Manter mente e corpo ativos, mesmo em casa. O distanciamento social, imposto nos últimos sete meses, exigiu adaptações de um grupo em particular: os idosos, que no contexto vivido utilizam a tecnologia a fim de manterem laços com familiares, instituir novas rotinas e conservar amizades. A partir da reportagem que expôs a aproximação entre um grupo de jovens e um morador de um prédio vizinho, no centro de Porto Alegre, GZH convidou os leitores a participarem da construção do conteúdo e recebeu exemplos de gaúchos que passaram a conviver de maneira não presencial – um desafio extra, por exemplo, para o instrutor de boxe Carlos Alberto de Almeida, 67 anos, que esbanja energia no saco de pancadas pendurado na cozinha de sua residência.
— Se ficar parado, a gente enferruja — define o construtor civil aposentado.
Morador de Esteio, na Região Metropolitana, ele integra o grupo Boxe Terceira Idade Amigos para Sempre desde 2014. Como regra fundamental, a associação aceita apenas filiados que ultrapassaram os 60 anos de idade, faixa etária mais demandada nos cuidados da covid-19.
O que é o jornalismo de engajamento, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que coloca o público como protagonista da notícia, criando uma troca positiva e impactante na comunidade. Queremos abrir ainda mais espaço para que você, leitor, possa participar da construção do nosso conteúdo desde a concepção até o feedback após a publicação.
Como engajamos o público?
Convidamos nossos leitores a participarem da construção do conteúdo pelas redes sociais, monitoramos o que é discutido nos comentários das matérias e publicamos formulários que dão espaço a dúvidas e sugestões.
Com a proibição de eventos mantida para os idosos, ringues precisaram ser adaptados nos espaços particulares, em lutas individuais para combater o sedentarismo. Vídeos com os desportistas treinando sozinhos e palavras de incentivo são compartilhados entre os integrantes. Há, ainda, gravações com dicas de cuidados com a alimentação, uma parceria selada junto a estudantes de Nutrição do Vale do Sinos.
— A aposentadoria é a liberdade para passear, dançar, se divertir. Não para ficar jogado no sofá. Hoje não temos nenhum encontro presencial, é tudo por WhatsApp ou Facebook. E vou te dizer, esse grupo é a minha vida — afirma o atleta, certificado pela Federação Gaúcha de Boxe desde o ano passado, feito emoldurado e exposto na parede da sala.
Atualmente, cerca de 40 dos 60 membros seguem realizando as atividades, em casa. A mais experiente tem 82 anos, e um dos mais jovens é Gilberto Carolino, 63.
— Com a pandemia, os encontros pararam, não pude nem mais jogar futebol, que é outra coisa de que eu gosto. Tenho uma turma que joga junta desde 1980 — diz o trabalhador do ramo de instalação e manutenção de gesso residencial.
Na manhã desta quarta-feira (14), os amigos tiveram um encontro. Usando máscara e luvas, ensaiaram uma troca de diretos e cruzados, com a distância recomendada para não sofrerem um golpe mais grave.
A esposa de Carlos Alberto, Giseli Almeida, 55 anos, acompanha os treinos. E admite:
— O exercício melhora nossa energia. Mas eu prefiro treinar com o Gilberto — afirma, sorrindo, criando uma saudável intriga entre o marido e o amigo.
Confira a entrevista do boxeador Carlos Alberto de Almeida à Rádio Gaúcha:
Vizinhos sem internet batem à porta e oferecem ajuda no Menino Deus
Criado para compartilhar alertas de segurança e relatos sobre veículos suspeitos no quarteirão, o grupo Moradores do Menino Deus, em Porto Alegre, ressignificou sua existência. Mensagens de “como estão” e “precisam de algo” foram incorporadas ao grupo, segundo uma das administradoras, a decoradora Andréa Moreira Vieira, 50 anos.
— Tem vizinhos que se conhecem há 40 anos ou mais, como eu, que cresci e me criei aqui. No grupo, todos passaram a fazer parte do dia a dia de todos — acrescenta.
Os “desconectados” também foram convidados a integrar as ações, que incluem compras no comércio da região.
— O vizinho que usa o WhatsApp bate na porta do que não usa, avisando da iniciativa. É bem legal — avalia Andréa.
O endereço físico, inalcançável para quem não sai de casa, se fixa no limite entre as ruas Comendador Rodolfo Gomes, Rafael Saadi e Avenida Praia de Belas, no bairro de mesmo nome. Um dos 13 membros é Celita Maria Bortoli Fontana, 63. A reclusão da administradora aposentada tem motivo especial: o marido trabalha em um hospital da Capital.
— É sempre uma tensão — reconhece a idosa.
Apesar de sentir falta de sair – com algumas escapadas para exercícios físicos –, Celita diz ter mais tempo atualmente para cuidar do jardim e se dedicar à casa e ao artesanato.
Competição de quem envia mais figurinhas no WhatsApp
Na zona norte de Porto Alegre, as quintas-feiras costumavam ser o dia mais barulhento da semana entre os bairros Sarandi e Parque São Sebastião. Ao menos na rodinha de conversas, jogo de cartas e bebericadas nas canecas de chá, reunião antes sediada na casa de uma das amigas. A diversão atual, zomba Gladis Wulff, 72 anos, é com a última a dar bom dia no grupo do WhatsApp.
— Começamos pela manhã a nos cumprimentar, com muita alegria. E brincando com as que dormem um pouco mais — afirma.
O grupo Das Quintas reúne virtualmente mulheres entre 60 e 85 anos que exibem a horta de casa, pratos requintados – ou não –, bolos, pães e outras receitas, segundo Gladis. Quando uma integrante está de aniversário, ganha vídeo e até torta com vela fictícia, além do tradicional Parabéns a Você entoado por cada uma das amigas.
Parte do grupo aderiu, inclusive, a um torneio nada convencional, chamado pelas idosas de “bate sticker”. A disputa consiste em atingir o topo no número de figurinhas enviadas pelo aplicativo de troca de mensagens.
— Cada uma quer postar mais e mais rápido — explica.
Contatos para manter o equilíbrio
Para a psicóloga Eliana Bortolon, o contato mantido pela internet ajuda a manter o equilíbrio psicossocial, fundamental para a estrutura das relações humanas.
— Como proteção à vida, deixamos os idosos isolados fisicamente. Saber usar a tecnologia então se torna fundamental para manter a mente ativa e o afeto com aqueles de quem se gosta — avalia.
Sem receber os netos desde o início da pandemia, Gladis concorda com a avaliação da psicóloga e elogia o que chama de “magia da internet”. Enquanto a tela do celular pisca, como principal meio de conexão, ela seguirá lendo as mensagens mais recorrentes entre seus contatos: “Saudades” e “até quando?”.