O rito da colação de grau da turma de formandos em Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que aconteceu no dia 3 de fevereiro, corria conforme as normas-padrão. O aluno era chamado, era tocada a música escolhida por ele, abraços calorosos eram trocados com os colegas e o futuro bacharel em Relações Internacionais se encaminhava à mesa para assinar o diploma de conclusão de curso. A formalidade da celebração foi quebrada quando Eduardo Rius, 23 anos, foi anunciado e dançou o hit Parabéns, da cantora Pabllo Vittar, usando sapato de verniz com salto alto vermelho e um short dourado que estava por baixo da toga.
Misturando passos da coreografia original da canção e de vídeos que ele viu no Youtube, o jovem dirigiu-se ao centro do Salão de Atos da UFRGS, de frente para o público, levantou parte da toga para ter maior mobilidade para executar os movimentos e performou a música. Entusiasta da dança desde o Ensino Fundamental, ele conta que executou em algumas oportunidades os hits do astro do pop Michael Jackson na escola em Ibirubá, sua cidade natal. Já morando em Porto Alegre, a inserção na cultura da comunidade LGBT+ intensificou a paixão por esta manifestação artística.
O plano de fazer uma performance arrebatadora vinha sendo arquitetado há três anos. O salto alto vermelho foi um empréstimo de um amigo, já o short dourado — a cor favorita de Eduardo — é um velho companheiro dos carnavais e festas. A ideia surgiu após Eduardo ter visto alguns vídeos na internet, conta ele, que escolheu a música Parabéns por ser sua favorita.
— Além disso, Pabllo representa a comunidade LGBT+. Ela foi eleita uma das líderes da próxima geração (pela revista norte-americana Time, em 2019). Dançar foi a forma que encontrei para enfrentar o armário em que tentam nos colocar. Enfrentamos preconceito por nossas roupas e trejeitos, a performance afirma quem somos e mostra que não temos medo. Vivemos tempos sombrios e romper as amarras que tentam nos impor é fundamental para exercer a nossa cidadania — diz.
Os 30 segundos de dança renderam aplausos de grande parte dos presentes. Contudo, Eduardo afirma que quase não consegue lembrar do momento e da reação do público:
— Estava muito nervoso. Entre me chamarem, eu dançar e assinar meu diploma, o tempo passou voando. Soube que muitas pessoas aplaudiram e gritaram com entusiasmo.
Ataques nas redes sociais
A atitude do jovem não foi uma unanimidade. Ele conta que tem recebido muitos ataques na internet e cogita acionar a Justiça nos casos em que isso for possível.
— Me chamam de lixo, escória da humanidade, falaram que eu deveria ter perdido meu diploma, que eu sou uma vergonha para os meus pais. Essa minha atitude é sobre isso também, é um clamor à liberdade de ser quem se é, de liberdade de expressão. Tirando os casos de ofensa e difamação, sigo aquela linha de pensamento: "posso não concordar com que as pessoas dizem, mas defenderei até a morte o direito que elas têm de dizê-lo" — pontua.
O recém-formado observa que o Brasil tem uma chaga e os xingamentos dos quais tem sido alvo são reflexo de um problema histórico e estrutural de exclusão da comunidade LGBT+. Defende que é preciso mudar esta conjuntura:
— A LGBTfobia é muito forte no Brasil. Pessoas gays têm até mais privilégios que as transexuais, por exemplo, que tem média de vida de 35 anos.
O dado citado por Eduardo refere-se a uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2016. Vale lembrar que, enquanto a população trans vive, em média, até os 35 anos, a população tem expectativa de vida de 75,5 anos.
O que diz a UFRGS
Rui Oppermann, reitor da UFRGS, afirma que existem regramentos em relação à colação de grau que têm o intuito de garantir a natureza solene do ato, por ser uma cerimônia acadêmica e jurídica. Essas normas permitem, por exemplo, que o reitor ou responsável pelo andamento da celebração suspenda a colação, caso fique entendido pelo condutor que algo possa "comprometer o ato acadêmico e jurídico".
O reitor cita situação em que foi preciso suspender uma formatura, porque diversas pessoas estavam sentadas nos degraus do Salão de Atos e isso significava um perigo à segurança em caso de alguma emergência. O regramento, segundo Operrmann, serve também para manter sua ordem:
— É para evitar a espetacularização do ato formal. Isso, inclusive, é algo que está disponível em nosso site e os formados ficam cientes destas regras no dia do ensaio final e concordam com elas. A universidade tem normas estabelecidas e elas devem ser cumpridas pelos formandos, porque precisamos manter a solenidade de colação de grau. Contudo, entendemos que este momento é de conquista pessoal do estudante e de comemoração com os entes queridos. Dentro desta perspectiva, algumas manifestações espontâneas como esta podem acontecer e ir além do que as normas estabelecem.