Na lagoa mais misteriosa do Litoral Norte, não há barcos navegando porque um redemoinho gigantesco suga tudo para o fundo, feito de areia movediça. Na lagoa mais misteriosa do Litoral Norte, não há peixes, e sim uma cidade submersa que faz brotar da água a cruz da sua igreja em tempos de seca, o terrível fantasma de uma noiva morta e até a versão gaúcha do monstro de Loch Ness.
Essas são lendas da Lagoa dos Barros, aquela que é uma beleza de paisagem para quem segue pela freeway, rumo às praias. São histórias que se perpetuam há décadas e até hoje intrigam. A origem da superstição remonta a um crime ocorrido na década de 1940 nas cercanias da antiga — e mal-assombrada? — usina Açúcar Gaúcho S/A (Agasa), cuja velha chaminé desativada também pode ser vista da rodovia.
A Agasa funcionou até 1989. Mas o funcionário Milton Nunes, hoje com 64 anos, trabalhou no prédio vazio até 2003, quando se aposentou. Foi nesse período que conheceu O TERROR. Ele era vigia do patrimônio abandonado. Um momento de sua ronda noturna era apavorante. Tratava-se de uma passagem entre os prédios. Quando a percorria, os cabelos ficavam em pé.
— Era ela que estava ali — recorda.
Ela, a noiva. Maria Luísa foi morta pelo noivo há cerca de 70 anos e teve o corpo jogado na lagoa. Desde então, assombra a rodovia nos arredores da Agasa, próximo ao local do crime. As vítimas preferidas são caminhoneiros. Muitos dizem tê-la visto passeando pela freeway, de vestido branco. A experiência não deve ter sido legal, já que alguns deixaram de trafegar por ali. A noiva que perambula também virou desculpa para acidentes, o que a polícia sempre desconfia e atribui a aparição a outras causas, como a sonolência que leva a sonhar acordado com noivas mortas – e a sair da estrada e quase espatifar o caminhão.
A lagoa muda a paisagem no caminho ao Litoral Norte
A população local respeita muito a lenda, e não só os mais antigos. No lado contrário à freeway, um jovem casal dá aulas de kitesurfe. Rafael Freitas e Clarisse Mallmann, ambos de 34 anos e sócios da empresa Rajada, não deixam de navegar pelas águas, porém, nunca vão ao meião, por causa do tal do redemoinho mortal. Outra prevenção de Clarisse é não tratar a noiva com desdém. Ao contrário, presta-lhe oferendas e sugere a clientes que levem pulseiras, brincos e batons para a noiva. A força das histórias é tamanha que até bombeiros e barqueiros experientes demonstram receio com a lagoa. O sargento dos bombeiros Rogério Marques, 49 anos, lembra da correnteza, das ondas que vêm dos quatro lados ao mesmo tempo e de outras coisas aterrorizantes para evitar o local.
— Bem em frente à chaminé da Agasa, tem um ponto em que a bússola fica doida — alega.
Raul Espíndola Braz, 53 anos, foi bombeiro de 1980 a 1990. Hoje, conserta barcos e faz resgates na lagoa. Contatado certa vez para integrar uma pesquisa sobre prospecção de carvão na área, disse não. Em uma manhã dessas, assentiu que levaria a reportagem de ZH a passear de barco pela lagoa. Só que, sabe como é, estávamos muito ocupados e também dissemos não.
O dia mais terrível da vida do Beto do Daer
Dezoito de setembro de 1990, 14h20min. Beto do Daer, ou Betão, ou melhor, Paulo Roberto de Oliveira Rosa, 55 anos, funcionário do órgão rodoviário, saiu para pescar na Lagoa dos Barros com Luiz Carlos Gonçalves. Era um belo dia, mas tudo mudaria rápido. Enquanto pescavam, começou a bater forte o Nordestão. Logo perceberam o perigo. Decidiram se mandar. Puxaram a rede. Incrivelmente, ela subiu lotada com 52 peixes.
A água entrava no barco, e os dois usavam um latão para tirá-la. Aos poucos, a dupla conseguia avançar em direção à beira. Então, começou a soprar o Minuano. Com uma força colossal, o vento empurrou o barco para o meio da lagoa, e o desespero tomou conta. Em terra firme, família e vizinhança já sabiam do drama. Avisados, os bombeiros chegaram ao local. Com uma lancha, tentaram entrar na água. Desistiram.
No meio da lagoa, a luta continuava. Beto e Gonçalves lembraram de uma plataforma de exploração de carvão. Se conseguissem alcançá-la, salvariam-se. Após horas, chegaram. Exaustos, jogaram-se na plataforma. À noite, o vento diminuiu. Mas, baixou, um nevoeiro impermeável. Horas passaram e eles decidiram procurar a margem.
Após longo tempo remando, a dupla ficou cercada de cerração. Não era possível localizar as margens. Seguiram remando, quase a esmo, os braços doloridos pelo esforço. Eram 21h25min quando atingiram a terra. A volta para casa se deu na carona do Comodoro do empresário Aníbal Ferrari, que os acolheu, encharcados, na freeway. Betão fez, então, uma nova promessa. Nunca mais navegou na lagoa.
As lendas
- A noiva: morta pelo noivo na década de 1940 na altura da Agasa, Maria Luísa até hoje dá o ar da graça a caminhoneiros e moradores da região, juram eles.
- A cidade submersa: uma cidade existia no lugar da lagoa em tempos imemoriais. Qual Sodoma e Gomorra, foi punida com a extinção. Hoje, quando o nível da água baixa, dizem que a cruz da igreja aparece. A lenda derivou para outra suposição. No local haveria um campo de instrução militar, e a cruz seria uma marcação para tiro. Aeronáutica e Exército não confirmam.
- O monstro: obviamente uma lenda assim iria surgir. Faça uma busca no YouTube e você encontrará o vídeo do peixe monstro da Lagoa dos Barros. Assista e decepcione-se com um peixinho que abre e fecha a boca múltiplas vezes.
- O redemoinho mortal e a ausência de navegação: sério, você já viu algum barco navegando na Lagoa dos Barros? Nem eu. E isso não é por nada. A ventania ali é tão forte que as embarcações são jogadas para lá e para cá ao sabor do vento. Acabam virando e, se a pessoa está sem colete salva-vidas, pode morrer. O efeito do jogo do vento se assemelha a um redemoinho tragando tudo. Não é por acaso que o Parque Eólico foi construído na região.
- A areia movediça: o fundo da lagoa é lodoso. Por isso teria recebido o nome Barros (na verdade, leva o nome de um dos primeiros moradores da região, Manoel de Barros Pereira). Não há registro de areia movediça submersa. Ao menos ninguém voltou para contar.
- Ligação subterrânea com o mar: é o que se fala para explicar o aspecto turvo da água e as ondas formadas em dias de temporal além do tamanho da lagoa, que tem cem quilômetros quadrados e profundidade de até sete metros. Dizem que quando a maré baixa, o nível da lagoa acompanha. Pesquisadores já encontraram vestígios marinhos no local, ligados a um passado remoto em que a área da lagoa fazia parte de uma grande baía.