Por Hamilton Almeida
Jornalista, autor de “Padre Landell de Moura, um Herói Sem Glória” (2006)
Porto Alegre, 21 de janeiro de 1861, segunda-feira. Em uma casa na esquina da Rua Marechal Floriano com a antiga Praça do Mercado, uma família tradicional comemorou o nascimento de mais uma criança, o quarto filho de Sara Marianna Landell de Moura com Ignácio José Ferreira de Moura, que chegariam a ter mais 10 descendentes.
Era comum as famílias numerosas, patriarcais e católicas. Incomum seria a vida que o guri Roberto Landell de Moura estava destinado a ter. Aos 16 anos, criou fórmulas químicas, uma para a cárie dentária, e construiu um telefone.
Não se sabe como eram essas invenções precoces. O que se sabe é que o telefone fora inventado por Graham Bell apenas um ano antes – nas comunicações, a tecnologia mais avançada era a do telégrafo com fio, de Samuel Morse.
Nos tempos do Império, o Brasil não oferecia um ambiente propício para o desenvolvimento de talentos no campo científico. Mas, em 1878, quando Roberto foi cursar o seminário no Colégio Pio Americano, em Roma, decidiu completar sua formação estudando Física e Química na Universidade Gregoriana. Lá, adquiriu a base de conhecimentos que, somada à sua genialidade, causaria uma revolução.
Com um pé na religião e outro na ciência, regressou a Porto Alegre em 1887. Foi capelão da igreja do Bonfim, já tendo em mente o envio de mensagens através do ar, ou do éter, como se dizia.
Com a Proclamação da República, em 1889, o positivismo chegou ao poder e nasceu o Estado laico. Predominava o sentimento de que religião e ciência estavam em posições antagônicas. Talvez por isso ele não teve sucesso, em 1893, quando pediu recursos à Igreja para desenvolver o rádio.
“Desejo mostrar ao mundo que a Igreja Católica não é inimiga da ciência e do progresso humano”, dizia. Não foi o suficiente para evitar que, quando exercia o sacerdócio em Campinas, no interior de São Paulo, entre 1894 e 1896, um grupo de “fiéis” supersticiosos, acusando-o de ter parceria com o diabo, invadisse o seu laboratório e destruísse tudo o que lá havia... os primitivos aparelhos de radiocomunicação.
Com paciência e perseverança, reconstruiu tudo e, em 16 de julho de 1899, reuniu empresários, cientistas e a imprensa em São Paulo para que assistissem à pioneira transmissão de voz e sons musicais por ondas de rádio. Esse evento extraordinário foi documentado por vários jornais paulistas e cariocas.
E Guglielmo Marconi? O jovem cientista italiano já era famoso, mas sua invenção, o telégrafo sem fio, de 1895, tinha uma enorme diferença em relação à do padre-cientista: ele transmitia sinais em código Morse, e não a voz humana.
Padre Landell fez uma nova experiência wireless em 3 de junho de 1900, ligando a colina de Santana, zona norte da capital, à Avenida Paulista: oito quilômetros em linha reta. O cônsul britânico Percy Lupton assistiu à proeza, ainda inédita em nível mundial, pois o físico canadense Reginald A. Fessenden só faria algo semelhante em dezembro de 1900. No Canadá, ele é considerado o inventor do rádio.
Em março de 1901, Padre Landell patenteou o rádio no Brasil, a primeira patente do gênero no planeta. O empresário José Rodrigo Botet escreveu: “Quantos e que cruéis sacrifícios de tempo, de dinheiro e de saúde custam ao Rvd. Padre Landell as suas invejáveis conquistas científicas! Quantas e que amargas decepções experimentou, ao ver que o governo e a imprensa de seu país, em lugar de o alentarem com o aplauso, incentivando-o a prosseguir na carreira triunfal, fizeram pouco ou nenhum caso de seus notáveis inventos! Se o Rvd. Padre Landell houvesse nascido na Inglaterra, Alemanha ou Estados Unidos...”.
Ainda em 1901, tomou a ousada decisão de ir aos EUA e lá obteve três cartas-patentes, após anos de luta, sacrifícios e doença. Voltou ao Brasil no final de 1904 cheio de esperanças de que conseguiria, finalmente, recursos financeiros para implantar o rádio no país.
Solicitou navios da Marinha para exibir as suas invenções e também apresentou um pedido de “auxílio pecuniário” ao governo do Estado de São Paulo. Não recebeu nenhum apoio e, segundo suas palavras, foi “forçado” a abandonar a carreira científica.
Além do rádio, quando vivia em Nova York, começou a projetar a televisão e o telex. Gênio visionário, arquitetou a transmissão de voz, imagens e textos por meio de ondas eletromagnéticas. Todos esses aparelhos seriam inventados mais tarde por outros cientistas.
Pioneiro das telecomunicações, Padre Landell ainda não é reconhecido devidamente no país em que nasceu há 160 anos.