Para o médico psiquiatra do Hospital Albert Einstein, Guido May, Simone Biles pode ser um exemplo para que outras pessoas também busquem tratamento para saúde mental. Biles ficou fora nesta terça-feira (27) do time dos Estados Unidos na final por equipes da ginástica artística das Olimpíadas e anunciou já nesta quarta-feira (28) que não vai disputar a final individual geral. Sua participação nas finais por aparelhos é uma incógnita.
— A coragem dela de ter expressado o sentimento naquele momento foi importante. Uma superatleta, com níveis de performance acima da curva, também tem seus limites. Quando ela é honesta em dizer porque desistiu, leva ao mundo a questão da saúde mental naquele momento. E sinaliza para pessoas comuns que todos nós podemos ter momentos de insegurança, que podemos sentir o impacto do estresse, que temos limites. Muito da postura dela se trata de ter chegado ao limite —afirma.
O ano e meio que as pessoas vivem com a pandemia potencializou essa angústia, esse desgaste mental e emocional.
— A exposição ao estresse pode acometer qualquer um de nós. Nas Olimpíadas da vida, trabalhar sob pressão, equilibrar a rotina, enfrentar a pandemia, pagar as contas... são cenários que podem gerar altos níveis de estresse, que podem levar a estafa e nos deixar doente. Admitir o momento de esgotamento não significa que a pessoa está doente ou que vai ficar. O que determina uma doença é a continuidade desse estado emocional, do sofrimento, das limitações — acrescentou.
Foi exatamente isso que Biles quis dizer ao mundo nos Jogos de Tóquio.
— Eu não confio mais tanto em mim mesma. Talvez seja o fato de estar ficando mais velha. Não somos apenas atletas. Somos pessoas, afinal de contas, e às vezes é preciso dar um passo atrás. No final do dia, também somos humanos, então temos que proteger nossa mente e nosso corpo, em vez de apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos. Com o ano que passou, não estou realmente surpresa com o que aconteceu — disse Biles em sua entrevista.
O Comitê Olímpico dos EUA informou que ela teve um problema médico, o que a própria ginasta desmentiu. A maior estrela dos Jogos vive um drama. Está sob forte pressão emocional, pela obrigação de obter grandes resultados em Tóquio.
O psiquiatra Arthur Guerra, do Hospital Sírio-Libanês, acredita que a pandemia serviu como combustível para agravar a saúde mental dos atletas nas Olimpíadas:
— No mundo de hoje já é difícil sobreviver a essa tensão. O atleta tem a busca por medalha, a conquista dos objetivos, uma pressão psicológica incrível. Sem a pandemia já estava bastante evidente que os níveis de estresse tinham aumentado. Quando se soma com a pandemia, com o isolamento, com o medo de contrair covid-19, gera níveis máximos.
Guerra comparou o que aconteceu com Biles e com Naomi Osaka, do tênis, ao burnout enfrentado nas empresas.
— É o mesmo processo. Em comum, chegam em um grau de esgotamento psicológico e não conseguem dar o próximo passo. Pode ocorrer com qualquer um. A cabeça não manda mais as mensagens neurológicas suficientes e a pessoa trava — afirma.
O abalo emocional da ginasta que cinco anos atrás, no Rio de Janeiro, conquistou quatro medalhas de ouro e uma de bronze, é forte.
— Eu nunca me senti assim antes. Quando cheguei aqui (no ginásio), pensei: "a mentalidade não veio". Tive de deixar as meninas fazerem por mim. Elas assumiram a responsabilidade e fizeram o que tinham de fazer.
A psicóloga clínica Liliana Seger, coordenadora do Programa para o Transtorno Explosivo Intermitente da Faculdade de Medicina da USP, diz que é comum uma pessoa em um momento de frustração ficar com raiva e ter comportamento agressivo. Ela também diz que a pandemia deixou as pessoas mais irritadas e frustradas.
— Mas cada um vai agir de uma forma. Tem quem vai conseguir administrar, tem quem vai ficar com raiva e tem quem vai ficar mais deprimido — ressalta.
O importante, segundo ela, é trabalhar o estresse emocional.
— Nos últimos anos, estamos com olhar mais atento para a saúde mental. O que antes poderia parecer uma situação natural, hoje tem o olhar mais colorido em cima disso — diz.
— Mas também não podemos jogar tudo na conta da pandemia. A personalidade pode influenciar. Não podemos generalizar. É necessário procurar entender quais são os gatilhos que fazem com que a pessoa tenha esse desgaste emocional. Se for um desequilíbrio passageiro, dá para trabalhar com meditação e outras técnicas para controlar a raiva. Mas se for algo constante, aí é preciso ficar mais atento, pois o tratamento é individual.
Biles pode ter reunido tudo isso em sua primeira apresentação valendo medalha. Ela se retirou após participar da prova de saltos. Falhou e ganhou nota considerada baixa para uma atleta com a sua técnica.
Ela revelou que chegou a tremer fisicamente enquanto esperava pela prova.
— A saúde mental vem em primeiro lugar porque, se você não se diverte no seu esporte, não consegue fazer as coisas que gostaria de fazer. Preciso me concentrar no meu bem-estar, há vida além da ginástica. Infelizmente aconteceu nesse palco olímpico. Esses Jogos têm sido estressantes. Tivemos um longo ano em uma preparação também longa. Não temos público. Estamos todos estressados. Nós deveríamos estar nos divertindo, mas não é o caso. Eu queria que esses Jogos fossem por mim mesma, mas sinto que ainda estou fazendo pelos outros. Dói no meu coração que o que eu mais amo fazer foi tirado de mim — disse.