A cena se repete quinzenalmente: no sábado, o casal de aposentados Paulo e Célia Rihl sai de Novo Hamburgo com o porta-mala do carro cheio de bombonas e garrafas pet com mais de 150 litros de água, um cortador de grama manual e uma caixa térmica cheia de sanduíches e petiscos e segue para o Litoral Norte. A preparação especial para passar um dia na praia tem motivo: a casa construída em um terreno comprado em um leilão feito pela prefeitura de Terra de Areia em 2012 em Novo Curumim até hoje não tem saneamento, canalização de água e rede de energia elétrica.
A expressiva quantidade de água levada serve para beber, usar no banheiro e molhar as flores e plantas do terreno. Sem luz elétrica, a solução para manter o pátio habitável foi comprar um cortador de grama manual. A falta de luz para alimentar uma geladeira ou fogão torna a caixa térmica o único meio de conservar os alimentos.
A ideia era mudar de vez para a praia, mas desde que a casa ficou pronta, em 2013, os dois nunca passaram um final de semana completo no litoral. Sem infraestrutura alguma para viver, o bate-volta é a única opção viável.
- Viemos de manhã e voltamos no mesmo dia. Sem luz nem água é impossível passar uma noite aqui. O nosso sonho de morar na praia tem sido um pesadelo nesses últimos três anos - reclama Célia.
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A casa de três quartos e dois banheiros, que é a única construção na imensidão verde que se estende até a praia, está vazia. Por medo da insegurança, nenhum móvel foi colocado nos ambientes.
- Semana passada, roubaram a cerca nova que tínhamos colocado em volta do pátio. Temos alarme na casa, mas como não tem energia elétrica, é preciso pagar uma taxa extra a uma empresa de segurança porque ele funciona com bateria, que precisa ser trocada constantemente - conta Paulo.
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A vontade de, finalmente, morar na casa da praia despertou em 2012. Na época, o município de Terra de Areia havia recebido uma série de terrenos em pagamento para quitação de dívida de IPTU e fez um leilão das áreas. Seu Paulo e dona Célia juntaram economias e compraram um pedaço de terra naquele lugar.
- A nossa casa ficou pronta em março de 2013. A prefeitura prometeu que a situação seria regularizada. Mas o prazo para as obras era sempre postergado. Enganaram-nos durante um ano, então tivemos de entrar na justiça - explica Célia.
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Vendo que a situação da infraestrutura não foi regularizada pela prefeitura nem pela CEEE, o casal procurou a Defensoria Pública de Terra de Areia.
- A rigor, deveria o município ter procedido à realização das obras de infraestrutura, que são de responsabilidade do loteador segundo a Lei Federal n.º 6.766/79. Eis que, tendo recebido os terrenos de contribuinte devedor de IPTU (o loteador originário), como doação em pagamento do referido tributo, assumiu, ainda que de maneira tácita, a responsabilidade legalmente imposta ao loteador, em especial porque, no edital de venda dos bens e contrato posteriormente firmado não havia nenhuma ressalva quanto à não realização das obras de infraestrutura - explica Raphael Varella, responsável pelo caso na defensoria de Terra de Areia.
Em outubro do ano passado, o Juízo da Vara Judicial Integrada de Terra de Areia determinou que a CEEE e o município deveriam realizar a regulamentação do loteamento e a extensão da rede elétrica em 120 dias, 60 para cada um cumprir as medidas necessárias. Além disso, os réus foram condenados a pagar indenização no valor de R$ 8 mil. Até o fechamento da reportagem, apenas a CEEE tinha apelado da decisão.
Procurada pela reportagem de Zero Hora, a CEEE afirmou, em nota, que "a extensão da rede dentro da referida área em Terra de Areia deve ser custeada pelo loteador" e que "o projeto deve ser analisado e aprovado pela CEEE" antes de ser executado.
O que diz o prefeito de Terra de Areia, Joelci da Rosa Jacobs (PP):
Por telefone, o prefeito de Terra de Areia afirma que a infraestrutura deveria ter sido feita pela empresa que fez os lotes.
Como se deu a venda dos terrenos?
Em 2012, recebemos aquele terreno de uma empreendedora, que era detentora de todo aquele loteamento. Eles entregaram alguns lotes em forma de pagamento de IPTU. Como a prefeitura não tem interesse em lotes, queríamos fazer caixa para o município e colocamos em leilão. Todos os interessados que foram lá visitar sabiam que estava sem rede elétrica.
A prefeitura não teria de realizar as obras de infraestrutura antes do leilão?
A obrigação de fazer a infraestrutura era da empreendedora. A empresa alegava na época que já tinha feito as obras necessárias. Aquele loteamento está regularizado, é calçado, estava todo cercado, tinha toda a infraestrutura, mas ficou muito tempo parado e roubaram fios, postes, a tela que cercava o terreno. Sendo assim, é obrigação da CEEE ligar a rede elétrica na região. Não é obrigação da prefeitura.
A casa também não tem água.
A tubulação da rede da Corsan passa na beirada do asfalto, muito próximo à casa deles. O seu Paulo precisa apenas solicitar a ligação de água para a Corsan.