A ausência da figura paterna não se resume aos números — na última década, 46,4 mil crianças foram registradas sem o nome do pai no Estado. O levantamento é da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), realizado a pedido da reportagem. Por trás de cada ausência na certidão de nascimento, há uma história pessoal.
O relato a seguir foi enviado por um leitor, por meio do Jornalismo de Engajamento. Usuários de GZH acessaram uma planilha e detalharam suas vivências em busca do reconhecimento de paternidade. Parte da audiência realizou o primeiro contato, porém desistiu de participar da conclusão da reportagem. Todos tiveram um argumento semelhante: não se sentiram à vontade para remexer ainda mais o passado.
Orlando Alves de Matos não lembra bem onde guardou a foto original. Mas, no computador, o representante comercial salvou uma cópia, também impressa em papel comum. A imagem é de Lisandra, com quatro meses. Nascida em abril de 1979, a bebê do retrato é filha de uma ex-namorada sua, que morava em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. Já na época, disse a ele: você é o pai.
Hoje, com 67 anos, Matos admite ter sido relapso, segundo ele, pela pouca experiência. Argumenta que atravessava um período de mudança, com proposta de emprego em Santa Catarina. E se arrepende de ter deixado essa história para trás duas vezes: no nascimento da garota e em uma ligação recebida há 17 anos.
— Em 2004, ela pegou meu telefone de casa, com a antiga empresa que eu trabalhava, e me ligou. Foi uma conversa rápida, e ela não deixou um número. Instalei até bina na expectativa de ela ligar de novo — conta Matos sobre a única conversa que tiveram na vida.
O telefonema, de poucos minutos, expôs a ele o luto que Lisandra passava, pela morte do padrasto. Ela estava casada, já com um filho, e o menino perguntava sobre o avô a todo momento.
Matos tem três filhos de outro relacionamento, porém ainda não teve netos.
— De repente, eu ganho uma filha e um neto, ou até mais, né? Se eu chegar para eles (seus filhos) e disser "ó, agora vocês têm mais uma irmã, e até sobrinho" vai ser uma festa — vislumbra.
Sobre Lisandra e a ex-namorada, pouco sabe. Relembra do convívio, que diz ter sido casual, de encontros fugazes. Não recorda o sobrenome de nenhuma das duas. A foto, com o nome da menina no verso, foi entregue pela mãe da criança a um amigo em comum, ainda na década de 1970.
Ela tem os traços. Se a gente se encontrar hoje, eu quero sentar, conversar e fazer o reconhecimento
ORLANDO ALVES DE MATOS
Aposentado
A negligência admitida no passado, o homem tentou, em parte, compensar, procurando pelos registros da maternidade da Santa Casa de Misericórdia. Sua intenção era propor uma reaproximação. Através da Justiça, conseguiu que o hospital realizasse busca nos arquivos, conforme detalha o processo enviado à reportagem. No entanto, não foi encontrada qualquer certidão a partir dos nomes informados.
Ao observar novamente a fotografia, única pista que detém, Matos encontra semelhanças com sua filha mais nova, para quem espera poder apresentar a irmã:
— Ela tem os traços. Se a gente se encontrar hoje, eu quero sentar, conversar e fazer o reconhecimento perante a lei, DNA, como tem que ser — promete.
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