— Não quero ganhar, porque ganhar não é dividir. Amor é dividir as coisas com os amigos.
A lição é de Júlia Ramos Gam, de nove anos, seis deles lutando contra um sarcoma, tumor que atingiu a cabeça da garota. Com vaidade aparente, mexendo no cabelo durante o 4º Campeonato de Tacobol – promovido pela Lojas Lebes, em parceria com o Instituto do Câncer Infantil (ICI) – a menina carrega o espírito do evento, no qual ninguém sai derrotado. A competição ocorreu em uma arena montada na areia, próximo ao mar, em Capão da Canoa, na manhã deste sábado (11).
Liberadas pelas equipes médicas para se deslocarem ao Litoral Norte, as crianças atuaram como treinadoras de suas duplas. A fórmula foi especialmente criada para o torneio: não bastava rebater a bola arremessada pelo adversário. Os pontos só eram válidos se a dupla tocasse primeiro na mão dos técnicos, durante a corrida para cruzar os bastões. Toda a dinâmica precisava ser completada antes de o atleta do outro time recuperar a bolinha rebatida.
Sorridente, Júlia passou boa parte dos jogos no colo de seu comandado, o multicampeão jogador de vôlei Gustavo Endres. Ao lado da jornalista Luciane Kohlmann, ela correu para o mar, antes mesmo de sua equipe entrar na quadra. Observando o carinho da filha com os novos amigos, Patrícia Ramos, 30 anos, desabafou:
— Hoje ela tá curada. Dizer que ela está curada faz eu pensar que existe céu na terra.
Patrícia teve de abandonar a profissão de assistente de marketing para cuidar de Júlia. Apesar de todas as dificuldades, ela ressalta o crescimento pessoal que teve com as idas diárias ao hospital.
— Antes de entrar em uma oncologia, a gente não sabia o que era lutar. Aprendi demais, e o Instituto do Câncer foi tudo pra nós, acelerou e muito o processo de cura dela — reforça a mãe, que hoje precisa apenas levar a filha em exames periódicos, como garantia de que um novo tumor não se formou.
Entre os convidados, estavam Rodrigo Adams, Duda Streb, Capu, Fernanda Pandolfi, Mc Jean Paul, Ki Fornari e demais voluntários.
Um dos mais animados com o vai-vem da bolinha de tênis era Eduardo Staggemeier, nove anos. O morador de Canoas parecia nem lembrar mais das três cirurgias que teve de fazer no coração, para combater uma leucemia.
— Não tô gostando, tô adorando — corrige o garoto, sem tirar os olhos da quadra, formada por uma espécie de carpete estendido sobre o piso.
Ao ser questionado sobre quem havia levado ele até a praia, apontou para o pai, não sem antes deixar bem claro: "ele lutou muito por mim".
— Larguei tudo, o trabalho, tudo para podermos dar o que ele precisava. Sobrevivemos pelas doações, do instituto e de vizinhos e amigos — relembra o pedreiro Josias Staggemeier, 42 anos.
A renda do construtor autônomo é variável, alcançando entre R$ 2 mil a R$ 2,5 mil, mas "tem meses que não dá quase nada", como ele alerta.
Eduardo descobriu a doença antes dos quatro anos de idade, quando ficou duas semanas entubado no hospital, período mais difícil para a família, segundo seu pai. A radioterapia durou dois anos e meio e hoje não há mais sinais da enfermidade.
— As pessoas não imaginam o que a gente passa. O preconceito dos outros, quando a gente vai em um restaurante, que ficam olhando por ele estar de máscara. Hoje ele tá bem, faz até jiu-jitsu e caratê lá no Guajuviras — informa, referindo-se à escolinha do bairro onde vivem.
Atônito às partidas, enquanto segura os dreads protegidos por um boné, Cristofer Cauã de Jesus, nove anos, ainda trata um astrocitoma, anomalia formada no cérebro. Após tratamentos com radioterapia, metade do tumor foi retirado e uma nova avaliação será feita neste ano para decidir se o garoto precisará fazer quimioterapia. As idas ao ICI acontecem duas vezes por semana, sempre após os plantões da mãe, a técnica em enfermagem do Hospital São Lucas da PUC, Nisiane Maria de Jesus, 36 anos.
— Eu vou cansada, mas não me importo. Faço tudo pelo meu chaveirinho, que adora ir ver o leãozinho, como ele diz — afirma, em referência ao símbolo do Instituto do Câncer.
Com um estiloso óculos de lentes vermelhas, Marceli Victoria Maciel da Silva, 11 anos, não parece dar bolas para o que acontece na arena. O duelo ficou em segundo plano para a garota, que observa o movimento ao seu entorno com atenção.
— Se não ganhar não tem problema — afirma a menina, reforçando o que já era aparente.
A mãe de Marceli está entre as tantas que têm sua história em sintonia: sem apoio do pai biológico, precisou deixar o emprego de caixa em um supermercado para acompanhar o tratamento da filha. Letícia Maciel da Silva, 31 anos, mora no Sarandi, com o marido e três filhos.
— Entrei em depressão quando descobri (a doença). Parou toda a minha vida. Agora, todos nós tiramos de letra, apesar de ainda não ter acabado a luta — conta, experiente, e com uma confiança que se iguala a de todos que encaram o câncer.
Para o oncologista André Brunetto, coordenador de pesquisas do ICI, retirar as crianças do ambiente hospitalar é uma renovação da energia para continuar o tratamento.
— Mexe com a autoestima, elas conhecem atletas e comunicadores que são seus ídolos. Vão se lembrar disso pro resto da vida — afirma.
Presidente do Conselho de Administração do ICI, Lauro Quadros diz que nada feito pela instituição é "ausente de protagonismo".
— Todos nós vamos passar, mas o instituto é eterno.