Período de transformação da criança em adulto, a adolescência é marcada por mudanças profundas. Na busca para desenvolver independência, é natural que o filho procure mais a companhia dos amigos e menos a da família, exija privacidade, tome decisões sozinho e teste limites. Mesmo que isso o exponha a risco de sofrimento, o adolescente precisa liberdade para vivenciar experiências novas. É o que dizem três psicólogos com filhos que já chegaram ou estão entrando nessa fase.
— A gente quer proteger os filhos de tudo, mas quando percebemos que eles caem, levantam e continuam, nos damos conta de que não há melhor forma de aprender do que errar. O que se pode fazer é estar disponível, acolher, dizer “da próxima vez tu acerta” — explica a psicóloga e professora de Psicologia Eliana Bortolon, mãe de uma garota de 11 anos e de um menino de oito. — O adulto pleno sabe prever as consequências de suas atitudes, então consegue optar entre fazer algo ou não. O adolescente não entende bem o que queremos dizer com “te cuida”, “não te expõe”. Ele acha que sabe o que pode acontecer, mas ainda não entende os riscos. Uma pessoa madura consegue ressignificar uma perda ou uma decepção, e bola pra frente, a vida continua. Isso a gente tem que ensinar — completa.
Deixar de ser o centro da vida do filho faz a gente sofrer muito, mas é preciso aceitar, ceder o controle, dar espaço e, ao mesmo tempo, estar atento, estar perto.”
CLAUDIA CONCOLATTO
Psicóloga
Aceitar que, na construção de autonomia, o filho tende a se afastar da família pode ser doloroso para as mães, aponta a psicóloga e psicanalista Claudia Concolatto.
— A criança idealiza muito os pais. Faz parte da transição romper a idealização. E deixar de ser o centro da vida do filho faz a gente sofrer muito, mas é preciso aceitar, ceder o controle, dar espaço e, ao mesmo tempo, estar atento, estar perto e se colocar à disposição — afirma Claudia, mãe de um rapaz de 18 anos e de um menino de cinco.
A paternidade é um aprendizado e precisa ser assumida como um processo em que, a cada etapa nova da vida, os filhos impactam os pais e provocam mudanças, diz o psicólogo e professor de Psicologia Nelson Rivero, pai de uma garota de 18 anos e de um garoto de 12:
— Essa fase traz como novidade a possibilidade de os adolescentes se afirmarem como sujeitos diferentes daquilo que a gente pensou que eles pudessem ser.
Aprendizado começa na primeira infância
Estar disponível para os filhos não é uma atitude passiva, é também saber quando intervir. Para identificar o momento de agir, deve-se começar não tratando problemas diferentes com a mesma intensidade, alerta Eliana.
Há episódios que o filho precisa enfrentar sozinho, mesmo que o façam sofrer. Em outros, os pais têm de agir, seja porque o adolescente está exposto a perigos, seja porque não está pronto para enfrentar a situação.
Claudia e o marido, por exemplo, decidiram que o primogênito ficaria morando sozinho em Marau nos últimos meses de 2019, para não interromper as aulas – o casal se mudou para Porto Alegre com o caçula. Ao notar que escolher sozinho era um peso excessivo para o rapaz, os pais tomaram a decisão por ele.
Quando a criança chora, a gente acolhe, conversa, diz que vai ajudar. Quando chegar à adolescência, ela tem um “registro da sobrevivência”, sabe que um problema não é o fim do mundo, que a vida não vai acabar. E sabe que tem nos pais um porto seguro."
ELIANA SARDI BORTOLON
Psicóloga
Conforme as psicólogas, o aprendizado sobre a solução de problemas começa na primeira infância. O canal de comunicação criado pela criança com os pais e com o mundo é o repertório ao qual o adolescente vai recorrer em uma crise.
— Quando a criança chora, a gente acolhe, conversa, diz que vai ajudar. Quando chegar à adolescência, ela tem um “registro da sobrevivência”, sabe que um problema não é o fim do mundo, que a vida não vai acabar. E sabe que tem nos pais um porto seguro — resume Eliana.
Portas fechadas e vida online
O primeiro sinal da entrada de João Pedro, hoje com 15 anos, na adolescência foi a troca dos ambientes de convivência da família pelo quarto, conta o analista de sistemas Alvaro Augusto Neves Calazans. Quando a filha, Maria Luiza, 12 anos, começou a fazer o mesmo, ele e a mulher já sabiam o que mais ocorreria: disposição para contestar ou questionar os pais e preferência pela companhia dos amigos, mesmo que virtualmente em boa parte do tempo.
Para Alvaro, uma das maiores diferenças de sua adolescência para a dos filhos são os efeitos do mundo digital. Ao contrário de sua geração, que estabelecia relações por meio da família e da escola, os adolescentes hoje estão expostos a uma rede de conexões imensa pela internet. Ao mesmo tempo que têm mais liberdade e mais acesso à informação, também estão mais expostos e vulneráveis:
— Eles não podem ser tratados como crianças, porque não são. A gente tem que dar liberdade, mas estabelecer alguns limite, saber quem são os amigos que eles conversam on-line, os filmes e séries que estão assistindo, ficar atento.
O adolescente está, sim, suscetível a perigos, avalia a psicanalista Claudia. E os pais não conseguem lidar com o impacto dos apelos digitais, porque foram adolescentes antes da internet, quando as relações demoravam a se constituir.
— Hoje, me preocupa a banalização do sexo. As transformações da adolescência têm muita atuação no corpo, e eles acham que precisam colocar em ação, que podem ter satisfação imediata de tudo. Muitas vezes, são invadidos por excessos com os quais ainda não conseguem dar conta — pondera a psicóloga.
Alguns sintomas indicam que o jovem precisa ajuda profissional, como não ter interesse em nada, mudar de atitude muito bruscamente ou não conseguir manter vínculos interpessoais. Mas não é preciso estar diante de um quadro extremo para buscar auxílio, dizem os especialistas. Mesmo uma inquietação sem maior gravidade pode ser pacificada pelo acompanhamento psicológico.
Ajuda da terapia. Para os pais
Foi a preocupação com as longas horas que as filhas gêmeas, então com 15 anos, dedicavam aos jogos online que levou a professora de Administração Angela Scheffer a procurar terapia. Membro de uma geração que foi adolescente antes da explosão do mundo virtual, ela via características de vício na paixão das meninas pela atividade. Sem saber como agir para proteger as filhas e, ao mesmo tempo, não ferir sua liberdade, recorreu à terapia.
— Eu precisei me tranquilizar, entender que mundo era esse, que jogos eram aqueles, com quem elas jogavam. Aos poucos, elas foram desenvolvendo outros interesses e a fase passou — recorda Angela.
Hoje com 20 anos, as garotas são adeptas de um estilo de vida saudável: praticam exercícios, comem alimentos naturais, não tomam bebida alcoólica e não se interessam tanto pela vida noturna. Seu grupo de amigas tem um perfil semelhante.
Estímulo ao diálogo
Para a empresária Andressa Guerrieri, mãe de uma garota de 13 anos e de um menino de nove, o adolescente quer conquistar novos limites e testa a paciência dos pais. Ela se preocupa com o excesso de confiança em sua capacidade de discernimento. A ingenuidade quanto à violência urbana pode colocá-los em risco, exemplifica.
— Conversamos sobre tudo, qualquer assunto. Deixamos claro que as decisões têm consequências, tentamos dar a noção de causa e efeito para tudo que acontece, tentando estimular os bons hábitos. A melhor atitude é eu estar constantemente disponível para dialogar — afirma Andressa, para quem é preciso saber a hora de dizer “não” e sustentar a posição.
Não sou dos que pensam que a adolescência é uma geração perdida. Ao contrário, acho que eles são a possibilidade efetiva de mudar as relações conservadoras, dar um contorno mais experimental para existência, trocar a lógica de como 'devemos ser' para o que 'queremos ser'”.
NELSON RIVERO
Psicólogo
O diálogo, porém, precisa ser provocado. Ao contrário das crianças, que falam o que lhes passa pela cabeça, os adolescentes são tomados por momentos de vergonha, afirma o analista de sistemas Alvaro. Ele dá abertura para que qualquer assunto possa ser abordado, mas se preocupa que, por introspecção, eles não venham a contar aos pais se ocorrer algo que os incomode na escola ou nas relações pessoais.
Além de estimular a comunicação dentro de casa, Alvaro conta com a rede de apoio afetiva, como avós, tios e padrinhos, para conversar com os filhos. Segundo ele, essa a ajuda “externa” é importante porque, quando são os pais que dizem algo, nem sempre os filhos dão ouvidos.
A nova paternidade
O impacto das relações digitais não é a única grande diferença da época em que os pais de hoje foram adolescentes. O papel familiar desempenhado pelos homens mudou muito no intervalo de uma geração – passou de coadjuvante para protagonista, ao lado das mulheres. Conforme o psicólogo Nelson Rivero Rivero, essa transformação foi um aprendizado também constituído na relação dos casais e na relação desses homens com suas mães. Alvaro relembra:
— O meu pai participava para jogar bola, por exemplo. O papel cuidador era da mãe. E isso mudou, a nossa sociedade mudou, trouxe os pais para mais perto dos filhos. Ter essa proximidade significa dividir todas as tarefas.
Para exercer essa nova paternidade, o homem têm o desafio de entender algo diferente daquilo que foi ensinado como “ser masculino”. O próprio aprendizado da masculinidade rígida e endurecida, explica Rivero, provocava sofrimento nos adolescentes do passado.
— A paternidade mudou, espera-se que mude, porque a vida é processo. Não sou dos que pensam que a adolescência é uma geração perdida. Ao contrário, acho que eles são a possibilidade efetiva de mudar as relações conservadoras, dar um contorno mais experimental para existência, trocar a lógica de como “devemos ser” para o que “queremos ser” — conclui o psicólogo.