Boa parte da grande ficção científica do século 20 foi dedicada a especular como poderia ser o século seguinte. Muitas dessas especulações sobre o que viria eram, na verdade, respostas a inquietações que já existiam, ou seja, daquele presente. Neste momento em que estamos chegando a 2020 (que pautou filmes como No Mundo de 2020 e quadrinhos como Visões de 2020), GaúchaZH lembra algumas dessas especulações. Acompanhe:
2001
Em uma época em que as viagens entre planetas são tão comuns quanto um voo comercial de avião, um misterioso monolito emite um sinal a partir da lua. O resultado é uma missão especial dedicada a investigar a existência de vida alienígena. Escrito como livro e adaptado quase simultaneamente para o cinema por Stanley Kubrick em 1968, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, o romance de Arthur C. Clarke, espelha a grande curiosidade despertada pela corrida espacial então em seu auge na Guerra Fria. Curiosamente, as Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury (1946), situam em 2001 o início da colonização humana por Marte.
2015
Em um mundo em que um aparente impacto provocado pelo choque de um asteroide matou 2 bilhões de pessoas e destruiu vastas áreas do mundo, a reconstruída cidade de Neo Toquio passa a ser atacada, em 2015, por construtos alienígenas superpoderosos chamados de “anjos”. A única esperança da humanidade fica a cargo dos Evangelion, robôs gigantes pilotados por adolescentes. A série Neon Gênesis: Evangelion, exibida originalmente em 1995 e criada pelo artista Hideaki Anno, tornou-se um marco do anime. Bebendo no gênero cyberpunk e no milenarismo místico do fim dos anos 1990, mistura o tradicional gênero japonês “mecha” com divagações sobre a origem da vida e questões de identidade.
2019
Em Blade Runner, cuja narrativa se passa em 2019, androides com aparência humana e maior capacidade física são usados como trabalhadores braçais em estações espaciais e em asteroides de mineração, em condições de semiescravidão. Seis deles fogem em direção à Terra. O planeta está superpovoado e acossado por uma chuva constante, com uma população animal praticamente dizimada e substituída por réplicas robóticas. Em Los Angeles (cenário do filme), a etnia oriental parece ser a maioria. O filme que Ridley Scott dirigiu em 1982, a partir do romance de Philip K. Dick, reflete o momento de explosão da economia do Japão e dos Tigres Asiáticos, que, dizia-se na época, logo suplantariam a economia americana.
2026
A grande cidade do futuro se divide entre castas de privilegiados vivendo uma vida idílica no alto dos grandes edifícios e uma imensa classe de empregados que trabalham duro em regime de escravidão para produzir os bens necessários para o consumo dos ricos. Nesse contexto, um cientista cria uma inteligência artificial programada com os padrões cerebrais de uma líder operária. Metrópolis, o romance da escritora alemã Thea von Harbou, foi escrito já com o intuito de ser adaptado por seu marido, Fritz Lang, no clássico de mesmo nome, lançado em 1927 e que se passa em 2026.
2030
Fruto da expansão urbana desenfreada do fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, período ainda marcado pela Guerra Fria e por um crescimento da criminalidade, o clássico mangá Akira, de Katsuhiro Otomo, retrata um mundo arrasado em 2030, poucos anos antes na Terceira Guerra Mundial. Grandes cidades, como Tóquio e Nova York, ainda estão sendo reconstruídas (incluindo pontes que conectam os continentes), a criminalidade é alta e gangues de motoqueiros dominam as ruas. O clima político instável deixa prever a iminência de um quarto e ainda mais destruidor confronto.
2035
Um programa experimental foi bem sucedido em criar a viagem no tempo. Mas a terra do futuro, em 2035, é um lugar despovoado e contaminado por um vírus ambiental que dizimou a maioria da população da Terra e levou os sobreviventes a se refugiar em abrigos subterrâneos. Nesse cenário, um homem condenado à prisão tem a oportunidade de ter sua sentença comutada se arriscar-se na viagem experimental ao passado e descobrir o que causou a praga, 40 anos antes, numa tentativa de alterar o passado. Lançado em 1995, o filme Os 12 Macacos, de Terry Gilliam, é fruto de uma época em que muito se discutia terrorismo, meio ambiente e terrorismo ambiental.
2054
A descoberta de mutantes paranormais com capacidade de prever o futuro leva o governo a instaurar uma força policial capaz de prender criminosos antes que eles cometam crimes. Tanto o filme Minority Report, de 2002, quanto o conto que o originou, de Philip K. Dick, são produtos de seu próprio tempo, discutindo a complexa relação entre medidas autoritárias e autonomia individual. O filme foi lançado na Era Bush do Patriot Act, promulgado após o 11 de Setembro de 2001. Já o conto foi publicado em 1956, durante o macarthismo que perseguia americanos acusados de ligações reais ou imaginárias com o comunismo.
2071
Um acidente com um portal de hiperespaço deixou a Terra praticamente inabitável, levando a humanidade a se espalhar por luas e asteroides em 2071. Com a escalada da criminalidade e a diminuição dos recursos das forças policiais, as autoridades permitem a atividade dos “cowboys”, que vagam pela galáxia à caça de criminosos a serem entregues vivos em troca de recompensa. A trama do clássico anime Cowboy Bebop, dirigido por Shinichiro Watanabe baseado na criação de Hajime Yatate, conquistou a crítica no fim dos anos 1990 discutindo a solidão existencial característica da época.
2084
Como nas melhores distopias, o futuro não chegou para todo mundo. Há colônias de férias em Marte, mas só para quem pode pagar e gerenciadas por um regime autoritário que oprime trabalhadores no local. Para os proletários mal pagos da Terra, o que dá para fazer é implantar memórias que simulam com riqueza de detalhes a viagem que eles não têm dinheiro para pagar. O Vingador do Futuro, filme de Paul Verhoeven de 1990, adapta o conto Podemos Lembrar para Você por um Preço Razoável, também de Philip K. Dick. É o filme que escolhe a datação de 2084, já que no conto original a história se passa apenas “em um futuro não muito distante”.