O Brasil passa por mais um mês de junho, referência mundial para as demandas da população LGBT+, celebrando conquistas e em permanente alerta contra o preconceito, a ameaça a direitos conquistados e o aumento da violência.
Em mais de meio século de atividades do movimento moderno — que tem como marco o episódio da repressão policial aos frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova York —, são inúmeros os avanços que dão visibilidade a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, entre outros, considerando-se que homossexuais já foram categorizados como doentes mentais, além de terem seus comportamentos qualificados como crimes.
Esse histórico permite perceber a amplitude de vitórias recentes como a criminalização da homofobia e da transfobia, a possibilidade do casamento civil e a troca facilitada do nome no RG, medidas que destacam o país de forma positiva globalmente. Mas, ao mesmo tempo, pesquisadores e ativistas apontam o clima geral de animosidade como grande obstáculo.
É devido a essa mistura de componentes que Angelo Brandelli Costa, psicólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), classifica o Brasil como um “paradoxo”.
— Temos grandes avanços e, também, dados terríveis. O país é uma democracia periférica, não é desenvolvido em termos sociais. Há ganhos pontuais por iniciativa de instituições específicas e pessoas com visões progressistas em um ambiente que não aponta para a inclusão. Temos visto o contrário, infelizmente — avalia Costa, dedicado à pesquisa do preconceito e da vulnerabilidade de pessoas LGBT+.
O docente ressalta que falta uma pauta sensível a essa temática por parte dos poderes Executivo e Legislativo — os passos à frente são demarcados, sobretudo, pelo Judiciário. A violência que acomete indivíduos LGBT+ exige, segundo Costa, uma política específica de proteção. O debate precisa estar presente nas escolas como forma de combater o bullying, a evasão de estudantes que se sentem intimidados e o adoecimento.
É terrível o impacto do preconceito na saúde mental, garante Costa. Quanto mais precoce a intervenção, maiores as chances de bons resultados. Estudo publicado em fevereiro no Journal of Affective Disorders, do qual o pesquisador é um dos autores, mostrou maior prevalência de transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático em adolescentes e jovens adultos (13 a 22 anos) LGBT+ em comparação a um grupo não LGBT+ da mesma faixa etária. Os participantes foram selecionados nas cidades de São Paulo e Porto Alegre.
— Se o governo e as políticas públicas não têm um direcionamento, é muito difícil pensar que um professor, sozinho, vai conseguir criar e manter um programa em sala de aula com toda uma sociedade contrária — exemplifica Costa, pontuando que toda iniciativa é louvável. — A escola é um ambiente hostil para muitos desses jovens. Programas que falem de gênero e sexualidade, respeitando os ciclos de desenvolvimento, são fundamentais. O Brasil já teve isso, era modelo nesse tipo de programa, e agora não só não tem como esses programas são hostilizados — complementa o professor.
São essenciais as chamadas ações afirmativas, que se seguem ao primeiro passo, o do reconhecimento da existência de pessoas LGBT+: é preciso agir para corrigir desigualdades.
Veículos de imprensa e empresas também têm se posicionado satisfatoriamente, de acordo com o psicólogo. Cotas para pessoas trans, que enfrentam grande dificuldade no mercado de trabalho, são comemoradas. Organizações que criam um clima pró-diversidade também são citadas entre os modelos a serem seguidos.
— Deve haver uma inclusão positiva das diversidades, não só como algo que existe, mas do qual se tenha orgulho para dar visibilidade. É positivo empresas investirem em divulgar isso para fora, patrocinar eventos culturais. Tem uma crítica conservadora que diz que não é preciso porque todos são iguais. São necessárias ações afirmativas, sim, para corrigir desigualdades. A sociedade é uma só, e todos os setores precisam se engajar. Tem que ser um movimento pró-diversidade genuíno — acredita Costa.
Guilherme Gomes Ferreira, assistente social, professor do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ativista na ONG Somos — Comunicação, Saúde e Sexualidade, comemora a ampliação do acesso a serviços de saúde específicos, com ambulatórios exclusivos para o atendimento da população transexual, mas concorda que é necessário avançar no financiamento de políticas públicas.
— Não temos casa de acolhimento para a população LGBT+. Precisamos de serviços de referência, oferta de alimentação — fala Ferreira, destacando o quanto se degradou a situação dos mais vulneráveis com a pandemia.
A falta de dados públicos é outro entrave. Ferreira cita o recenseamento como ferramenta para visualizar melhor esses grupos, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou, na semana passada, que não conseguirá incluir, no questionário do Censo Demográfico 2022, pergunta sobre orientação sexual e identidade de gênero, conforme determinação da Justiça Federal — e cogita até ter de adiar o levantamento mais uma vez.
Também faltam informações das prisões. A ONG Somos tentou realizar um mapeamento nacional, mas a taxa de resposta das instituições carcerárias foi baixa.
— Precisamos que órgãos da Justiça incluam essa informação nos campos de dados. Hoje só o serviço de saúde tem o campo “orientação sexual e identidade de gênero”, e há receio dos profissionais de perguntar aos pacientes. Temos muito a avançar em educação de gênero e sexualidade nesses serviços. Temos que humanizar a população — constata o assistente social.
Ferreira também atua como coordenador do Centro de Referência LGBT da UFRGS (Rua Ramiro Barcelos, 2.777, sala 310, Anexo I do Campus da Saúde), que será inaugurado em 28 de junho, prestando atendimento jurídico, psicológico e social de segunda a sexta-feira, das 14h às 20h. Por enquanto, os agendamentos podem ser feitos pelo perfil do Instagram @crdh.ufrgs.