O dia começou atípico nesta segunda-feira (24) no CTG Pousada da Figueira, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Historicamente ocupado pela música tradicionalista, o espaço foi tomado por peças da música clássica. A Orquestra Filarmônica Jovem de Boston, dos Estados Unidos, visitou e tocou com os alunos de música do Instituto Popular de Arte e Educação (IPDAE).
A orquestra norte-americana é regida pelo maestro inglês Benjamin Zander, 80 anos, e está de passagem pelo Brasil para uma turnê composta por nove apresentações, que incluiu Porto Alegre, onde se apresentaram domingo, no palco do auditório Araújo Viana.
Dener Pinheiro, 18 anos, morador da Lomba do Pinheiro, esteve na plateia assistindo à performance. Nesta segunda, deixou de ser espectador e tocou com os musicistas da Orquestra Jovem de Boston. Na ocasião, conheceu Harrison Klein, 23 anos, de Chicago, e os dois formaram a dupla de contrabaixo acústico que tocou a peça Dança Húngara n° 5, de Johannes Brahms.
— Foi um misto de felicidade e nervosismo esta experiência. É sempre uma honra tocar e conhecer musicistas novos, porque a gente acaba sabendo o que eles tocam, como tocam, e aprende muito assim — diz Pinheiro, que toca contrabaixo no IPDAE há quatro anos e pretende prestar vestibular para o curso de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O encontro entre entre ele e Klein rendeu muitos registros fotográficos e troca de solicitações de amizade no Instagram. A comunicação de poucas palavras — mistura de inglês, português e espanhol — era azeitada pela linguagem da música e pelo abraço fraterno dado ao término de cada peça executada. O jovem estadunidense afirma que a conexão entre os dois foi praticamente imediata.
— Tocadores de contrabaixo, geralmente, aproximam-se muito rápido. O instrumento funciona como uma espécie de elo entre nós, porque estudamos o mesmo assunto, sabemos das dificuldades e desafios que ele nos impõe — diz Klein, acrescentando que a experiência foi única.
— É fantástico ouvir as histórias de outras pessoas, compartilhar o que sabemos e aprender com eles sobre a música e cultura local. É incrível esse tipo de contato para além dos palcos, estou muito feliz por estar aqui.
Quem estava duplamente entusiasmado era o nova-iorquino Ilya Yudkovski, 20 anos. O violinista afirma que sair em turnê é ótimo, mas que a real razão de viagens como essa são momentos como os vividos no CTG Pousada da Figueira.
— Eu amo fazer shows, a plateia do Brasil tem muita energia, mas, apesar disso, nós ainda estamos no palco, e as pessoas na plateia. Não conseguimos ver o sorriso em seus rostos, o brilho em seus olhos, por isso, a melhor parte das viagens são momentos como esse. Aqui, podemos conversar, investir tempo em conhecer o outro e sua cultura e, principalmente, compartilhar arte — diz Ilya que celebrou seu aniversário ontem.
— Eu sou muito sortudo. Não poderia ter um aniversário melhor. Estou cercado de pessoas que conheci agora e me sinto muito próximo de todas elas.
Uma ferramenta de transformação
A Orquestra Jovem de Boston foi criada por Zander, em 2012, e é composta por 120 integrantes de 12 a 21 anos. O objetivo da iniciativa, segundo o maestro, é mostrar que a música clássica não está em crise ou esquecida pelo público jovem. Zender defende que a música ajuda a moldar futuros líderes e tem capacidade de juntar pessoas e fazê-las executarem peças incríveis em conjunto:
— A grande magia da música é seu poder de valorizar e potencializar as capacidades dos adolescentes. Além disso, é lindo ver brasileiros e estadunidenses rindo, se abraçando e conversando, apesar de não falarem o mesmo idioma. E o trabalho executado pelos professores daqui é inspirador. Eles dão oportunidade para esses estudantes, que agarram essa chance com todas as forças.
O professor de flauta doce e mastro da orquestra jovem do IPDAE, Ademir Schmidt, não conteve a emoção ao falar da experiência de reger a orquestra mista que se formou diante dele e de conhecer um dos maiores maestros da atualidade.
— A troca que ocorreu aqui é única para a comunidade e foi engrandecedor ouvir do Ben (Zander), esse grande nome da música erudita, que as crianças exalam a musicalidade que eu tento transmitir para elas — conta Schmidt.
Allan Leffa, 20 anos, é tão apaixonado pela música que a tem gravada na pele. Na parte interna do pulso esquerdo, tem tatuada uma clave de sol. Aos 15 anos, ganhou de presente um violino e começou a arranhar os primeiros acordes sozinho por falta de dinheiro para bancar as aulas particulares. A grande mudança veio aos 17 anos, quando conheceu e se inscreveu na Escola de Música do IPDAE:
— Esse lugar me aproximou da minha paixão. A minha jornada até aqui não é fácil, levo duas horas para chegar, porque moro no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre. Mas vale a pena por momentos enriquecedores como esse — diz o estudante, que também vai prestar vestibular para Música na UFRGS.
Falta de instrumentos
A escola de música do IPDAE foi fundada em 2006. Atualmente, atende 250 jovens que estão divididos em duas sedes: uma na Lomba do Pinheiro e outra na Restinga, no Extremo Sul. Nas entidades, são ministradas aulas de flauta doce, flauta transversa, violino, viola, violoncelo, piano, contrabaixo, oboé, canto coral e teoria musical.
No momento, a instituição sofre com a falta de instrumentos da família dos metais: trombas, trompetes, trombones, tubas e eufónios. Outra necessidade é a construção de uma terceira sede para atender alunos moradores do Centro e da Zona Norte.
Fátima Flores, diretora do IPDAE, acredita no poder de empoderamento dos alunos por meio da música:
— Quando um deles consegue expandir seu próprio horizonte tendo a música como chave para isso e muda a realidade que o cerca, ele contribui para a transformação do ambiente em que ele está inserido. O que acontece aqui é uma revolução cultural e ela não pode parar.
PARA AJUDAR O IPDAE
Quem quiser colaborar com a ecola de música pode fazer doação de qualquer valor por meio de depósito bancário:
— Banco Banrisul
— Agência: 0040
— Conta Corrente: 0605581302 (Instituto Popular de Arte e Educação - IPDAE).
Para mais informações:
— O contato da escola é pelo telefone (51) 3336-3713.