Foi com uma "festa no carrinho", com direito a rosas brancas, balões coloridos e uma torta de chocolate, que a comerciante aposentada Juliana Albu de Elian, de Porto Alegre, celebrou em distanciamento social a chegada aos 90 anos de uma vida marcada pela resiliência. Juliana é sobrevivente do Holocausto, passou pelos campos de concentração da Alemanha nazista, e, no ano passado, foi surpreendida pela covid-19, ficando duas semanas internada no Hospital Moinhos de Vento com 50% dos pulmões comprometidos.
Nascida em Cluj, na Transilvânia (Romênia), Juliana foi levada aos 13 anos com a família para Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial. Logo na chegada, ela e os dois irmãos foram separados dos pais e nunca mais os viram. Para sobreviverem, Juliana e a irmã não confirmaram ser da mesma família, já que os nazistas não permitiam que parentes ficassem nos mesmos campos de concentração.
Depois de Auschwitz, as duas passaram por outras regiões até serem deixadas num campo de concentração na antiga Tchecoslováquia, onde passaram a trabalhar de forma forçada numa fábrica produtora de bombas usadas pelos alemães na guerra. Juliana, no entanto, imaginava estar fazendo transistores para aparelhos de rádio.
Para conseguirem ter duas refeições por dia, ela e a irmã trabalhavam em horários diferentes. Em cada turno, uma delas recebia um prato de sopa e o dividia com a irmã. No local, Juliana ficou até a guerra acabar. Quando chegou ao fim, ainda levou alguns dias para compreenderem o ocorrido.
Da noite para o dia, os alemães desapareceram do local. Com medo, os prisioneiros, entre eles, Juliana, temeram sair pelo portão que havia ficado aberto. Eles acreditavam tratar-se de uma armadilha para matá-los, como já havia ocorrido em outros momentos. Os prisioneiros só deixaram o local dias depois, ao serem encontrados pelo russos.
Com o fim da guerra, Juliana e a irmã reencontraram o irmão e foram para a Hungria, que estava sob domínio russo. Juliana e os irmãos decidiram não ficar no país e, com a ajuda de organizações judaicas, começaram a atravessar fronteiras. Foi ao longo desse trajeto, na Áustria, que ela conheceu o marceneiro Alejandro Elian Nemes, com quem se casou mais tarde. Juntos, os dois permaneceram num campo de refugiados na Itália até cruzarem o Oceano Atlântico, rumo à América do Sul.
Da Itália, o casal imigrou para Montevidéu, no Uruguai, onde tiveram a filha Marta Elian Hochberg, em 1952. No ano seguinte, mudaram-se para Porto Alegre. Alejandro foi marceneiro até ter um comércio de roupas. Juliana o ajudava na administração.
Juliana chegou a ser entrevistada pela equipe do cineasta Steven Spielberg na época em que ele coletou depoimentos de sobreviventes ao redor do mundo. A Fundação Shoah tem arquivados os depoimentos dela e do marido.
Segundo a neta Magali Elian Hochberg, 38 anos, que mora na Inglaterra, a avó foi uma das primeiras mulheres do Estado a ter carteira de habilitação e era a responsável por circular de carro pelas lojas da família no Interior. Até hoje, conta Magali, a senhora de largo sorriso surpreende por sua lucidez e conexões que consegue fazer, apesar de estar com o corpo mais debilitado e necessitar do auxílio de cuidadores.
— Tem humor, faz piadas e brincadeiras com a gente. Sempre foi extremamente independente e, mesmo depois da morte do meu avô, quis continuar morando sozinha e na mesma casa — comenta a neta.
Em fevereiro deste ano, já recuperada da covid-19, Juliana recebeu as doses da vacina contra a doença e apareceu em noticiários nacionais pelo feito.
— Não doeu nada. Eu estava tranquila. É muito importante todos fazerem a vacina — comentou Juliana, em mensagem de áudio enviada à reportagem via WhatsApp.
Magali se emociona ao falar sobre a avó e o desejo dela de que a família seguisse crescendo com a chegada de netos e bisnetos. Mãe de Luna, de um ano e quatro meses, Magali conversa com a avó em chamadas de vídeo.
— Quando eu estava grávida, ela conversava e cantava com a minha barriga, via WhatsApp. Tanto que a Luna reconheceu a voz da bisa depois que nasceu. Agora, tenho a alegria de vê-la interagindo com a minha filha — revela Magali.
Viúva há 24 anos, Juliana é mãe de dois filhos e tem netos e bisnetos. Mesmo depois de vacinada, ela e a família optaram por manter o distanciamento. Tanto que o aniversário de 90 anos, em tempos de pandemia, só teve a presença da filha, do genro e da cuidadora. Sobre a mesa, rosas brancas que, segundo Juliana, sempre representaram a presença de sua mãe.
— Estou muito feliz. Cheguei aos 90 — disse Juliana, em chamada de vídeo com Magali, enquanto observava animada o carrinho de aniversário encomendado pela neta.