Principal intelectual do pensamento conservador britânico, Roger Scruton consolidou-se como uma referência mundial do movimento há anos. Recentemente, tornou-se também um dos gurus da nova direita brasileira.
Aos 75 anos, é autor de mais de 30 livros que transitam sobre estética, filosofia e política. Traduzidas para o português, mais de uma dezena de suas obras estão publicadas no Brasil – entre elas, Como Ser um Conservador e As Vantagens do Pessimismo. Nas suas publicações, coloca-se como a antítese do progressismo e um crítico do pensamento de esquerda. Para ele, as pautas identitárias são assuntos minoritários que pouco interessam à maioria. Essa, sim, está preocupada com o que realmente importa: o país e a ordem.
Em Tolos, Fraudes e Militantes – Pensadores da Nova Esquerda, publicado no Brasil no ano passado, o conservador questiona autores como Jacques Lacan, Jürgen Habermas e Michel Foucault, referenciados pela esquerda no último século. Em um país polarizado, o livro gerou debate entre intelectuais – há quem o considere panfletário e raso, há quem classifique suas críticas como procedentes e densas.
Assim pode-se resumir Scruton: ele é um polemista. Não por acaso, quem apresentou suas ideias ao Brasil foi Olavo de Carvalho, o ideólogo de Jair Bolsonaro. Em 2011, Olavo comemorou em seu blog que o “indispensável” Scruton chegara ao conhecimento do público brasileiro. “Ele diz o que todo mundo pensa mas não tem meios de dizer em voz alta”, escreveu. Olavo referia-se à primeira entrevista do britânico à imprensa brasileira de que se tem notícia, concedida às páginas amarelas da revista Veja em setembro daquele ano.
A ZH, em entrevista concedida por telefone, Scruton sublinhou sua defesa da saída do Reino Unido da União Europeia, criticou o parlamento britânico e disse que a União Europeia é uma ameaça à democracia no continente. Porém, ao ser questionado sobre o cenário brasileiro, foi cauteloso:
– Sei que Bolsonaro é um presidente controverso, mas quem, na política brasileira, não é controverso?
Para Scruton, instituições fortes são fundamentais para manter a estabilidade diante de governantes populistas. Ao presidente norte-americano Donald Trump, ele confere o título de “personagem excêntrico”. E nega que a democracia ande mal. Afinal, líderes são pessoas em constante mudança, o que faz com que a ideia de crise esteja sempre no horizonte.
Ex-professor da Universidade de Londres, atualmente leciona na Universidade de Buckingham. Além das aulas, divide-se como membro da Academia Britânica, do Centro de Ética e Política Pública, em Washington, da Sociedade Real de Literatura e do Future Symphony Institute, entidade dedicada a popularizar a música clássica.
Dono do título de “Sir”, concedido pela rainha Elizabeth II em 2016, Scruton estará em Porto Alegre nesta segunda-feira (1º/7), quando será o conferencista do Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da UFRGS.
A identidade é o que faz com que as pessoas permaneçam juntas, como uma comunidade. Isso está ameaçado por uma série de motivos: migração, dificuldades econômicas, perda da religião, colapso da educação e assim por diante. Trump e esses outros nomes (Bolsonaro, Orbán) têm esse poder porque as pessoas estão perturbadas com as mudanças que as afligem.
Um de seus principais livros chama-se Como Ser Um Conservador. Afinal, o que significa ser um conservador?
O conservadorismo significa uma constante consciência da sua herança e da história da sua nação. Esse é o desejo do conservador. Afinal, tudo no mundo está sob ameaça. Tudo pode mudar, mas todos sabemos as coisas boas que queremos manter – e as coisas ruins que queremos mudar. O conservador acredita na ênfase às coisas boas. E trabalha duro para conservá-las.
O que seriam essas “coisas boas”?
Isso varia conforme cada país. O Brasil, por exemplo, é um caso especial. Já no Reino Unido, temos leis e um sistema de governo milenar que são preciosos aos britânicos. Isso é o que queremos manter. Além de um belo meio ambiente. Temos um processo político e uma religião que queremos manter. Em resumo, todas essas coisas relacionadas à herança nacional. O conservador é simplesmente alguém que diz: “Essas são as coisas boas e elas nos pertencem. Então, vamos mantê-las”.
Nos últimos anos, o mundo assistiu ao Brexit e às eleições de Donald Trump, Jair Bolsonaro e do húngaro Viktor Orbán, entre outros. O senhor concorda que vivemos uma onda conservadora?
Bom, se eles são conservadores, isso é outra pergunta. Mas, sim, há um novo tipo do que alguns chamam – eu não gosto dessa palavra – de populismo. Um novo sentido às pessoas que querem recapturar a sua identidade. Trata-se disso. A identidade é o que faz com que as pessoas permaneçam juntas, como uma comunidade. Isso está ameaçado por uma série de motivos: migração, dificuldades econômicas, perda da religião, colapso da educação e assim por diante. Quando se olha para Trump e para esses outros nomes… Eles têm esse poder, porque as pessoas estão muito perturbadas com as mudanças que as afligem.
Trump é um personagem excêntrico. Não é uma pessoa que você pensaria espontaneamente como um líder ou exemplo. É um homem de negócios que age da maneira mais ultrajante possível. Mas algo dele sensibilizou as pessoas.
Então, o senhor não os classifica como conservadores?
É muito difícil descrever Trump como conservador. Ele tem – e todo mundo tem – elementos conservadores. Para colocar em palavras, ele é um personagem excêntrico. Não é uma pessoa que você pensaria espontaneamente como um líder ou como um exemplo. Ele é um homem de negócios que age da maneira mais ultrajante possível. Mas algo dele sensibilizou as pessoas comuns. E esse é o ponto, certo?
E como o senhor avalia Jair Bolsonaro?
Não sei nada a respeito. Seria muito grosseiro da minha parte começar a criticá-lo sem fazer uma análise. Eu sei que Bolsonaro é um presidente controverso – mas quem, na política brasileira, não é controverso? Deixe-me ver, quando chegar (ao Brasil), o que eu acho.
No Brasil, o senhor tornou-se uma referência para a nova direita. É possível aplicar suas ideias conservadoras em um país tão diferente do Reino Unido?
O erro do Brasil foi ter sido colonizado pelos portugueses. O Brasil deveria ter sido colonizado pelos ingleses. Isso tornaria as coisas muito mais simples. Vocês querem a tradição política britânica, e é por isso que sou popular – eu represento essa tradição. Em meio a essas constantes tempestades tropicais, vocês querem uma injeção desse senso britânico de calma. É lógico que meu conservadorismo é sobre o Reino Unido e está baseado no nível desse país, mas ele contém ideias que são relevantes para o mundo. Sou um filósofo que está sempre tentando expressar as suas visões de modo emocional, literal e intelectual, tentando ir ao encontro do coração do pensamento conservador. Isso é particularmente relevante para o Brasil, onde as pessoas são, como todos sabem, calorosas e afetivas.
O erro do Brasil foi ter sido colonizado pelos portugueses. O Brasil deveria ter sido colonizado pelos ingleses. Isso tornaria as coisas muito mais simples.
No Brasil, também ressurgiu nos últimos anos a defesa do liberalismo econômico. Para o senhor, o capitalismo necessita de controle?
Sim, claro que sim. Os clássicos filósofos liberais que as pessoas adoram, como Adam Smith e John Stuart Mill, sempre defenderam que o necessário é uma economia baseada nos princípios liberais e nada mais. Isso foi estabelecido, mas também significa controle, e que limites que não podem ser ultrapassados. Nós ultrapassamos essas barreiras ao permitir corporações nacionais fora da jurisdição de qualquer país. Chegamos a uma nova situação ao deixarmos isso acontecer sem perceber o quão imenso é o crescimento dessas corporações para além do poder de qualquer Estado-nação. Basta olhar para o Google, por exemplo. É uma corporação aterrorizante que pode controlar todos nós.
Uma corrente da ciência política defende que a democracia está em risco. O senhor concorda?
Não acho que vivamos uma crise diferente da que sempre existiu. Afinal, a democracia é uma crise. Trata-se de uma tentativa de governo por meio das pessoas, só que as pessoas estão sempre mudando – de ideias, de direção. Sempre haverá um elemento de crise. Por isso, para que tudo se mantenha estável, são necessárias instituições fortes. Os Estados Unidos as têm. Como temos visto recentemente, há muita raiva no país, mas as instituições são fortes o suficiente para manter a estabilidade. Isso é tudo o que podemos desejar.
A esquerda costuma dizer que os conservadores ignoram pautas sociais e identitárias. o senhor concorda?
É algo bastante minoritário. Em geral, a esquerda é uma coleção de minorias quietas e educadas que querem dominar a maioria. A maioria das pessoas não têm problemas de identidade sobre gênero sexual e aspectos raciais, elas estão interessadas naquilo que compartilham com as outras – o seu país e a ordem política. A esquerda está sempre brava com os conservadores porque os conservadores dizem o que as pessoas realmente querem ouvir e o que realmente as une. E não essas pautas que são relevantes apenas para pequenas minorias de grandes cidades.
Essas pautas são irrelevantes para a sociedade em geral?
Depende de quais pautas, porque todas as pautas se tornam relevantes para a sociedade se você responder a elas. A questão é como você responde a elas. A maioria das pessoas não está agitada com a agenda LGBT. Para a maioria, essa questão é minoritária e pode ser acomodada na mesma solução que serve a todas as outras coisas – a bondade humana. Isso é o que os conservadores sempre recomendam. Há uma tentativa de deixar todos os problemas fora da sociedade e transformá-los em uma espécie de glória, e é por isso que os conservadores não gostam desse tipo de agitação. Mas há outras pautas da esquerda que são importantes. O meio ambiente, por exemplo, que, na minha opinião, está bem melhor colocado na pauta do movimento conservador do que na da esquerda. Porém, a esquerda está muito correta em estar agitada sobre isso.
Mas, na direita, há inclusive um movimento que questiona o aquecimento global.
Sim. Isso é uma reação a essa agitação da esquerda, dizer que isso não faz sentido, que não está acontecendo. Racionalmente, eu diria que, sim, provavelmente está acontecendo. Mas o debate deveria ser o que fazer, sentar e estudar a ciência e a política. E, se pudermos, chegar a uma conciliação. Não existe uma solução, porque você não pode impedir o mundo de queimar combustíveis fósseis. Como podemos parar a China ou a Índia? Mas podemos pesquisar para descobrir outro tipo de combustível que não envolva a queima de combustíveis fósseis. É isso que deveríamos estar fazendo: procurando outras fontes de energia que não afetem o clima. É uma questão muito mais científica do que qualquer outra coisa.
A esquerda é uma coleção de minorias quietas e educadas que querem dominar a maioria. A maioria das pessoas não têm problemas de identidade sobre gênero sexual e aspectos raciais, elas estão interessadas naquilo que compartilham com as outras – o seu país e a ordem política.
Enquanto a maioria do Reino Unido votou por abandonar a União Europeia, o parlamento britânico enfrenta meses de impasse para aprovar um acordo para a saída do país do bloco. Há solução para o Brexit?
É uma pergunta bastante difícil. O Reino Unido é um país governado pela democracia parlamentarista, não pela democracia direta. Normalmente, não pedimos às pessoas para votarem de maneira direta sobre qualquer assunto. Pedimos para votarem em seus representantes no parlamento, e eles assumem essa responsabilidade. Agora, temos uma situação nova, na qual o parlamento foi contornado. Então, o parlamento não sabe como responder a isso. A maioria dos membros do parlamento é contra o Brexit. Por isso, não são capazes de agir como o povo quer. Assim, estabeleceu-se um conflito entre o parlamento e o povo.
E como resolver esse conflito?
Só há uma solução: o governo atuar em respeito ao voto popular. Não é aceitável que o parlamento se sobreponha ao povo, de maneira alguma. Se não conseguirem fazer isso, as pessoas ficarão muito decepcionadas com o processo político e irá existir um novo parlamento que irá celebrar o Brexit.
Para o senhor, a União Europeia ameaça a democracia no continente. Por quê?
A União Europeia começou como uma aliança entre democracias, mas foi aumentando o seu poder e se tornando mais poderosa para burocratas que não são democraticamente eleitos. É uma força contra a democracia. Há muitas características boas, mas, mesmo assim, é incompatível com o real processo democrático. Por isso, eu acho que, individualmente, as nações europeias precisam de suas próprias democracias e se voltar contra a burocracia.
Vivemos envolvidos em um mundo de mecanismos e máquinas. Precisamos parar de olhar ao nosso redor para apreciar o que estamos recebendo. Essa satisfação é uma espécie de exemplo moral. Precisamos olhar para o mundo como um presente. A beleza é isso.
Então, seria melhor que as nações se isolassem?
Ao menos, que não sejam intimidadas pelos burocratas. Constantemente, o processo burocrático está confiscando discussões do governo eleito – ou seja, dos países europeus – e os afastando do processo democrático. É por isso que as pessoas estão contestando.
O senhor também escreve sobre a beleza. por que a considera tão importante?
Vivemos envolvidos em um mundo de mecanismos e máquinas. Precisamos parar de olhar ao nosso redor para apreciar o que estamos recebendo. Essa satisfação é uma espécie de exemplo moral. Precisamos olhar para o mundo como um presente. A beleza é isso. Quando você enxerga algo como um presente, isso brilha como um endosso a sua própria existência. É o que acontece ao vivenciarmos belos lugares, belas pinturas, belas músicas e, também, uns aos outros quando estamos em paz. É isso que eu quero dizer como beleza: essas experiências que estão fora desse mundo mecanicista. Deveríamos fazer isso o tempo todo e não permitir que o mundo seja incrustado com tanta feiura, que é o que está acontecendo.