A flauta doce por vezes desafina, e a fatiota tem apenas a gravata vestida sobre uma camisa confortável - daquelas de usar o dia inteiro em casa. Bermuda, tênis com meias pretas e o chapéu de palha incrementam o uniforme, original.
– É especial. Mas não divulga muito se não o pessoal copia e eu perco a exclusividade – pede o animado entrevistado.
O carismático músico Idair da Silva Nunes, 76 anos, repete o ritual há quatro décadas, desde que se mudou de Porto Alegre para o Vale do Sinos. Ele interpreta canções natalinas para entreter os vizinhos do bairro Rio do Sinos, em São Leopoldo. O palco, na sacada da residência, é temático, com um enfeite de papai noel decorando a porta. A janela tem luzinhas pisca-pisca. Partituras escritas a mão, em uma folha pautada, estão apoiadas sobre o pedestal, e o idoso com espírito de adolescente segura o instrumento.
O concerto tem data e hora marcadas, próximo ao almoço e ao entardecer, com apresentações que começaram em 1º de dezembro e vão até a véspera do Natal. O objetivo, resume, é voltar a ser criança.
– Eu já fui jovem, hoje sou velho e volto a ser criança no Natal, à espera do bom velhinho. É uma época em que a gente esquece de todas as coisas ruins – complementa.
De cachê, ganha elogios.
– Parece que eu voltei à infância, quando eu o olhava pela sacada e esperava distribuir bala na rua - relembra a vizinha Melissa Portal, 34 anos.
Melissa deixou o bairro após casar. Teve uma filha, Luiza, de quatro anos. Na pandemia, a menina tem passado mais dias com os avós, na mesma casa em que a mãe cresceu. Com a chegada do fim de ano, ambas compartilham a convivência com seu Idair. A garota, inclusive, “compete” com o flautista, segundo a avó, a comerciária aposentada Rosa Maria Carasai, 64 anos.
– Ela coloca o pianinho no pátio para tocar junto. É uma alegria o que nosso vizinho faz, em uma época em que tanta gente esquece de comemorar o Natal, como se fosse uma data comum - diz.
Idair vive com a esposa e dois filhos, já adultos. Questionado se a sinfonia agrada a todos, responde novamente com o bom humor que permeou a entrevista na manhã desta quinta-feira (3):
– É para isso que existe algodão. Só colocar nos ouvidos.
Formado em escolas especializadas da região de Uruguaiana – não lembra bem o nome, nem a data –, ele diz ter se apaixonado pela arte na banda do colégio. Encanta ao falar que “a música exprime os sentimentos da alma”. E agradece a todos que o cumprimentam no quarteirão, próximo à BR-116, mas distante do ruído incômodo dos automóveis.
Para outro vizinho, na plateia há mais de 30 anos, dezembro se tornou um mês de nostalgia.
– É um privilégio. Ele começa a tocar e nos faz relembrar os natais do passado. Tomara que ele continue ainda muitos anos – afirma o fotógrafo Fábio Pilger, 37 anos.
Como resposta à comunidade, dirige uma única palavra: inspiração.