Como atentos arqueólogos, os olhos escaneavam a faixa de areia. A caça ao tesouro, contudo, não encontraria fósseis antigos, relíquias ou inusitados artigos de outras épocas. A grande recompensa era menos óbvia: lixo humano contemporâneo. Em uma ação simultânea articulada em 10 municípios do Litoral Norte neste domingo (27), cerca de 400 veranistas e voluntários ligados a grupos ambientais coletaram resíduos à beira-mar em um mutirão para sensibilizar os frequentadores de praias gaúchas sobre o impacto dos resíduos no oceano.
Em apenas 45 minutos e percorrendo, em média, 500 metros em cada município, coletaram quase meia tonelada de lixo, segundo estimativa dos organizadores. O montante é formado por milhares de itens minúsculos, como bitucas de cigarro, canudinhos e tampas de refrigerante.
Segundo a Organização das Nações Unidos (ONU), 13 milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos anualmente — metade dos produtos são usados uma única vez. No ritmo atual de uso, a entidade estima que, em 2050, haverá mais plástico do que peixes no oceano da Terra.
Foi justamente o impacto à natureza gerado pelo ser humano que moveu a veranista e coach de vida Julia Moreira, 21 anos, a tornar-se vegana e chegar à beira-mar de Tramandaí às 9h, apesar de ter trabalhado no dia anterior até meia-noite. Ela foi uma das 40 pessoas que ajudaram a recolher 1.650 bitucas de cigarro — resíduos inusitados incluíram cílios postiços e até uma ficha de orelhão. Gentilmente, ela circulou entre os guarda-sóis com uma sacola nas mãos e questionou outros veranistas se havia lixo a ser retirado.
– Virei vegana por causa do impacto que a carne causa no ambiente. Acredito que todos somos um. Quando venho na praia, aproveito e junto o lixo. Hoje, vim ajudar – afirmou.
Assim como outros adolescentes, a estudante Andriele Correa, 15 anos, faz parte do projeto Praia Limpa, voltado para alunos da rede pública de Tramandaí em situação de vulnerabilidade. Bastante proativa, ela catava resíduos da faixa de areia:
– Nós queremos conscientizar as pessoas. O lixo vai para a água e os peixes acabam comendo.
A maioria do material foi encontrada nas dunas. Também achamos chinelo, cuecas e camisinhas.
TAINÁ FIGUEIREDO
Voluntária do grupo Ocean King
Em Atlântida, bastaram 45 minutos para o mutirão recolher quase mil bitucas de cigarro, mais de 240 tampinhas e 221 presilhas de plástico.
– A maioria do material foi encontrada nas dunas. Também achamos chinelo, cuecas e camisinhas. Muitas vezes, o lixo fica na cidade e voa com o vento. É preciso fazer o alerta, porque são resíduos relacionados à grande quantidade de eventos que acontecem em Atlântida – diz a voluntária Tainá Figueiredo, 17 anos, do grupo Ocean King.
A voluntária do Greenpeace Litoral Norte Carolina Guimarães traçou um paralelo entre o lixo jogado na praia e o rompimento da represa de Brumadinhos (MG), na sexta-feira. Em ambos os casos, diz, o ser humano não é visto como parte da natureza.
– Temos de prestar mais atenção ao meio ambiente. Vemos o desastre em Minas Gerais com muita tristeza. Trazendo para nossa realidade, é muito triste encontrar uma tartaruga-marinha morta por causa de lixo. É preciso lutar pela preservação do ambiente, começando pelo nosso quintal – disse.
Temos de prestar mais atenção ao meio ambiente. Vemos o desastre em Minas Gerais com muita tristeza. Trazendo para nossa realidade, é muito triste encontrar uma tartaruga-marinha morta por causa de lixo. É preciso lutar pela preservação do ambiente, começando pelo nosso quintal.
CAROLINA GUIMARÃES
Voluntária do Greenpeace
Veranistas aprovam iniciativa
Veranistas que testemunharam a ação ambiental viram a atividade com bons olhos. Sentada em uma cadeira na areia, a diretora de escola Clara Reis, 55 anos, elogiou a iniciativa e destacou que o cuidado com o lixo ainda não é regra para todos:
– Muita gente ainda deixa lixo no chão. Pelo menos os catadores pegam as latas de alumínio para reciclar.
Turistas também ressaltaram a falta de lixeiras à beira-mar, o que favorece a sujeira na areia.
– Acho maravilhoso esse tipo de atitude, tem que preservar a praia para ela estar sempre própria para o uso. O problema é que não tem muita lixeira, então, temos que trazer sacolinha – afirmou a auxiliar de escritório Andréa Souza, 48 anos.
Além de Tramandaí e Atlântida, a ação também ocorreu em Torres, Imbé, Rondinha, Arroio do Sal, Atlântida Sul, Rainha do Mar, Magistério e Cidreira. Quem articulou a ação entre as 10 cidades foi o empresário Alexis Sanson, 46, coordenador do Praia Limpa Torres.
– Queremos sensibilizar as pessoas acerca do impacto do lixo na praia e nos oceanos. A própria ONU deflagrou a campanha Mares Limpos no ano passado. No Vaticano, o Papa alertou sobre o impacto dos plásticos nos oceanos. Fazemos no litoral gaúcho uma ação realizada no mundo inteiro – afirmou.