Por alguns momentos, Pedro Antônio, de dois anos, esquece da limitação imposta pelo autismo. Apesar de ter sensibilidade ao toque e evitar contato com texturas estranhas às do seu dia a dia em razão do transtorno, passa a mão sobre a crina do cavalo, faz carinho no animal e não se incomoda com os pelos.
— O Pedro começou a pular de alegria, que é como ele demonstra estar feliz. Fazer carinho não é comum para ele. Não encosta em qualquer coisa — explica Bruna Silva, 28 anos.
O encanto do garoto pelos animais foi descoberto por acaso, no início de janeiro, quando a família passeava na cidade de Torres, Litoral Norte. Ao se aproximar de uma equipe de policiamento da Cavalaria da Brigada Militar (BM), foi acolhido pelos soldados – e pelos cavalos. Além da admiração evidente no olhar, pediu para montar, acompanhado da servidora que controlava as rédeas. Encostou a cabeça no longo pescoço do bicho, outro fator que foge ao seu comportamento usual, de acordo com a família.
Na manhã desta quinta-feira (28), o encontro foi repetido. Devido à escala dos agentes, tanto os animais quanto os soldados eram outros, o que não foi um empecilho para a criança. Mesmo em um dia em que estava agitado – por ter acordado mais cedo do que o comum, segundo os pais –, Pedro Antônio voltou a interagir. E, de novo, fez com que a mãe chorasse de alegria ao observar um ato tão singelo.
— Eu não sei nem explicar o que a gente sente. É demais, começo a me emocionar de novo. Só o fato de ele encostar a cabeça e socializar já traz uma sensação de vitória — diz, interrompendo a fala pela emoção.
Pedro Antônio ficou alguns minutos na sela, sobre o dorso de Ópera, uma égua com cerca de 15 anos. Teve a companhia da soldado Ana Júlia Gehm, 21 anos. A jovem policial demonstra na fala a paixão por formar dupla com os animais, e chega a dizer que “é o cavalo que escolhe o policial, não o contrário”, antes de relembrar situações inusitadas pelas quais passou.
— Quando estamos a cavalo, as crianças querem tocar, fazer carinho. E o cavalo sente, e se aproxima também. Às vezes, parece que é o cavalo que pede carinho para a criança.
Os pais do menino moram em Passo de Torres, município catarinense logo após a divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Bruna é designer de sobrancelhas, e o marido, Deivid José Rodrigues e Rodrigues, 31 anos, frentista. Com a renda limitada, eles acreditam não ter como pagar as sessões do tratamento que, comprovado cientificamente, acelera o desenvolvimento a partir da interação com os cavalos: a equoterapia. Mas prometem redobrar o esforço para não deixar Pedro desassistido. Contam ainda com a solidariedade de quem se emocionou com a história, contada na Rádio Gaúcha.
— Me proponho a ajudar. Tenho uma cabanha, pequena, mas que tem animais de nossa confiança. Meu filho de cinco anos sempre interage, podem fazer amizade — propõe o criador Rodrigo Mota, ouvinte da Gaúcha e morador de Torres.
O casal tem ainda outro filho, Lucas Mateus da Silva e Rodrigues, de sete anos.
Equoterapia
Durante a pandemia de coronavírus, a busca pela equoterapia aumentou nos locais especializados. O salto na procura foi mostrado em reportagem de GZH na qual foram apontados os ganhos para o corpo e para a mente a partir da interação com os animais.
O método é reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina desde 1997 como eficaz, que potencializa as habilidades e reduz as limitações do paciente – de igual maneira, deve ser iniciado com indicação médica.
Segundo a mestre em Ciências da Reabilitação, Fabiane Nunes Antunes, o cavalo tem um movimento chamado de tridimensional, que repassa informações sensoriais a crianças com autismo. O ambiente, em meio a natureza, estimula a interação e tranquiliza os praticantes do método diagnosticados com o espectro autista.
— A criança se acalma, diminui a agitação. E melhora muito os aspectos de comunicação, pois fica mais organizada sensorialmente, podendo se expressar melhorar, ter mais interação social. Essa relação ajuda também em outros ambientes, como a escola — explica.
A especialista atua na Equus Ciape Equoterapia (Avenida Edgar Pires de Castro, 9.089, bairro Lageado, Porto Alegre).
Outro local referência para o tratamento está sediado na Sociedade Hípica Porto-Alegrense: a “Cavalo Amigo Equoterapia” (Avenida Juca Batista, 4.931, bairro Cavalhada, Porto Alegre) oferece o serviço há duas décadas. Para a psicóloga do centro, Silvia Scheffer, o diferencial do cavalo é sua inteligência corporal. Um “catalisador” de energia.
— O cavalo agiliza qualquer tipo de melhora e emana uma energia muito potente. Uma resposta imediata, principalmente com crianças, como no caso do Pedro Antônio — avalia.
Cavalaria
Na última segunda-feira (25), o Quarto Regimento de Polícia Montado da Brigada Militar completou 105 anos de história – o soldado Samuel Francisco da Silva está há 11 anos no destacamento. A unidade presta apoio às tropas em todo o Estado. No período, o agente diz ter “perdido” um companheiro de rua, que se aposentou. Era o cavalo Tarugo.
— Eu parava, ele parava. Caminhava, ele caminhava junto. Se acelerasse o passo, ele também fazia. Onde eu ia, ele me seguia. Sinto saudade, é como uma relação que temos com outras pessoas — compara.
No Litoral, o soldado Samuel foi designado a trabalhar com Radiante, uma égua de 10 anos. Os animais ficam em um estábulo em Arroio do Sal. No total, são 30 à disposição dos patrulheiros no Litoral Norte, durante a Operação Verão.
Pandorga, de nove anos, era a égua mais jovem do trio que participou do reencontro com Pedro Antônio nesta quinta. Ela foi montada pelo soldado Bruno Sturza Parodes, de 27 anos.
Os animais da corporação nascem e são criados em um departamento específico, na região central do Estado. Segundo a BM, iniciam a atuação nos patrulhamentos aos dois anos, e atuam até os 18, quando são retirados de combate.