No coração da Vila São Pedro, no bairro Partenon, em Porto Alegre, está localizada a Escola Comunitária de Educação Infantil Nossa Senhora Aparecida, que atende, aproximadamente, 72 crianças em turno integral. Ali, entre becos e vielas ornados por casas simples e que vivenciam, cotidianamente, o vaivém de carrinhos de reciclagem puxados por homens e mulheres, está cravada a creche que sobreviveu a um curto-circuito em 2018, enquanto os alunos estavam no local. A partir deste episódio, que assustou os pais dos pequenos, voluntários da ONG Engenheiros Sem Fronteiras (ESF) se ofereceram para dar uma solução aos problemas elétricos do prédio.
A instituição de ensino comunitária é fruto da parceria entre a prefeitura de Porto Alegre e a Associação de Moradores da Vila São Pedro, que recebe recursos mensais do município para promover a administração do local. As vagas são públicas e gratuitas. A escolinha, de 230 metros quadrados, é composta por quatro salas de aula e um grande hall. É a única creche responsável pelo acolhimento das crianças da Vila São Pedro desde 1981.
A ESF não tem fins lucrativos. É formada, majoritariamente, por estudantes de Engenharia, mas também de outras áreas do conhecimento. Busca ofertar a pessoas e comunidades em situação de vulnerabilidade social, por meio de projetos de engenharia, soluções que aumentem a sua qualidade de vida. Além de atuar nesta frente, a ONG desempenha atividades voltadas para o empreendedorismo, sustentabilidade e educação, como aulas de reforço de Inglês e de Matemática.
O grupo da Capital atua desde 2017. A reforma do setor elétrico da creche na Vila São Pedro surgiu a partir de uma rede de ONGs de Porto Alegre. A ESF conheceu a comunidade por meio do grupo Despertar, que já realizava ações junto aos moradores da localidade e percebeu a necessidade de certas melhorias de infraestrutura e realização de um Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) na creche. Neste momento, a ESF entrou em contato com a Associação de Moradores da Vila São Pedro, relembra o estudante de Engenharia Elétrica, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e diretor-geral da ESF, Kauê Santos, 24 anos.
— Percebemos que eles precisavam de um projeto elétrico novo. Levei esta demanda para a sala de aula, desenvolvemos o plano na faculdade e mobilizamos a equipe de voluntários. Também buscamos o que era necessário para captar os recursos que permitissem a sua execução — diz o jovem, que integra o grupo desde o início de 2018.
Ajuda veio na hora certa
A reforma tem andado a passos miúdos. Começou em agosto do ano passado e a previsão de término é para a primeira quinzena de outubro. Os reparos são feitos e intensificados nos feriados, nos finais de semana e no período de férias de faculdade dos voluntários. Além da renovação da elétrica, foi feito o PPCI da creche por outros dois voluntários _ um engenheiro eletricista e uma arquiteta já formados. O plano passará pela vistoria do Corpo de Bombeiros nos próximos dias.
Os voluntários auxiliaram a associação de moradores, que já fazia modificações estruturais na escola, a fazer a raspagem do antigo piso para a colocação de um novo e a pintura das paredes da instituição. A ESF buscou a doação de tintas e cimento-cola para as obras, destaca a presidente da associação de moradores, Maria José Ferreira, conhecida na comunidade como Zezé.
— A mão de obra deles nos ajuda e ajudou bastante. A nossa fiação elétrica estava horrível, repleta de cabos emendados. Agora, estamos conseguindo criar um espaço seguro para os professores trabalharem e para as crianças ficarem. É uma parceria muito boa que a gente criou, que chega dar um alívio no peito — diz Zezé que explica que as aulas ocorrem normalmente durante os dias úteis e que os consertos são feitos nos finais de semana, quando as crianças não estão na instituição.
Para conseguir a verba necessária para a execução desta transformação na creche _ que exigiu, até o momento, o investimento de R$ 10 mil _, são realizadas atividades como vaquinha online, brechós, venda de doces no Parque da Redenção, na Capital, cursos pagos para acadêmicos de Engenharia etc.
Para Kauê, a coesão do grupo está justamente em sua interdisciplinaridade. Entre os 48 voluntários, há estudantes de Direito, pessoas responsáveis pelo marketing, futuros arquitetos e engenheiros.
— A coordenação das ações se dá pela pluralidade de saberes, mas também pelo comprometimento de quem está envolvido. A gente tem uma equipe muito forte de gestão para realmente conseguir aplicar e compartilhar o conhecimento que temos — ressalta.
Expansão da rede de solidariedade
Para o secretário municipal de Educação, Secretário Adriano de Brito, a união entre sociedade civil e os colégios está rendendo bons frutos.
— A Smed (Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre) agradece o empenho da Engenheiros sem Fronteiras em apoiar a melhoria da qualidade do ensino ofertado pela rede comunitária. A participação da sociedade nas escolas é muito positiva — avalia.
Entrante no grupo, a engenheira civil e estudante de Design de Produto Sandra Peres, 51 anos, está há três semanas envolvida com a ONG. Entre o subir e descer de escadas, cortar e alcançar cabos de eletricidade, ela relata que há tempos queria aplicar o conhecimento adquirido nos bancos acadêmicos, já que nunca conseguiu se inserir no mercado da Engenharia.
— Queria compartilhar o que sei e aprender. Estou feliz com a chance de ministrar oficinas para estudantes e dá orgulho, uma satisfação ver que estamos tentando provocar a transformação na vida de alguém — diz.
Um dos passos dados pela ESF, este ano, para a expansão da sua atuação em Porto Alegre foi o fechamento de uma parceria junto aos Institutos Federais do Rio Grande do Sul (IFRSs). A ideia é que projetos práticos sejam inseridos dentro das disciplinas de determinados cursos para ampliar a abrangência das ações, explica Kauê:
— As ações não estão em andamento ainda, mas o propósito é que a gente consiga executar mais mudanças em outras comunidades de Porto Alegre tendo este elo com os IFRSs, pensando em como os alunos podem colocar em prática os conhecimentos adquiridos no curso técnico de Eletrônica, por exemplo.
Movimento global
A iniciativa é empoderadora, mas não é nova. Ela existe desde os anos 1980, na França, e está presente em 65 países. No Brasil, chegou em 2010 e mais de 70 cidades têm núcleos dos ESFs. Somente o Rio Grande do Sul tem seis células _ em Porto Alegre, São Leopoldo, Frederico Westphalen, Pelotas, Rio Grande e Santa Maria, que é a mais antiga.