Os impactos econômicos da pandemia e o decorrente aumento da desigualdade fizeram com que o índice de pobreza social no Brasil se elevasse, chegando a 30,4% em 2021. Essa taxa representa cerca de 64,6 milhões de pessoas e é a maior da série histórica, iniciada em 2012. Na comparação com 2020, ano em que os primeiros casos de coronavírus foram registrados no país, o avanço é de 5,33 pontos percentuais — ou 11,7 milhões de brasileiros. No Rio Grande do Sul, em 2020, a taxa era de 21,6% e, em 2021, saltou para 24,5%, o que representa 2,8 milhões de gaúchos.
O crescimento é apontado pelo estudo Pobreza Social no Brasil: 2012-2021, desenvolvido por pesquisadores do PUCRS Data Social: Laboratório de desigualdades, pobreza e mercado de trabalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Para obter os números, os especialistas utilizaram como fonte de dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme a coordenadora do relatório, professora Izete Pengo Bagolin, que atua nos Programas de Pós-Graduação em Economia e Serviço Social da PUCRS, a linha de pobreza social é uma nova forma de medir pobreza que combina os conceitos de pobreza absoluta (ou extrema) e relativa. Ou seja, a taxa vai ser maior ou menor também de acordo com a desigualdade de renda e riqueza que há no local onde se está medindo esse índice.
Antes do novo recorde, a maior taxa de brasileiros socialmente pobres (28,7%) havia sido registrada em 2012. Entre 2020 e 2021, o número de pessoas nessa situação saltou de 52,9 milhões para 64,6 milhões. Para a professora, alcançar a marca de 30,4% é alarmante porque mostra um grande aumento na quantidade de indivíduos que não estão obtendo renda compatível com suas necessidades.
Entre os motivos por trás do problema, a coordenadora do estudo cita a fase mais crítica da pandemia, quando várias despesas se mantiveram ou até aumentaram para algumas pessoas, enquanto que a renda diminuiu ou se manteve constante.
— Consequentemente, isso também está associado ao aumento na desigualdade, porque os salários dos trabalhadores que puderam converter rapidamente suas atividades para o modelo remoto, que são trabalhos de maior remuneração e maior qualificação, se mantiveram, enquanto os daquela população que tinha menor qualificação ou que não podia ir para o homeoffice, diminuíram. E isso aumentou a desigualdade — aponta.
Neste aspecto, Izete destaca as diferenças entre as taxas de pobreza social entre as categorias raciais que foram levantadas pela pesquisa. Em 2021, o índice era de 19,4% para brancos e amarelos, enquanto que, para pretos, pardos e indígenas, chegava quase ao dobro: 38,9%. O estudo mostra que, ao longo da série histórica, a diferença média entre essas duas categorias foi de 19,1 pontos percentuais a mais para o grupo dos pretos, pardos e indígenas.
Pobreza social no RS
Conforme os dados do estudo, o aumento da pobreza social foi registrado em todas as regiões do Brasil. Em 2021, o Nordeste teve a maior taxa, com 36,4%, seguido pelo Norte, com 33,9%. Sudeste, Centro-Oeste e Sul aparecem em seguida, com índices de 29%, 28,4% e 24%, respectivamente. Já os Estados com os maiores percentuais de pobreza social foram o Maranhão, com 37,3%, e o Amapá, com 36,9%. Outros cinco — Acre, Amazonas, Paraíba, Pernambuco e Roraima — tiveram taxas acima de 35%.
No Rio Grande do Sul, o índice pobreza social atingiu praticamente um quarto da população durante o ano mais crítico da pandemia. Em 2020, a taxa era de 21,6% e, em 2021, saltou para 24,5%, o que representa 2,8 milhões de gaúchos. O aumento foi no número de pessoas consideradas socialmente pobres neste período foi de aproximadamente 350 mil.
Diferente do dado nacional, entretanto, o número de 2021 não é o maior da série histórica. O índice mais alto até o momento (26,2%) foi registrado em 2012 — nos anos seguintes, nenhuma taxa chegou a 24%.
Por outro lado, repetindo um dos resultados do país, no Rio Grande do Sul as pessoas negras também estão entre as mais atingidas pelo aumento do problema. Em 2021, o índice de pobreza social entre os negros era de 35,7%, enquanto que, entre os brancos, foi de 21,9%. Antes da pandemia, este cenário também era observado no território gaúcho.
De acordo com a professora Izete, o novo recorte da pobreza social é importante para que o enfrentamento do problema seja feito de uma perspectiva mais atual e moderna, sem focar apenas na perspectiva de manter as pessoas vivas, mas oportunizar que elas se tornem humanamente desenvolvidas, capazes de ingressar no mercado de trabalho e de gerar sua própria renda.
— No Rio Grande do Sul, já temos municípios que praticamente erradicaram a pobreza extrema. Então, para esses locais, é preciso evoluir para um conceito de pobreza que se usa em países medianamente desenvolvidos e desenvolvidos. Isso contribui para continuar caminhando rumo ao desenvolvimento. Então, esse conceito traz na sua essência a ideia de inclusão, de fazer com que as pessoas se sintam membros e participem da vida em sociedade, gerando sua própria renda, fazendo suas escolhas e tudo que se considera necessário para uma pessoa ter dignidade de vida — finaliza.
Nova forma de medir pobreza
A professora Izete Pengo Bagolin explica que uma pessoa pode ser socialmente pobre em um lugar e não ser socialmente pobre em outro. Por isso a importância do estudo considerar a pobreza absoluta e a relativa. Como exemplo, cita um cidadão que mora em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, com cerca de 5 mil habitantes, onde todos levam a vida relativamente simples, não dependem de transportes públicos ou de estarem sempre bem vestidos dentro de determinado padrão:
— Com uma renda de dois salários mínimos, essa pessoa pode proporcionar uma vida adequada para sua família naquele contexto e não se sentir excluído ou ter barreiras para viver em sociedade. Neste caso, todo aquele ambiente está organizado para que as pessoas satisfaçam suas necessidades essenciais e também aquelas que não são tão essenciais para se manter vivo e para conseguir ter uma vida compatível com aquele meio. Com essa mesma renda em Porto Alegre, a pessoa terá muitas privações, porque o aluguel é mais caro e vai ser necessário transporte público.
Isso significa que, com os acréscimos de despesas, aquela renda de dois salários mínimos que permite que o indivíduo viva bem em uma cidade pequena, não vai permitir o mesmo nas capitais, como Porto Alegre, São Paulo e Brasília.
— Então, o conceito de pobreza social é importante porque busca adequar a renda necessária para que a pessoa tenha uma vida decente no contexto econômico e social em que ela vive. Se ela tem mais despesas, precisa de mais renda para ter a mesma dignidade em uma cidade mais rica e em uma cidade mais pobre. Se tem uma linha de pobreza menor, quando o padrão de vida da sociedade é menor — destaca Izete.