Na noite de 8 de agosto, a adolescente Laura Kuhn, 16 anos, já sabe a roupa que vai usar, mesmo sem sair de casa: vestido azul claro, de babados brancos, o seu favorito. Nos pés, sapatilhas, e nas mãos, um roteiro com o nome de artistas que participarão do 1º Sarau da Inclusão.
Promovido pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), o festejo será virtual e reunirá artistas consagrados, declamadores, músicos, cantores e dançarinos com necessidades especiais. Com síndrome de Down, Laura será a primeira pessoa com deficiência a apresentar um evento da entidade. Não demonstra, porém, insegurança com a responsabilidade nela depositada.
— Vou vencer novos desafios. Estou representando pessoas especiais que, como eu, devem acreditar em si. Todos somos capazes — afirma.
Desde a infância, Laura frequenta centros de tradições gaúchas no município de Espumoso, no norte do Estado, onde vive com a família. Aos quatro anos, começou a imitar os passos de dança da irmã mais velha, como relembra o seu pai, Lauro Fetalian Kuhn, de 54 anos.
Em pouco tempo já integrava o grupo de invernada, ao lado de outros dançarinos. Aos 10 anos de idade, enquanto observava os colegas entoando poemas, decidiu que também assim o faria.
— No início, ouvimos muita gente dizendo que ela não ia conseguir, um preconceito por ela ter Down. Mas quem não tem dificuldade em novos desafios? A indicação para apresentar o Sarau nos deixa felizes e serve de incentivo para outras pessoas que precisam de um olhar diferente — avalia o pai, gerente de uma concessionária de máquinas agrícolas na cidade.
Em frente ao notebook, ela será a responsável por anunciar as atrações do evento, transmitido simultaneamente pela página do MTG no Facebook e pelo Youtube do Eco da Tradição — canal pertencente ao movimento, com mais de 17 mil inscritos.
Orgulhoso, o pai da adolescente diz que ela não tem vergonha de pedir ajuda para realizar as tarefas das quais é designada, pois foi ensinada desde cedo sobre a síndrome que a afeta. Aluna do nono ano do ensino fundamental, em uma escola estadual, Laura divide a sala de aula com estudantes sem deficiência cognitiva diagnosticada, e nunca precisou repetir qualquer disciplina.
Em casa, divide atividades como equitação e encontros virtuais com o grupo de jovens da igreja com os ensaios dos versos a serem declamados. A trilha fica por conta do amigo e cancioneiro Benhur da Costa.
— A Laura é assim em tudo, vai atrás do que quer fazer com muita dedicação. Até no banho ela treina a dança, e declama na frente do espelho — revela o pai.
Limitado a dez participantes, a celebração iniciará as 20h do dia 8 de agosto. Há, ainda, poucas vagas disponíveis, com inscrições pelo e-mail inclusao@mtg.org.br. A categoria exclusiva para pessoas com deficiência foi criada em 2019, e ainda tem suas diretrizes em construção. Entre seus idealizadores estão o repórter Giovani Grizotti, entusiasta das tradições do Estado.
Inclusão pelo tradicionalismo
Diretora do Departamento de Inclusão do MTG, a professora Mara Caldeira tem experiência de quase 30 anos com jovens com deficiências cognitivas, e completou uma pós-graduação em educação especial. Ao conhecer Laura, se encantou por sua determinação.
— A Laura topa tudo. Ela usa sempre o "ainda não consigo" para qualquer coisa nova, nunca diz "não vou conseguir" — afirma a educadora, de 57 anos.
Mara é entusiasta da inclusão das pessoas com deficiência nas mais variadas atividades. Ao relembrar de uma turma de dança que incluiu crianças autistas —, mesmo com a dificuldade em conviver em ambientes barulhentos —, ela diz procurar motivar os pais a desafiarem seus filhos.
— Não se pode esconder o filho em casa, tem que apostar nele — defende.
Clarisse Rodrigues Corrêa, 60 anos, é uma das mães que aposta no filho, o jovem Caio Augusto Corrêa Durajski, de 26 anos. Diagnosticado com síndrome do X Frágil — deficiência que afeta a fala e a cognição -, o garoto é seguidor do nativismo e das atividades campeiras. O tiro de laço é o momento mais aguardado pelo morador de Guaíba. Na apresentação virtual, ele irá laçar uma "vaca parada", uma estrutura de madeira que imita o biotipo de um bovino.
— É uma alegria pra ele. É o que ele mais gosta, pegar no laço e fazer toda aquela dança, como eu chamo, e atirar e acertar. É muito importante pra ele mostrar que ele sabe fazer — define Clarisse.
Por telefone, Caio complementa o relato da mãe, com uma alegria que supera a dificuldade de expressão:
— Eu gosto da tradição, laçar, dançar. Gosto da lida. Um dia vou comprar uma égua pra mim — promete o jovem tradicionalista.