares, como Los Angeles. As condições podem ser diferentes – se a quadra é maior, jogam quatro contra quatro, por exemplo.
— A gente não pode dizer: "Ah, nós inventamos", porque não tem domínio dessa questão, que é uma cultura popular. Mas, nessa forma, a gente acredita que começou aqui, e agora tem em vários locais do Rio Grande do Sul e do país — comenta Pulga.
A modalidade já rendeu até mesmo um trabalho de conclusão de curso. Motivada pela paixão pelo basquete na areia, Mariana Müller Rocha, 37, resgatou a história do esporte em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Educação Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), após encontrar poucos registros. Jogadora há 18 anos – a mais ativa entre as mulheres –, hoje concilia os deveres de mãe com os jogos, por diversão, quando possível. Ela, que também é desenhista industrial, atesta que o esporte surgiu aqui:
— Começou aqui. Foi uma adaptação, surgiu como uma opção para o treinamento físico. Teve no Nordeste também algumas iniciativas que foram paralelas, então não dá para dizer que foi uma cópia, até porque, na época, não tinha internet, não saía na TV. Então, surgiram, teve esses focos, mas realmente o primeiro foi aqui com o Pulga.
Sendo o basquete um de seu esportes preferidos, Mariana passava em frente à quadra e achava a prática interessante, até que, um dia, teve coragem de pedir aos "caras enormes jogando superbem" para participar. Com a receptividade dos jogadores, permaneceu no time. Apesar de haver um embate maior quando apenas os homens treinam, garante que entra para jogar. É justamente a democratização que a educadora física destaca a respeito do esporte, além da confraternização e do "visual maravilhoso".
— A gente joga, vai tomar um banho de mar, tem amizade, enfim, tudo que o esporte traz, que não é só aquele reducionismo do alto esporte. As pessoas pensam que no esporte tu só é bem-sucedido se estiver jogando em um supertime. Só que não, tem tudo isso aqui que a gente ganha — ressalta, convidando as pessoas a conhecer e praticar o esporte, pelo qual "vão se apaixonar".
Mundial em João Pessoa
De 11 a 15 de setembro, João Pessoa sediará o campeonato mundial do master de basquete na areia. Com influência da prática em Tramandaí divulgada por Pulga, os participantes do campeonato mundial do master realizado em quadra normal decidiram promover o evento. As inscrições ainda não começaram, mas Pulga estima que mais de 50 países devam se juntar ao torneio. Assim, também será possível ter mais certeza de onde a prática é realizada. Para a participação, será montada uma seleção.
— Esse grupo que joga há 30 anos os mundiais do master vai, pela primeira vez, experimentar também ter o basquete na areia. Em outra data, em outro país, em outra questão. Se originou em função da prática e de todo o histórico que tem aqui — conta.