Em 2003, 3,07% das jovens com idade entre 10 e 19 anos deram à luz no Rio Grande do Sul . Duas décadas depois, em 2022, o cenário era outro. A porcentagem caiu pela metade – 1,54% das adolescentes da época tiveram filhos. Na prática, isso quer dizer que a cada cem gaúchas desta faixa etária, menos de duas foram mães no ano mais recente da pesquisa de Estatísticas do Registro Civil, realizada pelo Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE).
Ao longo do período analisado, foi registrada redução gradual do número de jovens mulheres que tiveram filhos, com exceção de um momento: o período entre os anos de 2011 a 2015, quando foram registradas altas nos cinco anos seguidos.
Os números foram obtidos a partir do cruzamento dos dados da pesquisa de Estatísticas do Registro Civil com os de outras três, que trazem a quantidade da população gaúcha por faixa etária e gênero. Para os anos de 2003 a 2015, com exceção de 2010, foram utilizados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2010 os dados são do Censo daquele ano, e os demais anos são da PNAD Contínua.
Esse cruzamento é necessário para poder avaliar se realmente diminuiu a proporção de adolescentes ficando grávidas ou se a queda se deve apenas à redução da população jovem com o passar dos anos. Conforme a gerente das Estatísticas do Registro Civil, Klívia Brayner, do IBGE, a redução dos números de mães com menos de 19 anos se deve a diversos fatores:
— A pesquisa em si é uma pesquisa de registro administrativo, mas ela acaba refletindo uma mudança nos padrões da sociedade. Essa queda, a gente tem desde uma maior utilização de métodos anticonceptivos, como a própria mudança de valores das mulheres, das meninas, devido a uma maior escolarização, maior busca para a entrada no mercado de trabalho, ou seja, mudança de valores. É um maior esclarecimento, uma maior oportunidade da própria mulher decidir o momento que ela vai poder ter os seus filhos, ou se deseja ter esses filhos.
Para a psicóloga Daniela Levandowski, que estuda sobre o tema há mais de 10 anos, a gravidez precoce tem fortes ligações a questões econômicas e sociais e, por isso, essa redução nos índices pode estar relacionada e, até mesmo, indicar que houve mudanças socioeconômicas importantes no Estado, durante o período analisado.
— No momento em que tu melhoras as condições sociais, em que os jovens veem outras oportunidades de inserção social, de variação de identidade, que tu dá oportunidade para eles terem outros projetos de vida, que não a gestação, que não o ser mãe, indiretamente, tu reduz esses índices. Isso sem precisar ficar dizendo ‘não transem’ ou ‘tem que usar camisinha’ — explica Daniela, que é coordenadora do Núcleo de Estudos em Desenvolvimento e Saúde (Needs) da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A vida após a maternidade
Conforme uma pesquisa realizada em 2022 pela Universidade Federal do RS (UFRGS), a forma como os jovens são afetados pelo acontecimento também tem relação direta com questões sociais.
— Foram realizadas 37 entrevistas com jovens, entre 16 e 24 anos, que moram em Porto Alegre e Região Metropolitana. Parte deles já tinham tido filhos ou eram gestantes. Percebemos que a forma com que a gravidez afetou os jovens social, psicológica e financeiramente tem relação direta com gênero, classe social e raça/etnia, sendo esses três sempre interligados — detalha a Bárbara Birk de Mello, doutoranda em Políticas Públicas pela UFRGS, pesquisadora da área de saúde sexual e reprodutiva e juventudes e que participou da pesquisa. Além disso, o estudo mostrou que as mães são mais afetadas do que os pais.
— As entrevistadas relatam muitas mudanças em seus ciclos de amizades, estudos e atividades de lazer enquanto nos homens isso não aparece com a mesma frequência.
Foram justamente essas mudanças que a mãe da Melissa, de um ano e quatro meses, Ángel Gabrielly Tavares, de 19 anos, sentiu. A gaúcha, junto do companheiro, Iury Terra, de 20 anos, decidiu ser mãe aos 17 anos, quando ainda estava no último ano da escola.
— Antes, eu tinha muitos amigos, saia bastante, trabalhava. Tinha uma vida social bem agitada. Depois que eu me tornei mãe, nem tinha me tornado ainda, já na gestação, eu me afastei. Também não pude mais sair. Depois eu fiquei desempregada. E aí a minha vida social foi só ladeira abaixo.
Eu não achei que ia ser tão difícil. Eu acho que eu estava mais pensando no momento de família, mãe, filha. Mas eu não pensei, de fato, sobre trabalho, como que seria mantido, como que ia ser depois dali.
ÁNGEL GABRIELLY TAVARES
Mãe de Melissa
Durante o relato, Ángel afirma que não adiaria a sua decisão, mas confessa que não tinha consciência de como seria a vida após a maternidade:
— Eu vou ser bem sincera, eu não pensei muito nessa parte. Eu não achei que ia ser tão difícil. Eu acho que eu estava mais pensando no momento de família, mãe, filha. Mas eu não pensei, de fato, sobre trabalho, como que seria mantido, como que ia ser depois dali. Porque a criança cresce e, automaticamente, ela exige muito mais atenção.
Ações públicas
No Brasil, o Ministério da Saúde segue a convenção elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para determinar as idades que compreendem a adolescência. De acordo com o estabelecido, a adolescência vai dos 10 aos 19 anos, 11 meses e 29 dias e diversas políticas públicas são desenvolvidas visando essa faixa etária.
No RS, as ações realizadas pela Secretaria do Estado da Saúde (SES-RS) relacionadas à gravidez na adolescência são desenvolvidas pelo Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde. Ao menos quatro iniciativas, que ocorrem ao longo do ano, abordam o tema:
- Programa Saúde na Escola (PSE) - Política intersetorial dos Ministérios da Saúde e da Educação, que foi instituída em 2007
- Política Estadual de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes (PEAISA) - Instituída em 2010
- Geração Consciente - Uma iniciativa do Governo do Estado em parceria com Programa RS Seguro, UNESCO e UNAIDS
- Semana Estadual de Prevenção da Gravidez na Adolescência no Estado - Instituída em 2020 e realizada anualmente na semana do dia 9 de novembro
A diretora do departamento, Tatiane Bernardes, complementa que, além das realizadas para prevenir à gravidez na adolescência, existe uma iniciativa que acompanha a mãe após o nascimento do filho. Esse acompanhamento é realizado apenas com garotas que tiveram filhos com menos de 14 anos, ou seja, consideradas vítimas de crime, já que no Brasil, por lei, a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos é crime.
— No momento em que chega na gente a ficha de que nasceu uma criança de uma menina menor de 14 anos, automaticamente, a gente comunica o município e a Coordenadoria Regional de Saúde (CRS). Para que eles deem uma rede de apoio para esta menina. Para que ela tenha um bom acompanhamento de saúde mental, principalmente para que ela retome os estudos, e não tenha evasão escolar — explica Tatiane.
Apesar das iniciativas públicas, nem sempre as ações são muito efetivas. Seja porque não se atenta à evasão escolar das adolescentes com mais de 14 anos ou seja pelo formato e abordagens feitas nas escolas.
Quando ainda estava na escola, Ángel, que não conseguiu concluir o Ensino Médio devido à gestação, participou de ações de prevenção à gravidez na adolescência. Ela conta que as abordagens não eram eficientes e nem esclareciam os motivos para evitar a gravidez precoce:
— Não era tão abordado como é depois que tu tem um filho. Que é difícil arranjar um emprego, é difícil a questão econômica. Depois a criança te exige um pouco mais de atenção. Não era muito abordado isso. Prevenção para não ter filho cedo e acabou. Não era sobre como se tornaria a tua vida depois dali.