Quando publicou O Ócio Criativo, em 1995, o escritor Domenico De Masi defendeu a combinação de trabalho e lazer, equação que considerou a ideal para o melhor aproveitamento do tempo. Aos oito anos, o estudante gaúcho Samuel Robinson não conhece a obra do autor italiano. Mas tirou do papel, durante o isolamento social imposto pela pandemia de coronavírus, o mais ambicioso dos seus projetos: sem sair de casa há 60 dias, concluiu o primeiro livro de uma trilogia planejada.
O Menino e a Casa na Árvore: entre sonhos e pesadelos conta a aventura de amigos que, ao adormecerem na casa de um deles, são transportados para outra dimensão, onde se envolvem em uma trama que só termina com a captura do Lorde dos Pesadelos. Se a história tem esse fim, Samuel prefere não contar.
— Só lendo o livro — diz, estrategicamente.
Falante e visivelmente empolgado com a ideia, Samuel responde de pronto ao questionamento sobre a profissão dos seus sonhos: escritor. Com dificuldade em segurar o pesado livro de J. K. Rowling, Harry Potter e a Ordem da Fênix, não demonstra, porém, a ambição de alcançar a mesma tiragem da criadora do bruxinho inglês.
— Quero vender 300 — afirma, com uma exatidão não explicada.
Com sete livros, a saga Harry Potter vendeu mais de 5 milhões de exemplares em todo o mundo, desde o lançamento da primeira edição, há 20 anos.
De acordo com a mãe, a professora de educação infantil e séries iniciais Michele Erhart Robinson, 33 anos, o filho sempre foi um apaixonado pelas letras.
— Antes dos três anos ele já começou a juntar as sílabas e a ler frases completas. Com cinco, já lia fluentemente — relembra.
As primeiras palavras foram para a tela do computador em 21 de março, logo após as aulas serem suspensas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Pres. Affonso Penna, em Novo Hamburgo. Para criar os personagens, a inspiração partiu de amigos e familiares: os avós costumavam ler para o neto, quando ainda não o fazia por conta própria. Um dos personagens, o guardião dos sonhos, inclusive tem a fisionomia do avô Carlos, descreve o menino. O pai, Guilherme Robinson, 33 anos, estimulou a criatividade com sugestões, enquanto a mãe atuou como uma espécie de editora, ao corrigir pequenos erros de português no texto.
Alice, protagonista que enfrenta o mundo dos sonhos, é inspirada na irmã mais nova, Melissa, seis anos.
— Ela é a minha aventureira favorita — elogia.
O arquivo em word que guarda as aventuras de Samuel tem 40 páginas. Na diagramação, esse número deve alcançar 70, de acordo com uma editora consultada pela família. Para a publicação sair do mundo virtual, são necessários R$ 3 mil. Para isso, uma vaquinha virtual foi criada, com o título Ajude Samuel a ser um escritor.
As ilustrações foram inicialmente desenhadas à mão, em folhas de papel, e depois digitalizadas. Amiga e professora de judô dos pais e do casal de filhos, Monaliza Kasper, 29 anos, afirma que só aceitou o trabalho de contar a história em imagens após ler toda a obra.
— O livro é genial. Me empolguei e só desenhei depois que li tudo — conta.
Após a entrevista, Samuel correu para o quarto, tirou da estante a versão de Harry Potter que ainda não terminou e voltou para o hobby favorito.
— Já decorei, são 703 páginas, e eu estou na 386 — exibe, à espera de quem sabe, virar um autor de best-seller.