Por Nilton Mullet Pereira
Professor da Faculdade de Educação da UFRGS
O amor é a virtude mais destacada dentre todas aquelas que nos acostumamos a cultuar. É necessário, entretanto, pensá-lo em uma perspectiva histórica.
Dedicar-se à historicidade de nossas crenças não implica atribuir-lhes menor valor em função de seu caráter histórico, tampouco quer dizer que elas tenham menor potencial moral ou ético para orientar a produção das nossas vidas. Ao contrário, afirmar a historicidade de nossas crenças consiste em criar um mundo no qual o respeito mútuo é o valor maior que se eleva acima de qualquer tentativa de tornar universal aquilo em que acreditamos.
Cabe ressaltar que nossa humildade está em admitir e respeitar a existência do outro, e isso só é possível supondo a historicidade de nossas crenças. A própria ideia de uma natureza humana, como também do amor, consiste em uma construção cultural e histórica. Por isso, precisamos levar em conta que a ideia que ainda temos do amor é a de que ele nasce conosco e, ao mesmo tempo, nos é transcendental e inerente a uma certa noção de natureza humana. Trata-se de uma concepção ilusória. Inserir o amor em uma aula de História é não apenas afirmar a sua historicidade, mas declarar que ele é uma invenção e que seu caráter universal foi construído historicamente até possuir uma forma mais ou menos como a que conhecemos hoje. Isso quer dizer que a própria universalidade do amor foi construída historicamente.
Por muito tempo, a aula de História pôs-se a contar os acontecimentos políticos, sociais, econômicos e até culturais, negligenciando, entretanto, o campo das emoções, das sensibilidades, dos sentimentos e toda uma série de dimensões da nossa vida que pareciam estar além da possibilidade do olhar histórico do professor ou do historiador. Sempre que falamos a respeito dessas questões muito caras à vida íntima e sensível das pessoas e as colocamos no campo de uma historicidade, parece que estamos a querer diminuir o papel, neste caso, do amor, na vida de cada um. Mas, obviamente, não se trata disso.
Ao supor ser possível inserir o amor como conteúdo de uma aula, estou apenas a mostrar que a memória que produzimos a partir de nossas relações com os seres do mundo é historicamente compreensível, está inserida num jogo temporal que lhes faz ser criação histórica.
Uma professora de História, então, mostra não apenas como aconteceram guerras no passado, mas como criamos as crenças nas quais acreditamos. Nisso está que haja tanto valor numa história do amor na sala de aula. Todavia, uma história do amor pouco tem a ver com uma narrativa sobre uma virtude que é vista como universal, mas consiste em uma certa história de como criamos relações de amizade e de afeto com os outros, como historicamente manifestamos gosto, apreço etc. e como tais práticas nos constituíram subjetivamente e historicamente. Portanto, não se trata de fazer uma história do amor (considerado um bem universal), mas das inúmeras práticas amorosas de que temos conhecimento e, quem sabe, das que ainda não temos.
Nesse sentido, inserir uma história das práticas amorosas em aula consiste em aprender com as mais diversas formas através das quais as sociedades criaram modos de se relacionar. Estudar ou ensinar sobre o amor não consiste em um relato que simplesmente produz causas, definições, identificações, interpretações ou explicações. Trata-se, antes, de ultrapassar os limites dessas determinações formais, cronológicas e explicativas, para abrir-se a uma aprendizagem com a historicidade do amor: o amor ágape dos cristãos; o fin’amor dos trovadores; o amor pela verdade, do filósofo grego Platão; o amor expansão e força transformadora de bell hooks; o amor à natureza de São Francisco de Assis... Seria correto perguntar o que aprendemos sobre o que sabemos acerca do amor?
E o que aprendemos a partir dessas diversas experiências amorosas que tornamos narrativa em aulas de História? Tais perguntas se referem a uma outra igualmente significativa: como e no que nos transformamos diante das verdades que conhecemos e das experiências que temos com o passado?
O amor como conteúdo de uma aula não é somente uma descrição de diferentes práticas amorosas ao longo do tempo, que podem ser narradas a partir de um universo afastado e neutro. Inserir uma história das formas amorosas no interior de uma aula de História também não é um exercício de religião ou um modo fortuito de produzir regras morais. Trata-se, sim, de aprendizagem. Uma aprendizagem que reúne “fato e valor”, ensejando uma narrativa histórica que nos faz não apenas “habitar um mundo”, mas também “criar novos mundos”.
Aprender história é um pouco viver no plano de uma poética e de uma paixão que nos dispõe a, de uma só vez, silenciar o caráter universal de nossas crenças e fazer cessar, por alguns momentos, o rugido da prisão do presente. Distante e exteriorizado das exigências de atenção às normas, aos padrões e a todo o ódio habitual e atual, criar relações novas, baseadas em outros consensos e em outras possibilidades de relações, fruto de aprendizagens com outras formas de vida, culturas, passados, amores.