Os 184 bispos reunidos no Vaticano para o Sínodo sobre a Amazônia pediram neste sábado (26) ao Papa Francisco a possibilidade de ordenar padres casados na região. A decisão aponta para uma tentativa de modernização da Igreja Católica. O tema foi um dos mais polêmicos da votação. Na prática, não significa que padres poderiam se casar, mas que homens casados, considerados "idôneos", possam assumir funções de sacerdócio. Seria uma forma de suprir a falta de padres em algumas regiões.
"Propomos o estabelecimento de critérios e disposições por parte da autoridade competente (...) para ordenar sacerdotes homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente produtivo e recebam uma formação adequada para o presbiterado, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável", diz o documento entregue ao pontífice.
A possibilidade histórica de ordenar homens casados como padres, os chamados "viri probati" (em latim significa homens com caráter atestado), foi uma das questões que mais gerou críticas entre os conservadores e que foi amplamente abordada ao longo das três semanas no Sínodo. O assunto divide o clero porque parte dele enxerga a medida como uma tentativa de acabar com o celibato dos padres, em vigor desde o século 11.
Por outro lado, a medida é defendida como forma de ampliar a presença da Igreja Católica nesses locais. Pelo menos 70% das comunidades da região amazônica não têm acesso à missa dominical. O documento aprovado pela assembleia agora será analisado pelo Papa Francisco. Ele decidirá quais das medidas serão implantadas pela Igreja.
Pecado ecológico
O relatório também trata do "pecado ecológico", um conceito elaborado durante o sínodo. O objetivo, segundo os bispos, é promover uma "conversão ecológica" dos católicos, considerando a destruição do meio ambiente como um pecado "contra Deus, contra os outros e contra o futuro".
— Os pecados ecológicos são algo novo para a Igreja. Devemos começar a confessá-los — pediu dom Brito Guimarães, arcebispo de Palmas, capital de Tocantins, perante os religiosos.
Os bispos ouviram o testemunho de indígenas, especialistas, missionários e freiras, que falaram sobre a destruição da floresta, reconheceram sua preocupação com a contaminação da água com mercúrio e com a violência contra as mulheres indígenas.
— A Igreja entrou numa luta sem retorno em defesa da terra, da água e do ar; e na vanguarda da defesa climática — afirmou o presidente da Conferência Episcopal Argentina (CEA), dom Oscar Ojea.
Na abertura do sínodo, em 6 de outubro, o Papa Francisco já havia condenado os "interesses que provocam fogo na região" da Amazônia. O papa criticou o fogo que "devastou recentemente a Amazônia", pediu que a Igreja não se limite a uma "pastoral de manutenção" e que o sínodo tenha inspiração para "renovar os caminhos para a igreja" na região.
O papel das mulheres
A decisão do sínodo sobre a possibilidade de criação do diaconato feminino (que permitia às mulheres, por exemplo, celebrar batizados e casamentos) foi de debater mais o tema dentro da Igreja Católica. Parte dos bispos da região amazônica defende que sejam criadas funções para as mulheres, também por conta da escassez de padres.
A medida é vista como uma tentativa de reconhecer oficialmente o que acontece em comunidades na Amazônia. Muitas das participantes que vivem na selva já percorrem trilhas, batizam, celebram casamentos, ouvem confissões e convivem com violência, tráfico de drogas, prostituição e exploração da terra.
Desde que foi eleito pontífice em 2013,o Papa Francisco propôs abrir as portas para as mulheres na Igreja, nomeou algumas para postos relevantes e deu-lhes a palavra no sínodo, mas sem poder de voto.
O celibato
Para Dom Leomar Antônio Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre, o documento reúne elementos que eram esperados, como a preocupação com os povos indígenas e com a transmissão da fé na região da Amazônia. O religioso entende que alguns pontos que não são consenso dentro da Igreja, como a ordenação de homens casados para atender as populações amazônicas, demandam debate mais aprofundado. Ele acredita que cabe agora esperar a análise do Papa Francisco.
— Percebo a ordenação de homens casados como um ponto complexo. O celibato não é um dogma na Igreja do ocidente, é uma disciplina. Porém, tem seu grande valor. Especialmente numa dimensão espiritual. Acho que é uma questão que precisamos aprofundar mais. Eu pessoalmente defendo o sacerdócio celibatário. Mas na Igreja há situações em que, para manter o bom atendimento, não é uma condição indispensável. Mas minha opinião é de valorizar o celibato sacerdotal.
O religioso também destaca que o texto tem foco em valorizar o papel dos leigos na Igreja (aqueles sem formação teológica) e isso inclui as mulheres. Afirma que considera o texto propositivo para que a Igreja entre cada vez mais em diálogo com as culturas locais. E que tenha olhar voltado para aquelas comunidades isoladas.
— Algumas comunidades levam meses ou até anos para terem uma missa. Pela dificuldade de acesso. É uma realidade que precisamos enxergar. É um desafio de evangelização, diante de uma pluralidade cultural que lá existe— afirma o bispo, que em novembro viajará para a Amazônia.
Entenda o Sínodo
O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez.
Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reúnem entre 6 e 27 de outubro, no Vaticano.
Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.
Quem participa
O Sínodo da Amazônia reúne 184 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 58 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas --no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões.
Principais polêmicas
Este sínodo tem recebido críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.