Correção: os locais que poderão ter autorização para prédios com até 14 andares limitam-se a dois, e não em áreas definidas em todo o município como publicado entre as 22h de 14/2 e as 18h28min de 16/2. O texto foi corrigido.
O novo plano diretor proposto pela prefeitura de Xangri-lá causa preocupação em moradores de uma das principais praias do Litoral Norte, com pouco mais de 17 mil habitantes. A intenção é permitir a construção de prédios de até 14 andares em áreas próximas à beira-mar e também ampliar os locais para edifícios com sete pavimentos, teto permitido atualmente.
Uma audiência pública marcada para as 17h desta quarta-feira (15), na Câmara de Vereadores, foi cancelada, após decisão é da juíza federal Clarides Rahmeier, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre.
O plano diretor prevê mudanças nas autorizações de construções em diferentes áreas da cidade. Prédios de até 14 andares poderão ser erguidos em duas áreas pertencentes ao que o plano diretor chama de Zona Comercial 3, que é "área com média densidade, com incentivo à miscigenação, concentrando as atividades de apoio à habitação, de comércio e serviços diversificados, uso especial, recreacional e turístico".
Essas áreas envolvem dois pontos, um na praia de Rainha do Mar, onde funcionava a antiga colônia de férias do Banrisul, e outro próximo da beira-mar em Xangri-lá, no local onde funcionou o Hotel Termas. Em outros pontos residenciais da cidade, a autorização é para altura máxima de sete andares.
Segundo o prefeito, o projeto foi elaborado em parceria com professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e sugeria a construção de prédios altos em locais onde hoje não há qualquer edifício, o que a prefeitura recusou.
— Esse plano diretor tinha até a proposta de construção de prédios em volta de praças. Nós tiramos isso. Só vamos permitir prédios onde hoje tem prédios. Onde não tem prédio, não faremos prédios — diz o prefeito.
Em nota, a UFRGS negou defender aumento do potencial construtivo e afirmou que há perda total ou parcial de serviços fundamentais para sustentabilidade ambiental com a proposta.
O projeto autoriza a construção de condomínios ou loteamentos do outro lado da Estrada do Mar, à esquerda de quem vem de Tramandaí, urbanizando uma área que, até agora, é rural. Na avaliação do prefeito, o aumento da altura dos prédios vai expandir a economia de Xangri-lá, gerando mais empregos e renda.
— Com o município crescendo, vai gerar empregos e renda para os moradores fixos. Um prédio alto precisa de quantas pessoas para limpar, para fazer o jardim, a manutenção? Todo condomínio dá empregos para a comunidade — diz Barbosa.
Na última sexta-feira (10), moradores fizeram um ato de repúdio ao plano diretor, unindo as mãos ao redor do terreno onde funcionou o Hotel Termas. Eles acreditam que a prefeitura está cedendo a "interesses imobiliários" e investindo em um projeto que vai descaracterizar uma praia onde a tranquilidade e a natureza ainda são marcantes. Um abaixo-assinado online já recolheu mais 19 mil assinaturas.
Críticas
Quando souberam do projeto da prefeitura, pessoas contrárias à construção de prédios mais altos fundaram a Associação de Moradores e Veranistas de Xangri-lá (AMX), cujo presidente é o técnico ambiental Sérgio Roberto Oliveira Estigarribia. Segundo ele, há uma incerteza por parte da população a respeito de diversos pontos do plano diretor, mas principalmente se existe infraestrutura adequada para esses empreendimentos, que vão proporcionar um aumento populacional.
— Os moradores sabem que esse aumento de pessoas, sem que haja esgoto adequado, será um caos no futuro. Não há saneamento em Xangri-lá. Há compotas de bacia de decantação que estão saturadas. O saneamento tem que vir em primeiro lugar. Além do mais, a prefeitura, ao explicar a construção desses prédios, diz que teremos no mínimo duas horas de sol. Mas a falta de sombra nos preocupa. A prefeitura tem que ser mais transparente — reclama Estigarribia, que mora há cerca de 10 anos no município.
De fato, o esgoto é o que mais preocupa Abraham Alcalay, 71 anos, engenheiro civil que mora a duas quadras do terreno onde funcionou a colônia de férias do Banrisul, no balneário de Rainha do Mar.
— Onde vamos mandar o esgoto de toda a população de um prédio? Não existe saneamento básico aqui, não tem coleta de esgoto, não tem rede. Todas as casas utilizam fossas. Agora, imagina colocar um prédio de 14 andares na beira do mar? Vamos ter línguas de esgoto saindo no mar — critica Alcalay, há seis anos instalado no município.
Mas também há receio de que a verticalização da cidade altere o estilo de vida de uma praia pacata, onde os prédios são baixos e ainda se enxerga a linha do horizonte, com o mar ao fundo.
— A modernidade vem, não tem como mudar isso. Mas essa mudança tem que ser planejada, estudada. Em Capão da Canoa, não tem mais como construir prédio. Então, as construtoras querem vir para cá. Rainha do Mar é provinciana, tranquila, totalmente limpa. Tem vida marinha ainda. Nossa preocupação é que o crescimento desenfreado polua nossa praia. Queremos seguir morando de maneira saudável, com prédios baixos, circulação de ventos, poluição controlada — reitera Alcalay.
De acordo com o prefeito, Celso Bassani Barbosa, o plano diretor prevê o saneamento adequado nas áreas onde há permissão para erguer prédios de até 14 andares, o que poderia beneficiar até mesmo as residências vizinhas que não possuem rede de esgoto. Para o gestor, as reclamações de alguns moradores são infundadas, frutos de uma visão egoísta de quem não deseja que a cidade seja usufruída por mais pessoas.
— Não se constrói nem um prédio, nem um condomínio, se não tiver tratamento de esgoto. Essas reclamações partem de um grupo de poucos. Há arrogância dessas pessoas que acham que mandam na praia. Estão olhando para o seu próprio umbigo — diz.
A pedido de alguns moradores, o Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS) elaborou um relatório técnico apontando alguns detalhes que merecem atenção no plano diretor, e que podem ter impactos ambientais e também para a qualidade de vida da população.
Segundo a copresidente da entidade, a arquiteta e urbanista Bruna Bermagaschi Tavares, o projeto, ao permitir condomínios na região da Estrada do Mar, tem uma clara intenção de atrair pessoas de fora, que podem pagar por moradias caras, em vez de garantir habitações adequadas para quem já reside no município.
— Há uma contradição. O plano diretor se propõe a pensar em melhorar a vida dos habitantes de Xangri-lá, mas demonstra interesse no turismo e no investimento imobiliário. Isso não está sendo destinado para a população da cidade, aliás, há poucos pontos destinados a habitações para pessoas de baixa renda — diz.
Já a construção de prédios mais altos, ainda que delimitada a algumas áreas da cidade, pode abrir margem para que mais espaços passem a permitir esses empreendimentos, gerando, no futuro, uma orla totalmente verticalizada.
— No nosso entendimento, isso abre um precedente para que mais zonas sejam ampliadas e permitam esses prédios, causando uma verticalização da orla de Xangri-lá. Isso terá um impacto na paisagem da cidade. Além do mais, o plano deixa lacunas. É um plano que parece gritar a intenção de rendimento econômico — critica a representante do IAB-RS.