Ocupando quatro cadeiras e dois guarda-sóis à beira-mar de Capão da Canoa na tarde do último domingo (4), a família Oliveira demonstrava o gosto pela leitura com 815 livros à mão. O advogado Alexandre, 37, lia um título sobre filosofia política. A esposa, a estudante Danielly Dagnaisser, 41, se informava com um jornal impresso. A mãe de Alexandre, a supervisora escolar Nádia, 71, portava um romance ambientado no pós-Segunda Guerra. Por fim, o pai, o bancário aposentado Vladimir, 73, exibia um Kindle com centenas de exemplares condensados em pixels. Juntos, os quatro moradores de Porto Alegre representam uma categoria de veranistas do Litoral: os leitores da areia.
Os leitores da areia não buscam a beira da praia para modificar a paleta de cores da pele, apesar de esta ser uma boa consequência do folhear das páginas. Também não estão interessados pelo banho de mar relaxante, pelo milho com sal ou pela corridinha na areia. O real anseio pelo verão é a expectativa de colocar as leituras em dia.
Danielly, por exemplo, é habituée de jornais e revistas. A leitura, diz, a ajuda a estar sempre bem informada.
— Sempre que estamos sentados, estamos lendo. É importante para você se comunicar e expandir — diz, com um jornal na mão.
Alexandre, o marido sentado ao lado, relaxa na areia sem pensar nas apostilas de concurso público. Só que, como quer ser aprovado, até os livros de lazer acabam por estar de alguma forma relacionados. A reportagem o encontrou lendo Justiça: o que é fazer a coisa certa, do professor de Harvard Michael J. Sander.
— Gosto de ler de manhã ou de noite. Até baixei um livro no Kindle do pai, mas não me adaptei - conta.
Vladimir ri da observação e se refere ao apego do filho a livros físicos com uma condescendência bem-humorada, como se fizesse uma concessão. É que o progenitor defende com unhas e dentes o tablet. É mais prático, diz, mais leve, mais útil, mais barato. Debaixo do guarda-sol, protege o gadget da areia e do sol em uma bolsa de praia.
— Já fui sócio do Círculo do Livro, um tipo de catálogo da Avon literário. Mas agora não leio mais nada no papel, só em Kindle. Minha biblioteca está aqui, ó — apontando para o aparelho eletrônico e mencionando o gosto por Stephen King, autor de histórias de suspense, e do sueco Henning Mankell, famoso por romances policiais.
A matriarca, Nádia, diz que chega a revezar a atenção com três livros ao mesmo tempo — a predileção é por histórias de guerra.
— A leitura amplia horizontes. Você vive aquela história, vira um refúgio. Tem gente que faz exercício para se acalmar. Para mim, calmante é ler quatro páginas de um livro — brinca, enquanto agarra O Navio das Noivas, de Jojo Moyes.
A uma guarita de distância, a psicóloga Gabrielly Winter, 29, de Rio Pardo, deitava de bruços em uma canga e devorava um exemplar de Extraordinário, de R. J. Palacio, já adaptado para o cinema. Em dois dias, leu 286 páginas — a ideia era terminar o título ainda na tarde de domingo. Professora universitária, ela está acostumada a cargas de leituras mais densas — ao falar do filósofo francês Michel Foucault, os olhos brilham e o sorriso logo toma o rosto pelo teórico. À beira-mar, ela aproveita para ler livros que desopilem a mente, com predileção por romances e suspenses, como Trilogia Millenium, do sueco Stieg Larsson, também já exibido na telona.
— Não me incomoda o barulho na praia. Venho preparada com o óculos de sol e fico mais tempo lendo do que na água. Vim para a areia, inclusive, para terminar este livro. Não tenho paciência para ficar parada me bronzeando. Sou acumuladora de livros mesmo. Tinha um armário em casa que desabou porque tinha muitos! E meus avós sempre me incentivaram. Meu avô lia Os Doze Trabalhos de Hércules e eu adorava — relata.
Moradora de Cachoeirinha, a autônoma Maria Emília Borges, 35 anos, aproveitava o momento de descanso longe das filhas, de seis e de 14, para colocar a leitura em dia ao lado do marido, Maurício Cardoso Gomes, 38. Mas mãe não deixa de ser mãe e, mesmo longe, ela desatou a falar com orgulho das filhas enquanto segurava O Jogo - Amores Improváveis, de Elle Kennedy.
— Tem bastante gíria de adolescente neste livro, até tenho dificuldade de entender. Mas é também uma forma de entrarmos no mundo delas. Sempre as instiguei a gostar de leitura, é uma forma barata de sair da realidade. A de seis ainda não sabe ler, mas conta muita história e, desde bem pequena, já sabia folhear páginas — afirma.