Quando Fernandes Vidor desarrolha uma garrafa com o bordô da safra passada, despeja-o no copo sem qualquer cerimônia. O cheiro e o corpo saciam uma curiosidade breve. As mãos marcadas pela roça erguem a bebida, e, após um longo gole, o conteúdo da taça desaparece. Quando o copo volta a encontrar a mesa, Vidor costuma dizer a quem quiser ouvir.
- O melhor vinho que conheço é o meu - fala o produtor de 68 anos, moendo qualquer modéstia. - Mas sabe como é, fazer vinho é que nem educar filho. Todo mundo acha que tem o melhor jeito.
A cidade de Maquiné, distante 53 quilômetros de Capão da Canoa, tornou-se conhecida pela produção de algumas das delícias vendidas na estrada e nos hotéis da praia - mel, queijo, rapadura e salame. Mas também é naquela localidade incrustada em montanhas cobertas de vegetação e cercada de riachos translúcidos que há uma rara produção litorânea de vinhos no Rio Grande do Sul.
Há 26 anos, Vidor faz das uvas bordô plantadas a pouco mais de dois quilômetros de sua propriedade os vinhos coloniais de Maquiné, procurados por clientes do próprio litoral e de Porto Alegre. A produção é rústica, e o produto sequer tem uma marca. Quem conhece as modernas vinícolas da serra gaúcha tem de ignorar o que aprendeu para entender como o processo de Vidor funciona.
A máquina que esmaga a uva para extrair o mosto - sumo que dá a fermentação - tem mais de cem anos e é acionada a mão. Ao contrário de grandes vinícolas, a primeira fermentação é feita em tanques de madeira, e não nas caríssimas bacias de inox com temperatura cuidadosamente controlada.
- Todos os dias, removo as sobras que se formam ao fundo dos tanques. Isso evita o amargor e ainda me dá um bom vinagre - diz.
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Uma lição seguida à risca pelo produtor
Na segunda fermentação, o vinho é levado a uma salinha simples na lateral de um pavilhão. Em um espaço fresco, cercado de grossas pedras, os tanques de PVC e vidro tratam de descansar a bebida de janeiro a abril. Um encanamento leva o ar até garrafas PET para que o gás carbônico não estrague o produto. Nesta área, Vidor teve de construir um portão - não para impedir espionagem industrial ou roubo de carga. É para evitar a inveja mesmo.
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- Há alguns anos, alguém entrou na propriedade e jogou roupa com produto químico dentro do tanque. Perdi 4 mil litros - lamenta. - Aqui, tem muita gente que inveja quando alguém faz algo bom.
O grande momento é o de tirar o vinho dos tanques e colocá-lo nas garrafas. Das lições que Vidor segue à risca, uma é tão valiosa quanto curiosa: jamais o serviço pode ser feito em dias de chuva e trovoadas.
- O vinho treme, se agita muito. Quando vai para a garrafa, está nervoso, sem o melhor sabor - ensina.
A técnica que ele aprendeu empiricamente - em nenhuma escola, mas com o apoio da Embrapa - dá um vinho diferenciado. Não é preciso ser especialista para perceber ali o aroma colonial, mas com sabor ausente de acidez e cor de um rubro vívido.
O segredo está no plantio e na colheita. A chamada escala de babo, que mostra a temperatura da uva quando é colhida e indica a quantidade de açúcar, é mais alta em Maquiné do que na serra gaúcha, explica Vidor, e isso, garante ele, acarreta em uma diferença no sabor do vinho:
- A escala mais alta faz com que a uva dê mais álcool, que também serve de conservante natural. Então não preciso adicionar conservantes artificiais, que trazem gosto ácido ao vinho.
Neste ano, a safra de Vidor caiu de 16 mil litros para 5 mil litros, em razão das chuvas em excesso. A perda poderia ser menor se ele usasse agrotóxicos, o que o ofende só de ouvi falar. O melhor remédio para minimizar as perdas, decreta, é tratar as uvas com carinho.
- Todo dia, vou até o parreiral, pergunto se as uvas estão bem, se elas estão doentes, se têm ferrugem.
É assim que nos entendemos, e a qualidade é mantida mesmo em uma safra menor - conta.
*Zero Hora