Nesta semana, teve grande repercussão nas redes sociais a postagem de Gustavo Corrêa Pinto, 49 anos, ex-professor do curso de Gastronomia da Unisinos, alegando situações supostamente marcadas por discriminação racial e assédio moral que antecederam sua demissão da instituição. O docente atuou na universidade durante cinco anos, e os advogados que o representam encaminharam denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT). O procedimento, segundo a assessoria de imprensa do MPT, está em fase de averiguações.
Na terça-feira (18), Gustavo relatou, em seu perfil do Instragram (veja íntegra da postagem ao final do texto), ter sido excluído da apresentação oficial de um projeto sob a justificativa de que sua foto era “escura demais”. “Denunciei o fato como discriminação racial. Após um acolhimento inicial da coordenação do curso, a denúncia começou a ser posta em xeque por pessoas brancas que queriam determinar o que seria ou não racismo”, escreveu. Na sequência, o professor diz que não teve alternativa a não ser se desligar do projeto, que envolvia uma entidade parceira, “o que foi aceito pela coordenação do curso em reconhecimento do fato racista”.
No que Gustavo e seus advogados qualificam como assédio moral, “este corpo dirigente insistiu que eu realizasse tarefas no mesmo espaço e horário de funcionamento do projeto, o que me neguei a fazer, já que existiam outras alternativas”. De acordo com a denúncia enviada ao MPT, Gustavo rejeitou a tarefa “por não desejar estar com o mesmo grupo de pessoas responsáveis pelo recente ato de racismo sofrido, o que renovaria os seus sentimentos ainda presentes de humilhação, desrespeito e indignidade”.
Segundo a denúncia assinada pelos advogados Rodrigo da Silva Vernes Pinto e Fábio Santos Brunetto, o tratamento por parte da coordenação do curso mudou. “Anteriormente, Gustavo era tratado de modo gentil e amigável, era elogiado e apontado como uma liderança do colegiado. Após o fato, passou a ser tratado com distanciamento e suspeitosamente em relação a sua responsabilidade profissional”. Em menos de dois meses, o profissional foi despedido “sob justificativas incoerentes, genéricas e surpreendentes”. Conforme a defesa, Gustavo tentou reverter a decisão, demonstrando ser discriminatória, mas não houve mudança.
Ainda de acordo com documento enviado ao MPT, “a Unisinos rechaçou ter havido motivação racista mas, por outro lado, reconheceu expressamente a incorreta condução da questão pela coordenação e a gravidade da situação, bem como informou que a denúncia de Gustavo (feita à universidade) serviu como um ‘sacode’ para adoção de medidas institucionais em enfrentamento ao racismo”.
Na última terça-feira, a Unisinos divulgou uma nota de esclarecimento (veja íntegra ao final deste texto) em que afirma que “a universidade não compactua com qualquer ato racista” e que instaurou apuração sobre a denúncia do ex-professor. “A Unisinos informa que o desligamento do professor Gustavo Correa Pinto não guarda qualquer relação com o episódio em apuração. A saída do docente fez parte de um processo recorrente de reestruturação a partir das demandas dos cursos, que resultou no desligamento de outros professores no mesmo período”, prossegue o conteúdo postado nas redes sociais da instituição. Contatada pela reportagem nesta sexta-feira (21), a instituição enviou a mesma nota já publicada.
Os advogados de Gustavo informaram que pretendem ingressar com reclamatória trabalhista na próxima segunda-feira (24).
— Nosso foco sempre foi discutir a questão institucional, como a Unisinos lidou com o Gustavo. Que se dê uma resposta, por parte da universidade, em reconhecimento pelo que aconteceu, em um sentido até pedagógico. A denúncia no MPT foi o primeiro passo. O segundo passo é uma reclamatória trabalhista, buscando reparação para ele. Houve prática discriminatória que culminou com a dispensa e, entre a denúncia e a demissão, condutas de assédio moral — diz Pinto.
A esfera criminal, até o momento, não está sendo considerada.
— Queremos que a Unisinos tome medidas, reconheça que houve um incidente grave, que não adotaram medidas de acolhimento corretas. Todo o procedimento no caso foi despreparado — completa Brunetto.
A íntegra do texto da postagem de Gustavo Corrêa Pinto
“Durante 5 anos, fui o único professor negro do curso de gastronomia da Unisinos. Não penso que a chegada de homens como eu na universidade é um fato qualquer: o comum seria que estivéssemos lavando o chão ou a sujeira da cozinha.
Ao contrário da maioria dos meus colegas, concluí a graduação com idade adulta e, ao longo de 12 anos, formei mais de 400 profissionais noutras instituições. Na Unisinos, cumpri todas as minhas atividades profissionais com excelência.
Eis que surge o tratamento racista. Após formular diversas etapas de um projeto com outros dois colegas (brancos), fui excluído da apresentação oficial, com a justificativa de que a minha foto era inadequada, “escura demais”. No entanto, a mesma foto era a minha apresentação no currículo Lattes e na própria Unisinos. Justamente a foto que tirei quando fui fazer um jantar na França representando o Brasil em 2016.
Denunciei o fato como discriminação racial. Após um acolhimento inicial da coordenação do curso, a denúncia começou a ser posta em xeque por pessoas brancas que queriam determinar o que seria ou não racismo.
Não tive outra alternativa a não ser me desligar do projeto, o que foi aceito pela coordenação do curso em reconhecimento do fato racista. Contudo, numa atitude que só pode ser definida como assédio moral, este corpo dirigente insistiu que eu realizasse tarefas no mesmo espaço e horário de funcionamento do projeto, o que me neguei a fazer, já que existiam outras alternativas.
A partir de então, o tratamento que recebi por parte coordenação do curso mudou totalmente e, em menos de dois meses, fui despedido.
Busquei recorrer internamente da decisão e a Unisinos negou ter havido motivação racista, mas reconheceu expressamente a incorreta condução da questão pela coordenação.
O fato é que perdi o meu emprego enquanto o curso segue como antes. Hoje me encontro em condições de expor a situação para que o efeito pedagógico antirracista se estabeleça e as devidas reparações aconteçam. Levei o caso ao Ministério Público do Trabalho com farta documentação sobre os fatos.
Aos poucos vou reerguer a minha carreira, mas me nego a fazer isso carregando um fardo que não é meu. Chega de racismo!”
A íntegra da nota de esclarecimento da Unisinos
“A Unisinos tem forte compromisso com a diversidade étnico-racial e a inclusão de todas as pessoas, sempre em linha com os valores e os ideais jesuítas, fundamentados no respeito à dignidade da pessoa humana e nos princípios cristãos e democráticos. Para fortalecer o combate ao racismo em todas as instâncias, a instituição criou, há mais de 10 anos, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi Unisinos), cuja atuação é reconhecida no estado Rio Grande do Sul e nacionalmente.
A Universidade não compactua com qualquer ato racista. Informa ainda que já foi instaurada apuração sobre a denúncia do ex-professor do curso de Gastronomia Gustavo Corrêa Pinto.
A Unisinos informa que o desligamento do professor Gustavo Correa Pinto não guarda qualquer relação com o episódio em apuração. A saída do docente fez parte de um processo recorrente de reestruturação a partir das demandas dos cursos, que resultou no desligamento de outros professores no mesmo período.
A Universidade reforçará o compromisso em combater todas as formas de racismo e preconceito e revisará as suas medidas internas.”