Uma ponte imaginária atravessa 250 anos no tempo para aproximar o editor de livros Claude Alzieu, 70 anos, e a pintora e fotógrafa Simone Simpéré, 66, a alguns dos botânicos mais importantes da história. Os dois — casados por uma década, divorciados há quatro anos e hoje grandes amigos — partiram em agosto da cidade de Rochefort, no oeste da França, para refazer a volta ao mundo científica que o navegador francês Louis-Antoine de Bougainville traçou entre 1766 e 1799.
Na última semana, a dupla esteve em Porto Alegre, a única parada no Brasil, antes de partir para Montevidéu, no Uruguai. Como quem se desvencilha de supérfluos, Claude e Simone venderam carro, livros e pinturas. Juntaram 28 mil euros (R$ 127,5 mil), despediram-se dos filhos e partiram, em agosto, para uma volta ao mundo.
A viagem é motivada pelo aniversário de 250 anos da empreitada de Bougainville, francês que recebeu do imperador Luís XV, no século 18, a missão de circum-navegar o planeta para fazer frente ao poderio da marinha inglesa.
Na tripulação de 250 anos atrás, havia um naturalista: Philibert Commerçon, que recolheu 30 mil espécies de plantas nos países onde desembarcou. No Rio de Janeiro, uma das paradas, o botânico encontrou uma "planta admirável de grandes flores de um violeta suntuoso". A espécie recebeu o nome de "buganvília", em homenagem ao chefe. No retorno, todas as plantas recolhidas foram levadas para o Museu de História Natural de Paris, onde outro naturalista, Jean-Baptiste Lamarck, catalogou as espécies e criou um dicionário de botânica. O conhecimento revolucionou a sociedade europeia da época.
Uma caminhada no Jardim Botânico
Na viagem do século 21, Claude e Simone, por motivo de custos e tempo, tomaram liberdade poética: além de barco, viajarão de avião e ônibus; em vez de dois anos e meio de viagem, nove meses; e o Rio de Janeiro foi trocado por Porto Alegre. Amigos de longa data, os dois dividem a paixão por botânica e descrevem a volta ao mundo de Bougainville com admiração, como se quisessem ter participado da história.
Na última terça-feira, encontraram GaúchaZH para uma caminhada no Jardim Botânico, onde admiravam as espécies locais e tiravam fotografias. Curiosos, observavam o ambiente com a calma e a presença de quem grava na mente um lugar para o qual demorará a retornar.
— É incrível o tamanho das plantas aqui no Brasil — diz Claude, ao tocar uma alta de fino caule, enquanto Simone metia a cabeça debaixo de uma grande folha.
— Na França, tudo é menor. Lá, por exemplo, o abacate é bem pequeno. Aqui, é enorme — compara o editor.
No século 18, o naturalista Commerçon teve como auxiliar nas descobertas a governante da própria casa, Jeanne Baret, que se tornou especialista em botânica. À época, era impossível uma mulher participar de tal aventura. Com a complacência do chefe, de saúde frágil, Jeanne se disfarçou de homem, tal qual Mulan, do filme da Disney. Ninguém percebeu a proeza até o fim da viagem, quando indígenas do Taiti descobriram que o desbravador era, na verdade, uma desbravadora. Um detalhe desapercebido pelos europeus foi notado pelos taitianos: o cheiro de Jeanne, diferente dos homens. Hoje, ela é conhecida como a primeira mulher da história a ter feito uma volta ao mundo de navio.
— Me sinto um pouco como a Jeanne, nesta aventura cheia de descobertas — diz Simone, enquanto aponta para uma flor roxa.
— A senhora não teve medo? — questiona o repórter.
— Primeiro, sim. Quem não teria? Depois, não. Peguei todas as minhas economias e disse a meus filhos: vocês não terão herança, eu vou viajar! Eles me deram total apoio.
Peculiaridades gaúchas
Claude e Simone salientam o que mais gostaram em Porto Alegre: simpatia dos gaúchos, arroz e feijão, batida de abacate, caipirinha e o piquete no acampamento Farroupilha, onde o patrão convidou para entrar e ofereceu churrasco e mandioca. Nas anotações de viagem, Simone descreve com detalhes a natureza tropical porto-alegrense, mencionando "a árvore sumaúma, o ipê roxo, as flores rosa e amareladas que anunciam a primavera, o brinco da princesa, a cor fúcsia, as palmeiras, as orquídeas". Com a sabedoria dos 66 anos, observa que Porto Alegre não é tão diferente da França:
—É engraçado ver que, em todas as grandes cidades, há uma uniformização que faz as pessoas consumirem os mesmos produtos, das mesmas poucas grandes marcas. Isso me chocou. Ao mesmo tempo, também vi muitas particularidades, como o candomblé, os orixás e o sincretismo religioso — observa a artista.
Ao fim do passeio, Claude e Simone observam as tartarugas em frente a um lago do Jardim Botânico.
— Também vimos o pôr do sol no Guaíba. Nos disseram que é o mais lindo do mundo — diz Simone.
— Isso é algo que falam aqui. Vocês concordam? — pergunto.
— É belo, sim — responde a viajante.
O que foi a viagem de Bougainville?
Louis-Antoine de Bougainville (1729-1811) foi um navegador e explorador que deu a primeira volta ao mundo oficial do governo francês. Em 1776, ele partiu com dois navios e 340 marinheiros, incluindo um cartógrafo, um naturalista e um astrônomo.
O naturalista era Philibert Commerçon, que, ao longo da viagem, teve como assistente um faxineiro que depois se tornou especialista em botânica: Jean Baret — na verdade, uma mulher, Jeanne Baret, que se disfarçou do sexo masculino para participar da viagem. Em 1767, os marinheiros estiveram no Rio de Janeiro, onde Commerçon encontrou uma planta nativa, à qual deu o nome de "buganvília", em homenagem ao chefe da expedição.