Após um hiato de dois anos por conta da pandemia, a maior competição de cultura tradicionalista gaudéria, o Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart), retorna nesta sexta-feira (18) e vai até domingo (20), em Santa Cruz do Sul, com grande expectativa entre competidores.
Para o tradicionalismo, o Enart é a Copa do Mundo das artes. E, por causa da pandemia, foi uma Copa sem duas edições. O evento fora cancelado em 2020 devido ao coronavírus. Em 2021, deu lugar ao Festival dos Festivais, no qual houve apresentações, sem competição.
A 35ª edição do Enart ocorrerá no Pavilhão da Oktoberfest. Na última edição, em 2019, reuniu 40 mil pessoas e 5 mil competidores. Para esta edição, são esperadas 15 mil pessoas e mais de 3,5 mil participantes que concorrem em categorias individuais e coletivas como danças tradicionais, dança de salão, canto, declamação, trova e chula.
Neste ano, além das competições em 20 modalidades, haverá duas novidades: uma categoria de dança gaúcha de salão para pessoas com deficiência intelectual ou múltipla e uma apresentação ao ar livre para a população de Santa Cruz do Sul, uma forma de popularizar a arte.
A mais disputada modalidade na categoria de adultos é Danças Tradicionais, vencida na última edição, de 2019, pelo Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Tiarayú, localizado no bairro Jardim Itu, em Porto Alegre. O grupo foi campeão também em 2016 e quatro vezes vice-campeão.
As preparações estão intensas nos CTGs espalhados pelo Estado. No Tiarayú (pronuncia-se Tiarajú), os treinos ocorreram duas vezes por semana ao longo do ano e seis vezes semanais nos últimos dois meses, com folga nas segundas-feiras. Há sacrifícios: durante a semana, o grupo se encontra por volta das 23h, após todos estudarem e trabalharem.
O trabalho é árduo, o cansaço é grande, mas o prazer de voltar a dançar competitivamente é maior. Para frequentadores de CTG, a volta do Enart não é apenas o retorno de uma importante competição, mas simboliza a retomada da expressão em praça pública do amor pela cultura gaúcha.
— Ficamos dois anos com uma parte da nossa vida faltando. Aqui é nossa segunda casa, estão nossos amigos, nossos momentos de confraternização, de risada, de jogar conversa fora. Meu marido dança aqui e nossa filha de um ano e oito meses assiste nossos ensaios e já faz os movimentos com as mãozinhas — conta Francielle Sampieri, 33 anos, ensaiadora e empresária.
A intensa rotina de ensaios entre peão e prenda favorece a formação de namoros e casamentos. Francielle conheceu o marido em um rodeio. É o gerente de desenvolvimento de software e coreógrafo Duda Freitas, 35 anos, para quem sua história de vida está atrelada ao CTG.
— O Tiarayú me deu um círculo de amigos, me deu minha profissão, porque virei desenvolvedor depois de descobrir a profissão aqui, me deu minha esposa, que conheci em um rodeio. Aprendi a ganhar e a perder. Aqui a gente sempre está competindo, trabalhamos o ano todo e o Enart é a coroação de tudo isso — afirma.
Ansiedade antes do grande dia
Para entender a ansiedade e a apreensão de competidores dias antes do Enart, GZH acompanhou, na manhã de terça-feira (15), o ensaio do CTG Tiarayú. De um lado, dançavam os homens e, do outro, as mulheres com lenços em punho. O som do sapateado masculino no piso de madeira ecoava pelo galpão. As prendas simulavam o manusear do lenço enquanto seguravam a saia. Havia hiperfoco, mas muita risada.
Na formação em grupo, os casais dançam a canção Tirana do Lenço Florido (no vídeo acima). Na coreografia, o peão corteja a prenda. De início, os homens sorriem para agradar, mas as mulheres exibem apenas um sorriso comedido, já que estão se conhecendo, explica o instrutor de dança Wagner Oliveira, 31 anos.
Depois, o sorriso da prenda abre porque o peão a está conquistando. Ele tira um lenço e manuseia com maestria para impressioná-la. Em resposta, a prenda se afasta para se fazer difícil, e ele fica triste. Depois, ela tira o próprio lenço para indicar que, na verdade, está interessada. Com o crescente da melodia, ambos balançam os lenços para mostrar que o namoro está atado.
— Danço há 10 anos. Durante a pandemia, pensei: vou me aposentar com meu esposo. Mas o coração falou mais alto e a gente voltou. A cada ano, os jurados pedem algo de diferente. O frio na barriga vem sempre, os ensaios cansam bastante, mas vale a pena. Resumo da ópera: é um vício — diz Francine Latrone, 29 anos, dançarina e assistente de atendimento.
Patrona do CTG Tiarayú, Vera Lúcia Menna Barreto trata seus competidores como filhos talentosos a poucos passos do troféu. O tio dela fundou o CTG, seu pai e marido foram patrões. Agora, é ela quem responde pela casa.
— Voltamos com os ensaios em setembro de 2021, primeiro pelos mais velhos, já vacinados, de máscara. Era muito difícil. Chefiar um CTG campeão é um orgulho. Temos aqui uma família. Quando ganhamos em 2019, o ginásio veio abaixo. Estou confiante no trabalho deles — afirma Vera Lúcia.
O Enart é organizado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), conta com patrocínio da prefeitura de Santa Cruz do Sul e da Fruki e recebe financiamento da Secretaria Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul (Sedac-RS).
35ª edição do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart)
- Onde? Parque da Oktoberfest, em Santa Cruz do Sul
- Quando? Entre sexta-feira, a partir das 17h, e domingo até 19h.
- Ingresso: R$ 40 por dia ou R$ 70 para entrada livre de sexta a domingo. Há meia-entrada para estudantes, idosos, doadores de sangue e quem doar um brinquedo