No seu aniversário de 28 anos, 13 de maio de 1970, Paulo de Tarso Carneiro desfilou pelo corredor do Presídio Central, devidamente algemado, enquanto os apenados cantavam-lhe os Parabéns.
Naquela manhã, haviam ordenado que recolhesse suas coisas e deixasse a cela. Da penitenciária, foi levado até um trapiche na Vila Assunção, zona sul de Porto Alegre, e embarcado em uma lancha com mais três ou quatro dezenas de presos. Entre eles havia personagens que alcançariam projeção no futuro, como Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais entre 2015 e 2018, e Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores de 2011 a 2017.
O destino da barca era uma ilha de cem metros de comprimento e 60 metros de largura, a dois quilômetros da costa, já no município de Guaíba. Por causa das alvas rochas que a formavam, fora batizada oficialmente de Ilha das Pedras Brancas. Por causa da função dos dois pavilhões que se erguiam em meio à vegetação, no entanto, todo mundo a conheceu por outro nome: Ilha do Presídio.
No desembarque, Carneiro viu dezenas de homens serem retirados do cárcere e colocados na lancha. Eram presos comuns, que seriam substituídos pelos presos políticos. Estavam maltrapilhos e alguns se encontravam tão doentes e feridos que precisaram ser carregados.
– Aquela situação de miséria gerou pavor em nós – relata Carneiro, hoje com 77 anos.
Depois que a barca zarpou, os recém-chegados ingressaram no prédio. O cheiro era tão nauseabundo que tiveram de retirar as camisas para tapar o nariz. As paredes estavam cobertas de fezes, de sangue, de todo tipo de sujidade. O piso era um lago de água fétida. Não havia camas. As latrinas resumiam-se a buracos no chão.
Excetuando algumas breves saídas para interrogatório e tortura no Palácio da Polícia, Carneiro permaneceria encarcerado na ilha de pedra no meio do Guaíba pelos 11 meses seguintes.
– Todos os dias, junto com a esperança de sair, estava presente a angústia da ausência de liberdade, do pouco contato com familiares e de saber que outros estavam sendo torturados e mortos lá fora – conta.
O período como presídio político, durante a ditadura militar, é o capítulo mais conhecido da história da ilha, mas ela teve várias outras funções ao longo do tempo.
Na Guerra dos Farrapos (1835-1845), funcionou como entreposto farroupilha para o transporte entre Guaíba e Porto Alegre e como ponto de observação para as tropas imperiais. Entre 1857 e 1860, o Exército construiu prédios para servir de depósito de pólvora, uso que se prolongou até 1930.
No meio desse período, em 1902, um grupo de atletas que remava no Guaíba foi surpreendido por um violento temporal. Duas embarcações naufragaram e quatro pessoas morreram afogadas, mas os outros conseguiram se safar porque nadaram até a ilha.
Em 1940, depois da saída dos militares, o espaço passou à administração estadual, acolhendo um laboratório de pesquisas sobre peste suína.
A conversão em penitenciária veio em 1956, como prisão de alta segurança, mas com direito a uma fuga espetacular, que mobilizou a imaginação dos gaúchos: em 1958, o ladrão Julio de Castilhos Pitinelli montou em dois panelões usados para fazer a comida dos detentos e navegou assim por 15 horas, até aportar na Ilha da Pintada – onde voltou a ser capturado após umas poucas horas de liberdade.
Depois do golpe de 1964, chegaram os presos políticos. Mais tarde, os mendigos e os párias do sistema prisional. A função de cárcere só foi abandonada definitivamente em 1983.
Desde então, a ilha de tantas histórias aguarda para ocupar de novo um lugar na História. Embora tenha sido tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) em 2014, isso não garantiu proteção. Está desocupada e esquecida há quase quatro décadas. Nesse período, como comprovou uma visita recente de GaúchaZH, as importantes edificações lá existentes tornaram-se ruínas. Cobertos de pichações, os dois edifícios do presídio e as duas guaritas nas extremidades da ilha são esqueletos de concreto submetidos a saques brutais. Pisos, tijolos e telhados desapareceram. Até as pesadas grades de metal das celas e das janelas foram cortadas e levadas. As que ainda estão lá, em uma última janela, foram instaladas recentemente, para a gravação de um filme. São cenografia.
– Tudo o que podia ser roubado foi roubado. A ilha ficou um tempo abandonada. Está abandonada, na verdade – afirma Eduardo Raguse, coordenador da Amigos do Meio Ambiente (AMA), entidade ambientalista de Guaíba que tem promovido visitas guiadas e que desenvolve projetos para revitalizar o local.