Os salva-vidas gaúchos estão tendo trabalho nesse verão. Desde o início da Operação Golfinho, em 21 de dezembro, 1.345 pessoas foram resgatadas em todo o litoral e nas águas internas do Estado. Quatro morreram por afogamento nas praias e 88 em locais não cobertos por salvamentos. No Carnaval, o índice tende a aumentar pela aglomeração de veranistas e pelo excesso de álcool. Zero Hora conversou com uma adolescente que quase perdeu a vida em Mariluz e com um jovem que viu o amigo morrer em Tramandaí e mostra os riscos de se jogar na água sem conhecimento e prudência.
Os 17 anos da vida de Juliana Micaella Oliveira passaram pela sua cabeça em fração de segundos no dia 16 de janeiro deste ano, uma quinta-feira, em Mariluz. Submersa na água e sem forças para nadar, ela já havia desistido de lutar contra o mar e aceitado o triste destino quando ouviu a voz firme de um salva-vidas ordenar:
- Não desmaia que é pior para ti.
Eram 16h, o mar estava cristalino e com poucas ondas. No dia seguinte, a jovem voltaria para Alvorada, Região Metropolitana, depois das férias com a família. Pela primeira vez em duas semanas, a irmã mais velha, Andréia Oliveira, 29 anos, havia permitido que ela fosse um pouco mais para o fundo com o irmão. Entre um jacaré e outro, o menino voltou, e Juliana ficou. No começo, os irmãos tentaram resgatá-la. Mas ela era arrastada pelo repuxo e erguia os braços, gritando por socorro. Na areia, a mãe, nervosa, desmaiou.
- Caí dentro de um buraco e fiquei. Não conseguia mais subir e nem firmar os pés no chão. A sensação era de impotência, de que tinha morrido mesmo. Todo mundo tentava me tirar e não funcionava. Cada vez que eu pulava, sentia algo me puxando para baixo - descreve a adolescente.
Um surfista, ao perceber o afogamento, tentou aproximar sua prancha para usar como sustentação, mas foi jogado longe por uma onda. Em meio a duas guaritas, a família berrava, saltava e fazia de tudo para chamar a atenção dos salva-vidas.
- Quando olhei, ela tinha sumido na água. Pensei que havia acabado tudo. Foi o tempo de o salva-vidas perceber e entrar voando no mar - relata Andréia Oliveira.
Enquanto o nadador saltava os buracos e quebrava as ondas para chegar até Juliana, a jovem se entregava e engolia água sem parar. Em poucos minutos, ela poderia ter se tornado a quinta vítima fatal do mar do Rio Grande do Sul na temporada, segundo contagem do Corpo de Bombeiros desde o dia 21 de dezembro.
- O salva-vidas apertava minha bochecha e não deixava eu apagar. Depois, não lembro de mais nada - conta a adolescente.
- Eles (socorristas) foram muito rápidos e eficientes. Quando a tiraram da água, ela estava desacordada e foi chacoalhada várias vezes. Aí, conseguiu botar água para fora e vomitar. Levamos um puxão de orelhas - diz Andréia.
O mesmo trauma também foi vivido por outros 1.314 veranistas nessa temporada em todo o Litoral e nas águas internas do Estado, alguns sem grandes riscos, mas pelo menos 30% quase mortais. Do total de salvamentos, 673 - mais da metade - envolveram crianças e adolescentes de 11 a 20 anos. Agora, a preocupação é redobrada por causa do Carnaval, período no qual a estatística se eleva, assim como no Natal, no Réveillon e no feriado de Nossa Senhora de Navegantes.
- Água no umbigo é sinal de perigo. As pessoas não podem correr riscos. Os que se aventuram devem estar cientes de que o mar tem peculiaridades que os leigos não enxergam. Poucos conhecem bem os buracos, os bancos de areia e as correntes. Vamos nos prevenir - orienta Romeu Muller, que há nove anos ocupa a guarita 145, em Tramandaí. Hoje aliviada e ainda sentindo os efeitos do susto, Juliana diz ter medo do mar e manda um alerta para os demais veranistas. - Agora, eu sei que isso é verdade. Pode estar um dia lindo, o mar nunca é calmo. Eu não tenho ânimo para voltar à praia e me sinto triste por todas as famílias que perderam pessoas dessa forma - desabafa.
Mergulho despretensioso noturno acaba em morte
O adolescente Roger Martins Branco, 16 anos, não teve a mesma sorte que Juliana Micaella Oliveira no amanhecer do dia 1º de janeiro de 2014.
Fora do horário de expediente dos salva-vidas - das 7h às 19h30min -, ele acabou morrendo afogado e seu corpo apareceu boiando na praia, próximo à guarita 144, em Tramandaí, na manhã daquela quarta-feira.
O amigo Leandro Almeida,19 anos, viu de perto o seu desaparecimento e, por pouco, não foi tragado pelo mar:
- No desespero de achá-lo, quase me afoguei, isso que sei nadar. Percebi que estava no fundo e tive de voltar.
Os dois passaram a virada do ano com familiares em Guaíba, Região Metropolitana, e decidiram de última hora pegar o carro e ir ao Litoral Norte. Após a meia-noite, os jovens, acompanhados da mãe e do irmão de Leandro, botaram o pé na estrada e estacionaram por volta das 2h em Tramandaí.
Passearam pelo centro da cidade, ainda movimentado, e deram um mergulho para "recarregar as energias" para o ano que entrava. Depois, retornaram ao Centro e, às 5h, Leandro decidiu descansar no carro. Em seguida, Roger bateu no vidro e convidou-o para um novo mergulho. O amigo negou.
- Ele disse que não tinha problema e ficou conversando com minha mãe. Então, apareceram dois rapazes e ele foi junto. Cerca de 10 minutos depois, minha mãe me chamou dizendo que ele tinha sumido. Fui ver, e os caras não sabiam onde ele estava - diz Leandro.
O instinto falou mais alto e ele procurou o adolescente, mesmo correndo o risco de se afogar também. Quando alcançou a dupla, sentiu que era sério:
- Os dois nadavam bem, só que o Roger não sabia nadar. Eles estavam conversando na água e uma onda os derrubou. Em seguida, veio outra e mais outra e meu amigo não saiu.
Fora dágua, o trio esperou o primeiro salva-vidas aparecer, às 6h45, e pediu ajuda. Com o auxílio de uma equipe de resgate dos bombeiros, o corpo foi achado às 8h, quase um quilômetro distante de onde sumira.
Em Imbé, o ponto mais perigoso do Litoral Norte
Na guarita 134, em Imbé Sul, os salva-vidas Gabriel Chaves, 36 anos, e Eduardo Otto, 42 anos, não tiram os olhos do mar. Esse ponto, próximo da barra do Rio Tramandaí, é o mais perigoso do Litoral NOrte. Em 70 dias, a dupla tirou da água 58 pessoas que corriam risco de vida.
- O rio enche e traz areia para cá, formando bancadas. O mar busca um espaço para voltar, e esse lugar forma a corrente de retorno, que estoura os bancos de areia e cava buracos fundos, com repuxo - explica Chaves.
- Em frente à nossa guarita acontece bem isso. Os bancos de areia abrem em três pontos e já ficamos ligados que ali está a vulnerabilidade - completa o colega Otto.
Quando o socorro chega a tempo
As lições de quem sobreviveu após quase se afogar nas águas do mar
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