Débora Laks*
Estamos chegando ao fim de dezembro. Certamente logo encontrarei Luiza no elevador – Luiza e sua mala. Ela é minha vizinha e, nesta data, costuma fugir dos festejos de fim de ano. Não lhe agrada o ritmo que a cidade fica neste período, então escapa para um lugar tranquilo.
No outro extremo, há quem entre na famosa correria de fim do ano. Essas pessoas vão rumo ao shopping center mais próximo para comprar presentes para todos que lhes rodeiam. Correm para ver quem não viram durante o ano. Também anseiam em reatar com quem estejam estremecidos.
Na televisão, assistimos às propagandas natalinas. Famílias perfeitas que festejam sem rusgas, com decorações impecáveis e presentes incríveis.
O fim de ano gera os mais diversos sentimentos. Talvez possa ocasionar um processo de luto pelo ano que se encerra. O que ficou para trás? O que não pôde ser feito? O sentimento de pesar é comum neste momento em que fazemos um balanço. Pode haver um desgosto pairando no ar, nos abatemos pela ilusão perdida, os sonhos que não atingimos.
A convenção de que o ano se encerra em dezembro dá o que falar. Em alguns momentos, parece que o mundo vai acabar. Não haverá tempo! O tempo irá se esgotar logo ali! Bem-vinda angústia de fim de ano! Vamos revê-la?
Talvez a principal aflição desta época seja gerada pelo ideal que fantasiamos. Imaginávamos que finalizaríamos o ano de certa forma e nem sempre é o que ocorre.
Freud trouxe uma importante colaboração quando descreveu a idealização, desenvolvendo temas relativos ao narcisismo. Chamou atenção para a etapa do desenvolvimento infantil, quando a criança desenvolve uma ideia de si relacionada ao desejo dos pais e das expectativas sociais, sendo cunhada pela onipotência infantil e pelos ideais de perfeição dos genitores. No desenvolvimento emocional saudável, as pessoas vão renunciando à onipotência narcísica infantil, ampliando suas relações com a realidade externa (professores, líderes, ideais pessoais) e, desta forma, tolerando as inevitáveis frustrações da vida.
O poeta Manoel de Barros escreveu que “as coisas que não existem são mais bonitas”. Penso que essa compreensão atenta para a realidade, que não costuma ser nada perfeita. O autor justamente versa sobre “uma didática da invenção” e, em sua poética, deixa clara a necessidade da delicadeza, da humildade e da perseverança para apreciarmos a vida: “Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber / Que o esplendor da manhã não se abre com faca”.
Um renascimento a cada 24 horas
As festas familiares costumam ter suas confusões e, em dezembro, para a maioria das pessoas, fechamos um ano com alguns dias bons, outros ruins e, também, por que não dizer, temos os dias péssimos. Ainda que fechemos o ano com um superávit, normalmente a sensação não é de plenitude. Difícil, se não impossível, ser pleno 365 dias do ano. Então, levando em consideração os desacordos, as imperfeições e as insatisfações, quais recursos você tem para ter o melhor fim de ano possível?
Quem sabe esse exercício seja útil não só para finalizar o ano, mas como um projeto de vida. Se conseguirmos sair dos ideais e lutarmos para curtir o real, construindo um momento por vez, me parece que teremos bons resultados. Escrevendo parece simples, mas está muito longe de ser! Muito trabalho há em tolerar o real e buscar o viável.
O ano finda e talvez surja a oportunidade de um renascimento. Renascemos toda vez que nos reencontramos, a cada nova história que iniciamos. Usamos corriqueiramente a expressão “ao nascer do dia”. Por que não poderíamos nascer outras vezes se o dia nasce a cada 24 horas?
A escrita de novas narrativas de vida deve ser motivo para esperança. O frescor do novo pode suplantar o aborrecimento pela ausência de oportunidades, pelo fim. Geniais as pessoas que inventaram de convencionar o tempo, os dias, os meses e os anos. Parece que iniciamos o texto nos defrontando com o caos e 2020 já nos traz margem para boas perspectivas. Como diz a música: “Adeus, ano velho! Feliz ano novo! Que tudo se realize, no ano que vai nascer!”.
*Psicóloga