Difícil um forasteiro ficar indiferente ao cenário com o qual depara às margens da Estrada do Mar, na altura de Balneário Atlântico, no Litoral Norte. Visível da rodovia, um loteamento de um quarteirão inteiro exibe fragmentos do que parece ser um velho oeste abandonado, com diligências e carroças de boi e até um barco superdimensionados. No lugar do bangue-bangue sugerido pela atmosfera, à distância, predomina o silêncio.
Chegando um pouco mais perto, é possível perceber movimentação no local: marteladas e zunidos de máquinas que trabalham a pleno vapor há cerca de dois anos na construção do que promete ser um peculiar complexo de lazer.
– Se fosse coisinha simples, já estava pronto. Mas meu pai não para de inventar – conta Eduardo Freitas, 57 anos, que acompanha a obra.
A proposta do idealizador do negócio, Irany Divino de Freitas, é ainda mais ousada do que indicam os apartamentos mais adiantados. À uma diligência, ao carro de boi e ao barco em meio ao terreno gramado, que chamam atenção da estrada, devem se somar acomodações em formato de calhambeque, helicóptero e até um disco voador, subvertendo qualquer expectativa razoável sobre a temática de faroeste.
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– É um bangue-bangue atualizado – sorri o empreendedor.
O caxiense de 79 anos é um inimigo do convencional. Antes de se mudar para a praia com a esposa, onde vivem há mais de duas décadas, ele administrava um motel fundado na década de 1970. O estabelecimento, dito pelo dono o "melhor da América Latina", oferecia, além das acomodações tradicionais, quartos em pipas de vinho – uma delas foi aproveitada no novo empreendimento – e uma outra carroça de boi. Para cuidar do motel, ele mesmo chegou a morar, por dois anos, na carroça hoje instalada em um terreno do lado de fora do futuro resort.
– Ela é espaçosa, tem banheira de hidromassagem e tudo. Vou alugar ela também – revela.
Irany é quem desenha e projeta cada apartamento do futuro negócio – antes de o projeto ser apresentado à prefeitura, ele é revisado por um engenheiro. Ele também acompanha de perto o trabalho dos cerca de 10 operários que atuam na obra, e vai ao local diariamente. Como usa uma bengala para se locomover em função de problemas na coluna, passa a maior parte do tempo dentro do carro, intervindo quando julga necessário.
Os meios de transportes rústicos do inusitado velho oeste, por enquanto, convivem com dezenas de pequenas palmeiras e algumas cabanas mais tradicionais, além de uma mula, um cavalo e um pônei, os primeiros funcionários do empreendimento. Ao trio, se juntarão pelo menos mais duas éguas e um cavalo, que hoje vivem no pátio da casa do dono. A ideia é que todos os animais fiquem disponíveis para cavalgadas com os hóspedes quando o empreendimento for inaugurado. Uma piscina, já instalada, um restaurante e serviços típicos de spa, como banhos de ofurô, estarão entre as atrações projetadas por Irany e pela mulher, Josete.
No total, 25 apartamentos devem integrar o empreendimento, que pretendem chamar de Resort Pinus Park quando a obra for concluída. Ainda não há data para a inauguração. Depois de fixar dois prazos, sem sucesso, Irany prefere falar em um período genérico: fim do ano. Isso se a mente ativa do empreendedor conseguir brecar as ideias que surgirem pelo caminho.
– Estou pensando em colocar um cavalo de Troia. Mas aí não dá para subir por corda, né. Vou colocar uma escada pela perna dele – projeta.
Excentricidades fazem parte da rotina
Ao entrar na casa onde Irany mora com a mulher, a minutos do loteamento que abrigará sua pousada, é possível compreender um pouco da excentricidade do homem calvo, de bigodes brancos, relógio e corrente dourados. O casal habita uma antiga cocheira, que teve algumas baias de cavalos transformadas em quartos, e onde a decoração é peculiar.
Dois leões negros, um de cada lado da porta de entrada, recebem os visitantes da casa ampla, iluminada por lustres feitos com rodas de carreta. Na sala, fotos antigas de família, do filho como piloto em Tarumã e fotografias aéreas do motel que administrou por décadas misturam-se com imagens religiosas, uma vitrola, e miniaturas de barcos, carros e caminhões. Uma placa em madeira despida de qualquer modéstia fala sobre o dono: "Esse cara sou eu", diz o enfeito pregado à parede.
Muitos dos elementos que compõem a casa são lembranças das diferentes paixões que Irany nutriu ao longo da vida. Uma reportagem de jornal lembra o dia em que as imediações da casa onde mora com a mulher receberam uma corrida de Fórmula Indy, em um circuito construído por ele – anos depois do fim do autódromo, investiu na construção de um jóquei, também sem sucesso.
Jogador do Grêmio na década de 1950, guarda com carinho uma foto da equipe que integrou como centro médio, no tempo de Foguinho e Aírton, um time "bem melhor" do que o que aí está, segundo lembra. Sob a imagem emoldurada, um par de chuteiras com seu nome bordado repousa junto à parede. O jeito literal, aliás, parece ser o único capaz de fazer com que pendure o calçado. A poucos meses de completar 80 anos, com a mente em plena atividade, mostra que, mais do que a concretização de seu insaciável desejo de empreender, o trabalho é uma forma demonstrar seu apreço pela própria vida.
– Eu tenho amigos que se aposentaram, e, quase todos, um pouco depois, se foram. Tudo o que para, morre – diz.