Apelidado de Caburé, Luiz Carlos Pigatto da Silva, falecido nesta terça-feira (19), aos 90 anos, construiu um império na área de seguros. Mas, para o público geral, não era conhecido por isso: ficou famoso pelas grandes festas, apresentações musicais na rua e pela construção de um complexo com direito a quiosque e parquinho à beira-mar na Praia de Atlântida, em Xangri-lá.
Não há quem veraneasse no Litoral Norte que não tenha passado, ao menos uma vez, em frente a um dos luxuosos casarões de Caburé. Nos anos 1990 e início dos 2000, com sorte, o curioso conseguia assistir a uma das apresentações do saxofonista Inácio Longhi, contratado para passar toda a temporada à disposição para alegrar os dias e as noites na Rua Buriti, a uma quadra da praia. Se tivesse mais sorte ainda, o visitante também ganhava mimos, como cervejas servidas por um garçom, flores e saquinhos de pipocas.
Excêntrico, Caburé gostava de usar chapéus. Em edições da época de Zero Hora, há imagens do empresário trajando chapéu-coco e um modelo estilo cowboy. Recentemente, era visto vestindo um quepe de marinheiro, que, com frequência, era acompanhado de um uniforme completo, como contou ao Gaúcha+ o amigo e advogado Carlos Josias Menna de Oliveira.
— Uma vez, numa Duty Free, ele estava olhando uma vitrine de óculos, colocou um e perguntou para a vendedora o que ela achava daquele. Ela disse: “Ficou lindo!”, no que ele respondeu: “Então, não quero. Eu quero o que fique horroroso”. Ele não queria o normal. Com o pouco estudo que tinha, era um homem de grande criatividade — recorda Menna de Oliveira.
Caburé não era rico de berço. Pelo contrário: foi criado na região do Areal da Baronesa, entre os bairros Cidade Baixa e Praia de Belas, em Porto Alegre, onde negros escravizados buscavam refúgio, no século 19, e, hoje, há um quilombo urbano certificado. O local tem tradição no samba e no carnaval, o que dá pistas sobre a origem do gosto por festas e arte do milionário, que, segundo o advogado, foi um patrocinador constante – e discreto – do Theatro São Pedro.
Quando jovem, morou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, onde exerceu atividades que vão de vendedor de melancias a atendimento de mesas. A virada de chave aconteceu quando sua esposa, Zélia Conceição Mota da Silva, falecida em 2011, viu um anúncio nos classificados de um jornal de uma vaga aberta para agenciador de seguro de vida, recortou e lhe entregou. Caburé gostou da ideia e a ideia gostou dele: nos anos 1960, abriu sua empresa e nunca mais abandonou a área. Deixa muitos amigos no setor, como Celso Carlucci de Campos, presidente do Conselho Deliberativo da AABB Porto Alegre.
— Nossa relação surgiu há mais de 40 anos, quando, mostrando bom serviço, fez uma parceria conosco. Nessa caminhada, além da parceria negocial, nasceu uma grande parceria de amizade. Ele era uma pessoa muito querida por nós e nos deu um exemplo de vida maravilhoso. Uma pessoa com um pensamento simples e, muitas vezes, muito adiante das pessoas — comenta Campos, que considera que, para além dos negócios, Caburé construiu “um império das convivências com a família e com os parceiros e amigos”.
Presidente do Clube de Seguros de Vida e Benefícios do Rio Grande do Sul (CVG/RS), Jean Figueiró fez, durante o enterro do empresário, uma referência à coruja caburé, que originou o seu apelido.
— Essa pequena coruja tem os olhos muito voltados para a sabedoria. É isso que representa o Caburé: sempre foi muito sábio e, como ninguém, desenvolveu o mercado de seguro de pessoas, fazendo a proteção necessária para as famílias, e, com isso, agregou muita gente à sua volta. Está partindo desse plano, mas vai deixar um legado muito bonito para a história do mercado de seguros — analisa Figueiró.
O presidente do CVG/RS destaca, ainda, as atividades realizadas por Caburé no Litoral Norte como ações de marketing inovadoras para a época.
— No tempo em que não existia toda essa publicidade digital e esse marketing que a gente emprega para desenvolver as empresas, ele fazia ações na praia. Criou, dentro da rua do condomínio onde morava, um parque para as crianças utilizarem. As pessoas passavam para visitar a frente da casa dele, porque era um lugar bonito. Qualquer um que passou um dia por Xangri-lá vai lembrar disso pelo resto da vida — observa.
Érico Corrêa, presidente do Sindicaixa – entidade que representa os trabalhadores da extinta Caixa Econômica Estadual, atendida pelo Grupo Caburé –, lembrará do empresário como uma “pessoa humana espetacular com seus colaboradores e amigos”, que oferecia aos seus clientes churrascos e jogos de futebol.
Uma de suas funcionárias foi Roberta Cardoso da Silva. Hoje com 45 anos, conheceu Caburé aos 10, através de sua mãe, empregada doméstica da família. Muito mais do que chefe, o empresário foi seu segundo pai.
— A gente nunca mais se separou. Eu sempre fui a neguinha deles e ele sempre foi o amor da minha vida. Está sendo difícil para mim, porque eu acabei perdendo o meu outro pai, que apostou em mim, disse que eu ficaria com ele até o fim, e foi o que aconteceu — relata Roberta, que atua na área de recursos humanos da empresa, mas, nos últimos tempos, também foi uma espécie de assistente particular, fazendo visitas a Caburé e estando presente com ele na noite de terça, quando aconteceu o falecimento.
De memórias, Roberta só levará coisas boas: diz que o empresário a ajudou a realizar todos os seus sonhos, e que a incentivou a nunca desistir. Generoso, guardava, durante o verão, um de seus casarões só para abrigar os funcionários – de 30 a 80, a depender do ano – que trabalhavam com ele na temporada.
Colaborou Ian Tâmbara