O brilho nos olhos dos quatro filhos de Ane Caroline Franco, 30 anos, sentados em frente ao condomínio em que moram, no bairro Mario Quintana, é de quem estava prestes a receber uma notícia boa, esperada ansiosamente. A cartinha escrita à mão pela mais velha, de 11 anos, traz o pedido de Natal e inclui o desejo dos irmãos, de sete, seis e quatro anos.
— Querido Papai, gostaria fazer um pedido para mim e meu irmão. Minha mãe está desempregada e não terá como nos dar nada — escreveu.
Entre os presentes sugeridos, bolas de vôlei e de basquete, boneca, jogo de quebra-cabeças e enfeites para cabelo. Em uma tarde quente de segunda-feira, as crianças, avisadas pela mãe, vão para a calçada, próxima a uma parada de ônibus. O destinatário da correspondência, velhinho barbudo com muitos compromissos em dezembro, enviou uma representante de sorriso largo e desenvoltura no falar.
É Vanessa Silveira, fundadora da organização não governamental (ONG) Anjas de Batom que, há sete anos, desenvolve trabalhos sociais durante o ano todo, e não só em Porto Alegre. A convite da família, ela entra no modesto apartamento. Com sacolas cheias de pacotes, a voluntária os entrega na mão de cada criança.
—Nos especializamos em festas em instituições, uma vez por mês, escolhemos um lar. Com a pandemia, não pudemos mais fazer eventos, então começamos a acolher famílias, ajudando no que precisam —relata a profissional de Recursos Humanos, que conta com o auxílio de duas amigas.
Uma das famílias atendidas é a de Ane, que cuida dos filhos em casa, enquanto o marido, Elinton, trabalha como vendedor temporário no Pop Center (Camelódromo), no Centro. Antes ir para o atual endereço, a jovem mãe morava na Rua da Represa, no bairro Coronel Aparício Borges, que sofria com enxurradas.
—A Vanessa (Silveira) já me salvou algumas vezes, auxiliando com alimento, gás e até (para fazer) a minha carteira de identidade — diz Ane.
"Infelizmente, não podemos ajudar a todos. Por isso, pedimos a quem possa nos ajudar a dar uma ceia decente a estas pessoas, que não terão o que comer na ceia de Natal"
VANESSA SILVEIRA
Fundadora da ONG Anjas de Batom
Vanessa se reconhece nas dificuldades da dona de casa, já que passou por suas próprias mazelas.
— Sofri violência do meu ex-companheiro, passei por casas de acolhimento, cheguei a dormir na rua e perdi a guarda dos meus filhos por um período por ter saído de um relacionamento abusivo. Mas dei a volta por cima — revela.
Enquanto conta suas lembranças, Vanessa recebe o abraço das quatro crianças presenteadas. Com um trabalho propagado nas redes sociais, a Anjas de Batom procura parceiros, pessoas físicas e empresas, que queiram se tornar padrinhos de famílias como a da Ane.
— Infelizmente, não podemos ajudar a todos. Mas penso naqueles que não têm um garfo, o que dirá comida. Por isso, pedimos a quem possa nos ajudar a dar uma ceia decente a estas pessoas, que não terão o que comer na ceia de Natal — conclama a "Mamãe Noel".