Os ponteiros marcavam 15h do dia 13 de maio de 1888, no Paço Imperial (edifício histórico localizado na atual Praça 15 de Novembro, no centro do Rio de Janeiro), quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, marcando o fim da escravidão no Brasil.
Cerca de 700 mil escravos foram contemplados com a liberdade. Contudo, não houve iniciativa governamental para integrar os ex-escravos à sociedade. O contexto histórico acerca da data relembra uma discussão: o 13 de maio é uma data para ser celebrada?
O psicólogo Márcio Farias, que coordena a coleção Clóvis Moura na Editora Dandara, defende que não. Ele afirma que o 13 de maio é alvo de disputas por ser uma data oficial usada como uma espécie de "ação redentora de uma elite, dos setores dominantes, frente ao que foi o horror da escravidão". Por isso, os movimentos negros precisaram contestar a celebração no sentido em que a abolição estava sendo apresentada como uma benesse concedida pela monarquia à população negra.
— Talvez seja uma data das mais emblemáticas naquilo que são as disputas de projetos de país colocados, de um lado, por setores das elites dominantes, classes possuidoras de riquezas e poder, e por outro lado também reflete como os setores da classe trabalhadora, ao longo do século 20, foram se posicionando frente a essa data, como uma plataforma de disputa de projeto de sociedade — comenta.
A forma como a abolição foi feita não garantiu, segundo Farias, dignidade e direitos, muito menos reparação às pessoas que sofreram com a escravidão:
— Esse projeto foi o vitorioso. Um projeto em que as cidadanias foram mutiladas para que uma nova forma de exploração do trabalho do ponto de vista formal se instaurasse, mas mantendo formas arcaicas de relações sociais.
Mesmo considerando o contexto adverso, o pesquisador destaca a capacidade de organização dos movimentos negros que mantiveram a luta por direitos no século 20 e continuam nestas primeiras décadas do século 21.
— A população negra, mesmo colocada em posição de informalidade, perene de superexploração enquanto classe trabalhadora pós-13 de maio, ela se organizou, se associou. Teve espaços de associação que permitiram a ela não só se reconstituir como grupo social, enquanto classe, mas, acima de tudo, reelaborar projetos – acrescenta Farias.
Contexto histórico
O historiador Rafael Domingos Oliveira, que faz parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Afro-América, destaca que a promulgação da Lei 3.353, em 13 de maio de 1888, acontece em um contexto histórico amplo, que envolve séculos de luta das pessoas escravizadas:
— O percurso histórico até ela (Lei Áurea) foi muito mais longo e, se quisermos ser rigorosos, começou com a primeira pessoa a ser escravizada e que, certamente, tentou resistir de todas as formas à nova condição a que estava sendo submetida. Desde então, foram muitas as estratégias de resistência, individual e coletiva, de que as populações escravizadas lançaram mão para conquistar sua liberdade.
O tráfico de negros oriundos da África começou no século 16. É estimado que mais de 12 milhões de africanos cruzaram o Oceano Atlântico e desembarcaram em terras americanas durante o período de 1501 a 1866. Os escravos eram trazidos nos porões dos chamados navios negreiros, sendo que as condições eram sub-humanas, com alimentação e higiene quase nulas. Milhares de pessoas morreram durante as viagens.
O processo de abolição da escravatura foi gradual. Pressionado pela Inglaterra, que queria expandir seu mercado consumidor, o debate sobre o fim do trabalho escravo ganhou força na primeira metade do século 18. Em 1850, a lei imperial de 4 de setembro, sob o ministro Eusébio de Queirós, proibia o tráfico de escravos, apesar da escravidão prosseguir dentro do território nacional e os abolicionistas continuavam em sua luta. No dia 28 de setembro de 1871, foi decretada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade a todos os negros nascidos a partir daquela data.
Finalmente, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel decretou a Lei Áurea, que deu liberdade a todos os escravos existentes no território nacional. O Brasil foi o último país independente das Américas a abolir completamente a escravatura.