Uma briga entre vizinhos está indo longe — e deve chegar, nesta quinta-feira (10), a uma das mais altas cortes do Judiciário brasileiro. Em sessão prevista para as 10h, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará um processo com origem em Porto Alegre envolvendo a locação de quartos e apartamentos por meio de aplicativos como o Airbnb, que conectam, direta e virtualmente, anfitriões e hóspedes.
A ação é movida por um condomínio na Avenida Carlos Gomes, bairro Mont'Serrat, contra os proprietários — mãe e filho — de duas unidades no prédio. Os demais condôminos reclamam da oferta de hospedagem mediante pagamento de diárias e da alta rotatividade de estranhos, que ganham inclusive cópia da chave do portão de entrada, nas dependências do edifício. A decisão de Brasília deve criar um precedente jurídico, podendo servir de base para questionamentos futuros sobre o mesmo tema. A Airbnb, interessada na discussão e em seus desdobramentos, pediu para participar da sessão no STJ.
O processo tramita desde 2014, ano da Copa do Mundo do Brasil, quando a expectativa pela chegada de milhares de torcedores para as partidas jogadas na Capital fez com que muita gente sonhasse com um dinheiro extra, resultante da disponibilização temporária de um ou mais cômodos da própria casa, ou até da residência inteira, para turistas. O advogado que representa o Condomínio Coorigha, Alexandre D'Ávila, relembra que a passagem ruidosa de uma turma de argentinos colaborou para azedar os humores da vizinhança. Ao reclamar o cumprimento dos deveres dos moradores, o condomínio argumenta que a prática de locação por aplicativos configuraria contrato de hospedagem (semelhante ao que é firmado por clientes com hotéis e pousadas), o que viola a convenção do condomínio — são vetadas atividades comerciais dentro do edifício residencial.
— Hoje as pessoas têm, dentro do condomínio, sua última instância de segurança. A partir do momento em que começam a circular diversas pessoas diferentes, começa a haver uma restrição quanto a isso — comenta D'Ávila, citando o caso da família brasileira que morreu no Chile em maio, por intoxicação de gás, em um apartamento locado via Airbnb. — Imagina colocar no prédio pessoas que não conhecem a edificação, rotas de fuga em caso de incêndio e a operação do sistema de gás — alerta.
Outros elementos, como prestação de alguns serviços aos inquilinos captados pelos apps (disponibilização de conexão de internet e lavagem de roupas) e modificações estruturais em um dos apartamentos para que pudesse acomodar mais gente, também constam do processo. Os réus alegaram que "não pode ser obstado o direito de livre uso e fruição de seus imóveis" e que "a atividade de lavar roupas dos locatários surgiu como um ato de carinho", conforme o texto do acórdão do STJ. Advogado dos proprietários dos apartamentos que estão no centro das desavenças, César Augusto Boeira da Silva confirma que são realizadas locações temporárias, mas nega que isso esteja em desacordo com as normas.
— Esses elementos não desconfiguram a atividade preponderante, que é a locação. Lavagem de roupas, qualquer condômino pode fazer isso para vizinhos. Essas locações não violam a disposição da convenção. Elas continuam sendo usadas para fins residenciais, ainda que por poucos dias, e o fato de ser auferida uma renda, ainda que por poucos dias, não desconfigura o ato de locação. Essas atividades não configuram contrato de hospedagem — insiste Silva.
Decisão do STJ criará precedente
A ação foi julgada como procedente em favor do condomínio na primeira instância. Após recurso, o Tribunal de Justiça confirmou essa decisão. Como os proprietários recorreram novamente, a matéria será analisada agora pelo STJ. Se houver permissão para que um representante do Airbnb esteja na sessão desta quinta, o julgamento poderá ser adiado em 15 dias. Contatada por GaúchaZH, a assessoria de imprensa do aplicativo se manifestou por meio de uma breve nota: "É importante destacar que qualquer decisão do STJ neste caso é pontual e específica e não vincula outras ações relacionadas à atividade de aluguel por temporada”.
A decisão do STJ criará um precedente, ou seja, poderá servir de base para casos posteriores semelhantes, mas não firmará uma jurisprudência obrigatória porque o caso não está sendo julgado sob o rito do chamado recurso especial repetitivo. Isso significa que a decisão não estará vinculada aos demais anfitriões do Airbnb e de plataformas similares, que locam cômodos e imóveis por contratos temporários, sem intermediários. A conclusão do STJ se referirá, unicamente, ao caso de Porto Alegre.