Psiquiatra, professora na Universidade Stanford e autora de livros como o best-seller Nação Dopamina (2022), Anna Lembke respondeu, na conferência desta quarta-feira (18) à noite, à pergunta que conduz o Fronteiras do Pensamento 2024: quem está no controle?
A especialista em vício mostrou que, no atual momento, somos controlados por nossos vícios — mas, ainda que seja difícil, é possível assumir as rédeas dos nossos comportamentos.
Diante de um auditório cheio no Teatro Unisinos, em Porto Alegre, a norte-americana discorreu sobre o caminho de recompensa do cérebro, como ele processa a dor e o prazer e a relação com o vício.
A dopamina é um neurotransmissor essencial para a experiência de prazer, motivação e recompensa. Quando algo prazeroso ou gratificante é feito, a sua liberação aumenta. Qualquer coisa que libere dopamina tem a capacidade de adicção.
— Sabemos que a mídia digital funciona no mesmo caminho de recompensa que as drogas e o álcool, e aumenta os níveis de dopamina. Essas são ferramentas poderosas, mas também drogas muito potentes — apontou.
A dopamina também é essencial para estimular o movimento. Hoje, porém, não é mais necessário se mover para receber recompensas: é só rolar a tela do celular ou receber algo no próprio aparelho ou na porta de casa — o que a psiquiatra considera problemático.
Balança de prazer e dor
Dor e prazer estão colocalizados no cérebro e funcionam como lados opostos de uma balança, segundo Anna. A principal regra que rege essa balança é que ela quer permanecer nivelada. Com qualquer desvio, o cérebro trabalhará para restaurar o equilíbrio, o que é chamado de homeostase. Em suma, o que sobe (prazer) tem de descer (dor), em quantidade igual e oposta.
— Nosso cérebro se adapta ao aumento da liberação de dopamina, regulando negativamente a transmissão, não apenas para os níveis basais, mas abaixo, em um estado de déficit de dopamina. Esse processo é chamado de neuroadaptação — explicou.
Isso leva a eventos como ressaca ou momentos de desejo, vinculado à necessidade de restaurar os níveis de dopamina, o que acaba gerando um ciclo. Se a pessoa for capaz de resistir, a homeostase será restaurada. Ao buscar a droga novamente, a pessoa sentirá prazer temporariamente.
Porém, repetidamente, os níveis alcançados de dopamina vão diminuindo, e os de dor, aumentando. Entra-se, então, no estado de déficit de dopamina, que é o vício, mudando o ponto de ajuste de prazer. Serão necessárias mais drogas, em formas mais potentes, para equilibrar a balança, além de levar a consequências como ansiedade e insônia.
Leva tempo para os níveis normais serem restaurados. Além disso, a segunda regra da balança é que ela lembra. Por isso, é preciso se isolar da droga e de lembretes dela.
Prazer leva à dor
A psiquiatra apresentou a hipótese do paradoxo de que perseguir o prazer leva à dor. Ela sugeriu que o mundo moderno, onde as atividades e substâncias se tornaram mais potentes, mais abundantes e viciantes, contribui para o sofrimento.
— Eu sugeriria que as crescentes taxas de ansiedade e depressão em todo o mundo estão relacionadas às maneiras pelas quais todos nós estamos bombardeando nossos cérebros com muita dopamina de maneiras grandes e pequenas. Da nossa primeira xícara de café pela manhã à verificação do nosso celular, a todas as pequenas maneiras pelas quais organizamos o tempo em torno de nossas recompensas, à nossa farra da Netflix, nosso álcool e nossos cupcakes. E que nossos cérebros estão cambaleando para compensar essa mangueira de incêndio de dopamina — expôs.
Assim, as pessoas estão ficando cada vez mais infelizes, sobretudo em países ricos — um paradoxo em meio a uma realidade de cada vez mais acesso a bens, defende Anna. Há uma incapacidade de compensar todos os estímulos de prazer.
— Esse mecanismo de prazer-dor é perfeito para a escassez, porque nos torna os buscadores supremos, nunca satisfeitos com o que temos e sempre querendo mais. Mas é um mecanismo terrível para o mundo em que vivemos agora, o mundo que criamos, de superabundância avassaladora. E a tecnologia desempenha um papel aqui — afirmou.
O que fazer
A fórmula para tentar reverter a situação envolve abstinência, mantendo-a ou aderindo à moderação, e a busca por desafios e dificuldades para tentar reiniciar os padrões de recompensa. Isso pode ser feito por meio de um jejum de dopamina: abster-se da droga de escolha por quatro semanas, período suficiente para começar a redefinir o caminho de recompensa e a sentir-se melhor.
É preciso colocar barreiras, impedindo o desejo e o consumo e encontrando alternativas saudáveis para eles. Isso inclui medidas como controlar tempo, encontrar significado em outras atividades, contar com a ajuda de outras pessoas e até utilizar medicações. A psiquiatra também sugere usar a vergonha pelo comportamento como combustível para mudar, sendo honesto sobre isso com as pessoas.
A outra indicação é a hormese, que significa "colocar em movimento". As pessoas se tornam mais resilientes ao serem expostas à dor. Assim, é preciso procurá-la para, por meio da balança, aumentar a dopamina. Como não há estado de déficit de dopamina, não haverá o ciclo de desejo. Portanto, é preciso procurar coisas difíceis e dolorosas para reiniciar o caminho da dopamina. Há, porém, resistência — como no caso do exercício físico.
Um alerta, entretanto, é necessário: evitar procurar o prazer e a dor em excesso, o que pode levar ao estresse biológico, fugindo, também, da homeostase.
A psiquiatra trouxe exemplos de ações que envolvem a hormese: fazer exercício, estar na natureza, dizer "sinto muito", caminhar ou andar de bike.
— Eu acredito que o vício é semelhante à praga moderna, e é um dos maiores problemas sociais com os quais lidaremos pelos próximos milhares de anos — finalizou Anna, convocando sociedade, comunidade, corporações e governos a se unirem para enfrentar esse cenário.