A vida de Isilda dos Santos se confunde com a história da casa em que ela veraneia há meio século, na esquina da Rua Ubirajara com a Avenida Beira-Mar de Capão da Canoa. Aos 98 anos, dona da última habitação térrea em dois quilômetros de orla, ela resiste ao tempo tal como seu lar segue incólume ao assédio imobiliário.
Quem passa por ali quase não percebe. A construção de 15m x 30m situada em frente a Iemanjá é a única onde ainda se vê família na varanda sorvendo mate. Na vizinhança, a cena só acontece nas sacadas.
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Palco de saraus musicais e animadas festas que invadem a madrugada, o pátio de Isilda tem grama e hortênsias milimetricamente aparados pelo faz-tudo Eraclides da Silva, o Preto - que se apresenta como Euclides para facilitar a anotação da repórter. É ali que a mãe de três filhos, avó de oito netos e bisa de seis bisnetos passa a maior parte do tempo.
- O que ela mais gosta é de se enfeitar e ver o movimento da rua. Sempre foi fervedeira. Na última festa, foi a última a se recolher - conta Lis Corsetti, a filha que, além da profissão de artista, herdou da mãe o jeito faceiro de falar e sorrir.
Lis e seu marido, o coronel reformado Salvador Soares, vivem atualmente com Isilda. Também compõem o staff da rainha Clarice Thomaz, cuidadora, e Loreci Lubas, outra faz-tudo. Reunida, a equipe consegue fazer da casa um palácio e manter em alta o nível de serotonina da patroa.
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Com boa saúde, ela tem dificuldade de andar sozinha e fala baixinho, porque já não escuta muito bem. Mesmo assim, interage com as visitas. De sua cadeira de rodas - que mais parece um trono de rainha -, ela sussurra para a repórter e o fotógrafo:
- Bonita. Bonito - diz, fazendo sinal de positivo para a dupla.
Família já recebeu dezenas de propostas
Grades e portões enferrujados pela maresia são reparados por Preto. No interior, a mobília retrô brilha impecável. A simplicidade da família mostra que o espírito interiorano de Jacuizinho, cidade natal de Isilda, nunca se perdeu.
Se depender de Lis, não vai se perder. Como as festas de aniversário sempre foram o ponto alto do veraneio, há algum tempo o médico da família encampou a campanha "Missão 100 anos da Isildinha". Ela toma remédios e faz exames periodicamente para chegar mais longe. Mas são as voltinhas diárias de carro que lhe remoçam a mente. Os vizinhos pensam que ela sai todo dia para ir ao médico - está é indo à sorveteria.
"É movida a sereno", como alguns dizem.
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No último final de semana, Preto dirigiu a Meriva da família até a Avenida Central de Atlântida e levou Isilda ao Planeta Atlântida. Ela queria curtir o movimento e ouvir o barulho incessante da juventude.
Isilda nem precisava sair de casa para isso. Escuta a rapaziada da sua varanda. Dali, na esquina mais cara de Capão da Canoa, com filhos, netos e bisnetos, escutam também o vai e vem das ondas. Pela localização, a casa poderia ceder lugar a um mercadinho. Quem sabe um bar para atender veranistas esfomeados. Mais provável um prédio de 10 andares, um apartamento por andar. Cada um com quatro quartos, ao custo médio de R$ 2 milhões.
Nos últimos 20 anos, a família recebeu dezenas de propostas. Algumas imobiliárias desistiram. Outras atuam na retranca. Uma chegou a fazer um projeto que homenageava o marido de Isilda, o desembargador Reissoly dos Santos, batizando o nome do prédio Rei Sol. Nem assim levou.
- Não mexam no meu ninho - dizia ela para afastar os corretores.
Funcionário da imobiliária mais próxima, Everton Vinder diz que o ponto pode valer mais de R$ 5 milhões. Ali do seu lado está o clássico edifício Yara, um dos primeiros da praia. Também nesta região estão coberturas de gente como o técnico Mano Menezes ou do jogador Ronaldinho Gaúcho, cujo apartamento tem nada menos do que oito vagas de garagem.
- O terreno que ela tem é o melhor produto imobiliário de Capão - arrisca Vinder, levando em conta o potencial de construção.
A questão é que, enquanto Isilda viver, aquela esquina é um lugar de muito valor mas sem preço de mercado. Para a rainha da Ubirajara, 15, não tem preço ver a juventude desfilar à vontade, bronzeada e despreocupada, no local que dá sentido a toda sua existência.